sábado, 16 de março de 2024

SÉRIE ESTUDOS - AGUARDANDO O OTIMISMO DA VONTADE


Mega-Tretas


Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Mega-ameaças: dez perigosas tendências que ameaçam nosso futuro e como sobreviver a elas, do turco Nouriel Roubini. Tradução de Maria de Fátima Oliva do Couto; Revisão técnica de Andreia Marques Duarte. São Paulo: Crítica, 2023.

 

Quando em 2010 foi publicado A grande aposta, de Michael Lewis onde ele mostra que pouquíssimos tinham visto o que se passara nos anos anteriores e foram incapazes de prever a crise de 2008. Dado esse número ínfimo de pessoas que viram o que se aproximava, nada tem de surpreendente que não estejamos mais bem preparados do que agora.

Nouriel Roubini foi um dos poucos que conseguiu ter emitido avisos terríveis, em 2006, de que o mercado hipotecário subprime nos EUA era um acidente à espera de acontecer o pior e que quando a bolha arrebentasse estaríamos num mundo de dor. Ele ganhou o apelido de “Dr. Destino”. Roubini faz isso diversas vezes, embora prefira descrever-se como “Doutor Realista”. E em Mega-ameaças ele está de volta.

Mas não há nada remotamente alegre em suas advertências. Ele vê sérios problemas pela frente. As dez tendências distintas que ele identifica podem parecer um pouco megalomaníacas. Só que não. Começa com o rápido crescimento da dívida, que, após uma pausa pós-crise, recuperou-se com força, estimulada pela flexibilização quantitativa. Isto leva a uma discussão sobre a instabilidade financeira, da qual a dívida é uma das causas. Nesta mistura entra o envelhecimento da população, que pesa sobre o crescimento da produtividade e sobre as finanças públicas, cria-se uma bomba-relógio demográfica. As responsabilidades com aposentadorias e pensões revelar-se-ão um enorme problema para os governos num futuro próximo.

Passando das finanças para a política, Roubini acredita que a globalização está, na melhor das hipóteses, em compasso de espera. Ele não é tão pessimista como alguns outros, que veem barreiras comerciais a serem erguidas por todo o lado, mas o cenário mais otimista é o da “desaceleração”. A política chinesa mudou claramente, e não no bom sentido. Temos de reconhecer que a China está no caminho para se tornar a potência dominante mundial.

Ele acrescenta as alterações climáticas a este complexo de problemas. Os que negam as alterações climáticas têm explorado incertezas marginais na comunidade científica para resistir a uma ação eficaz e colocar-nos no caminho equívoco de um aumento de temperatura de pelo menos dois graus. O impacto será devastador.


Este pode parecer um território familiar, mas Roubini acrescenta outro ingrediente preocupante: a inteligência artificial (IA). A IA tornará muitos, muitos trabalhadores dispensáveis. Um pequeno número de trabalhadores de grande conhecimento no topo da pilha sobreviverá à revolução da IA. A maioria dos outros não tem as competências necessárias para competir, pelo que o desemprego e a desigualdade de rendimentos seguiram aumentando acentuadamente.

Os dez fenômenos interagirão claramente entre si. Roubini tenta esboçar o futuro que resultará. É uma visão dantesca. A inflação fará subir as taxas de juros, o que levará as economias à recessão e conduzirá à “Grande Crise da Dívida Estagflacionária”. Este será o pior período de estagflação que o mundo já viu. Ele não concorda com as previsões de aterrisagem suave apresentadas pela Reserva Federal (FED) dos Estados Unidos da América (EUA). A realidade estará em algum lugar entre um pouso forçado e um acidente de pista em grande escala.

E isso é apenas o começo dos nossos problemas. O persistente déficit comercial dos EUA e a forma como os EUA transformaram o dólar em arma, através de sanções e outros meios, resultarão no fim da hegemonia financeira norte-americana. A introdução da moeda eletrônica pela China acelerará o seu declínio e os EUA enfrentarão uma aliança entre a China, Rússia e o Irã, e muitos outros países que aderirem a ela. Outras crises serão precipitadas por este coquetel. A Itália pode ir à falência, levando ao colapso a união econômica europeia. Enfrentamos uma viagem acidentada numa noite muito escura.

Então, o que deve ser feito? Os últimos capítulos de Roubini são cuidadosamente singelos. Ele sugere que os investidores devem aumentar a proporção dos seus ativos detidos em dinheiro. Isso faz sentido, mas não vai impedir o aquecimento do planeta. A mudança tecnológica pode ajudar, mas as tecnologias que podem retardar o aquecimento global parecem ainda estar muito distantes. A renda básica universal poderia ser uma resposta à corrosão da IA, mas apenas se conseguirmos fazer com que a economia seja sustentável. Enquanto isso, fechar as escotilhas pode ser o melhor que podemos fazer.

Roubini é sempre provocativo e instigante. Mega-ameaças têm ambas as características em abundância. Ele tem menos segurança na Europa do que nos EUA. Mesmo assim ele mostra que o populismo anti-UE e anti-Euro não está aumentando. As sondagens têm dito o contrário, e o flerte da Sra. Le Pen e da Signora Meloni com as políticas anti-Euro não duraram muito. As últimas sondagens mostram que o apoio público ao Euro está no seu nível mais elevado.

Mas estas são queixas. A principal tese de Roubini, de que temos vivido acima das nossas possibilidades, confortados por uma visão de mundo Panglossiana, que precisamos mostrar seus pés de barro. Afinal, ele já esteve certo antes e nada nos aponta o contrário agora.

 

14 de março de 2024



[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.




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