terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A FOTO DE PRESTES


No dia 03 de Janeiro o Sol reapareceu para a alegria dos cariocas e outros seres humanos amantes da Praia. Na Edição On-line de O Globo me fixei na foto acima sem antes ter lido a manchete. Julgava ser apenas uma ingênua reportagem sobre o doce sabor da vida numa praia. Não reconheci na primeira vista um mito que a "velha esquerda" cultuou durante décadas.
Ainda imaginando uma possível programação de final de semana, cliquei para ler a matéria. O doce sabor do lazer humano tratava-se de uma reportagem sobre a doação de arquivos ao Arquivo Nacional feitos por Maria Prestes - Viúva de Luiz Carlos Prestes. Uma doação relevante em tempos de Comissão da Verdade pois citava uma suposta lista de "torturadores" elaborada em 1975.
Contudo, a foto foi a melhor oportunidade para repensar anos da História da Esquerda Brasileira. Desde minha formação política militante na adolescência dos anos 80 tive que enfrentar um "mito" conhecido como "prestismo". Não compreendia as cisões dos comunistas naquela década de campanha de Diretas Já e apoio a candidatura de Tancredo Neves. A mitificação da Coluna Prestes povoava setores da esquerda ainda nostálgica dos tempos da luta armada como confronto a Ditadura Militar. Um anacronismo histórico fácil de denunciar mais amadurecido, porém na mentalidade juvenil tudo poderia se justificar. 
As fotos famosas de Prestes apareciam em alguns livros mais à esquerda. Ele no exílio da Coluna Prestes, Prestes solto em 1945 ou ele na Bancada do PCB da Constituinte de 1946. Tudo parecia natural. O grande dirigente que não teria momento para viver o lazer. A lenda da "virgindade" do Cavaleiro da Esperança até conhecer seu primeiro Amor (Olga Bernário) reforçava vínculos de jovens prestistas com o "catolicismo social" da Teologia da Libertação por causa desse lado celibatário em nome da causa justa para a Humanidade. A Coluna Prestes seria um "neocristianismo" com seus Apóstolos Tenentistas que fizeram História na política brasileira após 1930.
Nesse ambiente, era comum virar um "prestista" na Zona Oeste do Rio de Janeiro na adolescência (dizem que uma Deputada Estadual foi "mordida" por esse mito juvenil nessa época quando os "prestistas" foram para o PDT). Então, me deparei com essa questão: Por que não acompanhei Prestes na minha adolescência? Lembro de uma entrevista em que ele denunciava a vinda de uma "democracia burguesa" mesmo com a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e ele sugeria a necessidade de unir as forças revolucionárias. Esse brado "dogmático" era encantador, mas ele estava ao lado de Leonel Brizola que seria um democrata porém distante de ser um legítimo revolucionário operário e camponês. Tive esse estranhamento e comecei a ficar sem compreender "falas" e "ações" do líder comunista que se afastou do PCB escrevendo Carta aos Comunistas (tentei ler essa obra por vários momentos e perdi o exemplar que me foi dado por um prestista que desejava me cooptar).
Tempo se passou e muitos elementos do prestismo me fizeram compreender que "escapei" de uma furada que a esquerda brasileira não pode evitar. Contudo, a foto de Prestes na praia  num momento humano de um brasileiro demonstra que o problema maior sempre foi a "mitificação". Nesse ponto, a Historiadora e Filha de Luiz Carlos Prestes Anita Leocádia Prestes assume um legado que representa a continuidade de um mito que impede repensar a trajetória do líder comunista. Não vejo razão para questionar a publicação das fotos através de um Juizo-Kardecista, ou seja, "se ele estivesse vivo não aprovaria isso". Será? Afinal, ele foi preso por Getúlio Vargas no Estado Novo e compreendeu o momento político de União Nacional no Movimento do Queremismo (apoio de uma Constituinte com Getúlio Vargas). A ideia de Prestes ser sóbrio não fica prejudicada por uma foto dele na praia. Afinal, ir a praia é um momento de lazer revolucionário. O espaço de lazer mais democrático que temos na sociedade brasileira. Assim, compreendo que faltou essa foto na história da esquerda brasileira para evitar tantos sectarismos.

Por Vagner Gomes de Souza -Professor de História na Rede Pública de Ensino do Rio de Janeiro