Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Mega-ameaças:
dez perigosas tendências que ameaçam nosso futuro e como sobreviver a elas, do turco
Nouriel Roubini. Tradução de Maria de Fátima Oliva do Couto; Revisão técnica de
Andreia Marques Duarte. São Paulo: Crítica, 2023.
Quando em 2010 foi publicado
A grande aposta, de Michael Lewis onde ele mostra que pouquíssimos
tinham visto o que se passara nos anos anteriores e foram incapazes de prever a
crise de 2008. Dado esse número ínfimo de pessoas que viram o que se
aproximava, nada tem de surpreendente que não estejamos mais bem preparados do
que agora.
Nouriel Roubini foi um dos
poucos que conseguiu ter emitido avisos terríveis, em 2006, de que o mercado
hipotecário subprime nos EUA era um acidente à espera de acontecer o pior
e que quando a bolha arrebentasse estaríamos num mundo de dor. Ele ganhou o
apelido de “Dr. Destino”. Roubini faz isso diversas vezes, embora prefira
descrever-se como “Doutor Realista”. E em Mega-ameaças ele está de
volta.
Mas não há nada remotamente
alegre em suas advertências. Ele vê sérios problemas pela frente. As dez
tendências distintas que ele identifica podem parecer um pouco megalomaníacas. Só
que não. Começa com o rápido crescimento da dívida, que, após uma pausa pós-crise,
recuperou-se com força, estimulada pela flexibilização quantitativa. Isto leva
a uma discussão sobre a instabilidade financeira, da qual a dívida é uma das
causas. Nesta mistura entra o envelhecimento da população, que pesa sobre o
crescimento da produtividade e sobre as finanças públicas, cria-se uma
bomba-relógio demográfica. As responsabilidades com aposentadorias e pensões
revelar-se-ão um enorme problema para os governos num futuro próximo.
Passando das finanças para a
política, Roubini acredita que a globalização está, na melhor das hipóteses, em
compasso de espera. Ele não é tão pessimista como alguns outros, que veem
barreiras comerciais a serem erguidas por todo o lado, mas o cenário mais
otimista é o da “desaceleração”. A política chinesa mudou claramente, e não no
bom sentido. Temos de reconhecer que a China está no caminho para se tornar a
potência dominante mundial.
Ele acrescenta as alterações
climáticas a este complexo de problemas. Os que negam as alterações climáticas
têm explorado incertezas marginais na comunidade científica para resistir a uma
ação eficaz e colocar-nos no caminho equívoco de um aumento de temperatura de
pelo menos dois graus. O impacto será devastador.
Este pode parecer um
território familiar, mas Roubini acrescenta outro ingrediente preocupante: a
inteligência artificial (IA). A IA tornará muitos, muitos trabalhadores dispensáveis.
Um pequeno número de trabalhadores de grande conhecimento no topo da pilha
sobreviverá à revolução da IA. A maioria dos outros não tem as competências
necessárias para competir, pelo que o desemprego e a desigualdade de
rendimentos seguiram aumentando acentuadamente.
Os dez fenômenos interagirão
claramente entre si. Roubini tenta esboçar o futuro que resultará. É uma visão dantesca.
A inflação fará subir as taxas de juros, o que levará as economias à recessão e
conduzirá à “Grande Crise da Dívida Estagflacionária”. Este será o pior período
de estagflação que o mundo já viu. Ele não concorda com as previsões de aterrisagem
suave apresentadas pela Reserva Federal (FED) dos Estados Unidos da América
(EUA). A realidade estará em algum lugar entre um pouso forçado e um acidente
de pista em grande escala.
E isso é apenas o começo dos
nossos problemas. O persistente déficit comercial dos EUA e a forma como
os EUA transformaram o dólar em arma, através de sanções e outros meios,
resultarão no fim da hegemonia financeira norte-americana. A introdução da
moeda eletrônica pela China acelerará o seu declínio e os EUA enfrentarão uma aliança
entre a China, Rússia e o Irã, e muitos outros países que aderirem a ela.
Outras crises serão precipitadas por este coquetel. A Itália pode ir à
falência, levando ao colapso a união econômica europeia. Enfrentamos uma viagem
acidentada numa noite muito escura.
Então, o que deve ser feito?
Os últimos capítulos de Roubini são cuidadosamente singelos. Ele sugere que os
investidores devem aumentar a proporção dos seus ativos detidos em dinheiro.
Isso faz sentido, mas não vai impedir o aquecimento do planeta. A mudança
tecnológica pode ajudar, mas as tecnologias que podem retardar o aquecimento
global parecem ainda estar muito distantes. A renda básica universal poderia
ser uma resposta à corrosão da IA, mas apenas se conseguirmos fazer com que a
economia seja sustentável. Enquanto isso, fechar as escotilhas pode ser o
melhor que podemos fazer.
Roubini é sempre provocativo
e instigante. Mega-ameaças têm ambas as características em abundância.
Ele tem menos segurança na Europa do que nos EUA. Mesmo assim ele mostra que o
populismo anti-UE e anti-Euro não está aumentando. As sondagens têm dito o
contrário, e o flerte da Sra. Le Pen e da Signora Meloni com as políticas anti-Euro
não duraram muito. As últimas sondagens mostram que o apoio público ao Euro
está no seu nível mais elevado.
Mas estas são queixas. A
principal tese de Roubini, de que temos vivido acima das nossas possibilidades,
confortados por uma visão de mundo Panglossiana, que precisamos mostrar seus
pés de barro. Afinal, ele já esteve certo antes e nada nos aponta o contrário
agora.
14 de março de 2024
[1] Presidente do Conselho
Deliberativo da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya
Educacional e da UniverCEDAE.
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