domingo, 1 de abril de 2018

INTERVENÇÃO DA EDUCAÇÃO

Nada há ainda de relevante no Rio de Janeiro após o Decreto da Intervenção na Segurança Pública Estadual. A Saúde Pública continua um verdadeiro retrato de violência para as classes populares. A cada dia, a política de confronto policial mata duas pessoas. O futebol carioca transformou-se no mais elitizado do país. E a Educação Pública é tratada como gasto ao contrário de investimento da construção de uma cultura democrática de paz e tolerância.
Não nos calemos diante da gravidade da situação que clama por medidas políticas claras para a sociedade. Esse é o espaço do debate que o BLOG VOTO POSITIVO deseja dar continuidade com a entrevista com o professor Jarley Frieb.
Confira e sigamos em frente nesse movimento de reflexão.
 
Professor Jarley: "A opção por lecionar no Ensino Fundamental foi tomada por mim em uma idade em que já tinha uma vivência intensa das realidades das Classes Populares (...)"
 
1)      O Estado do Rio de Janeiro tem vivido uma sequência de atos associados a violência. Mesmo sob a Intervenção Federal na Segurança Pública, a sensação de tranquilidade da população não existe. Por outro lado, há setores da sociedade que defendem maior investimento social para reduzir os impactos da violência. Como Pedagogo, qual sua opinião sobre esse quadro?
 
Professor Jarley - Como pedagogo, professor na Rede pública Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, cidadão... não vislumbro possibilidade de melhora no quadro de violência em lugar algum do mundo, e ainda mais em um país tão desigual como o nosso, que não contemple amplos investimentos – e melhor uso dos que já existem – na Educação e na saúde. Não que a Segurança não precise de verbas – precisa, e muito – mas se as duas primeiras áreas forem prioridades, a violência diminuirá a longo prazo. A curto prazo, penso que  o fim de incursões em Comunidades como prática corrente, as quais colocam em risco a vida de moradores e dos policiais, sem ter resultado nem próximo do esperado, devem ser repensadas imediatamente. Não me iludo achando que a violência acabará, ela está presente em todo o mundo, mas alimentada pela desigualdade social e a falta de investimento público em setores fundamentais, a espiral de violência não tem fim.
 
2)      Sua formação em Pedagogia foi pela UERJ. Como o Senhor se sente ao ver as notícias relativas a Crise da UERJ?
 
Professor Jarley - Triste, muito triste. Tenho amigas, amigos e conhecidos que lecionam nessa Universidade, alguns foram meus professores, outros fizeram graduação comigo e seguiram a carreira acadêmica, e fico horrorizado com o processo de sucateamento de uma Instituição que sempre ofereceu tanto retorno à Sociedade. E não é só a UERJ: quanto ganha um professor de Ensino Médio da Rede estadual??? Há muito tempo lecionar no Estado deixou de ser minimamente atrativo, e com isso temos multidões de alunos que ficam ser aulas em disciplinas importantes para sua formação, com os resultados esperados de tudo isso: não chegam às universidades públicas; não tem perspectiva de bons empregos, e vão engrossar o mercado de mão de obra barata para a Elite, essa mesma Elite que em sua maioria não está nem aí para nossa profissão nem para a urgente necessidade de melhora na Educação no país, pois seus filhos não são usuários de Redes públicas de Ensino.
 
3)      Após sua formação, sua atuação se concentrou no efetivo exercício do magistério nas salas de aula da Rede Municipal e teve uma experiência em Sala de Leitura. Como a prática lhe auxiliou a repensar os problemas da população carioca?
 
Professor Jarley - A opção por lecionar no Ensino Fundamental foi tomada por mim em uma idade em que já tinha uma vivência intensa das realidades das Classes Populares: desde muito pequeno, não sendo oriundo de uma família burguesa-tradicional, apesar de criado na Zona Sul, conhecia bem os subúrbios, por volta dos 20 anos frequentava a Baixada Fluminense 3 a 4 dias por semana por quatro anos... subindo Comunidade de segunda a sexta, presenciando trocas de tiros entre traficantes e policiais, convivendo com as diferenças econômicas que existem dentro da própria Comunidade, tudo isso formou a visão que hoje tenho da Cida de que NÃO QUERO – a que está aí – mas também me fez refletir sobre as mudanças que quero ver. Quanto ao trabalho com Sala de Leitura, foi uma experiência maravilhosa: conheci os melhores diretores de Escola com os quais trabalhei, reconstruímos a Sala de Leitura , atendia 30 turmas – Educação Infantil e Educação de Jovens e Adultos.
Minha trajetória nessa área começa no entanto em 1994, quando participei por dois anos do Grupo de Contadores de Histórias da UERJ. Até hoje não estou convicto de que ouvir histórias faça de alguém um grande leitor, mas é uma arte maravilhosa, os narradores orais atravessaram a história da Humanidade encantando gerações, eu mesmo tive contato com uma grande contadora – por sinal, analfabeta – em minha infância. E devo a ela, e ao incentivo de meu pai, a paixão pela Narrativa e pelos livros que até hoje me acompanham. Diria mais: que me formaram. 
 
4)      Em ano de eleições, muitos programas citam a importância da Educação Pública para a melhoria de vida. Contudo, os profissionais de educação se sentem sempre colocados num “segundo plano” nas decisões da Gestão de Educação. Como fazer a Educação Pública ser uma verdadeira prioridade?
 
Professor Jarley - Colocando nos cargos de Gestão – a começar pelos que decidem as coisas de fato – professores DE SALA DE AULA. Nós é que vivenciamos diariamente as dificuldades em lecionar no Ensino Público. Claro que o diálogo com as Universidades também é vital, pois ali se pesquisa, se produz conhecimento; remunerar bem os profissionais de Educação, promover formação continuada... novos concursos públicos... e algo que deveria ser primordial em todas as reuniões de pais de qualquer escola pública: explicar como funcionam essas instituições, desde como os profissionais ali ingressam (através de concursos públicos), até quais são as verbas, e de onde vêm, que possibilitam o funcionamento das mesmas. A família tem deveres mas os gestores e professores têm  o dever de informar  que a Escola Pública é um direito de todos e todas, e convocar as famílias a construir o processo educativo conosco é fundamental.

5)      Há Projetos de Lei defendendo que os educadores não desenvolvam temas com uma abordagem crítica. O argumento é de que se trata de uma doutrinação da esquerda estimular uma educação crítica e valorizadora dos Direitos Humanos. Enfim, qual o recado que o Senhor daria para os defensores do “Escola sem Partido”?
 
Professor Jarley - Primeiramente, agradeço todos os dias ao Destino que meu pai não tenha pensado como eles, risos... doutrinação? Ah, tá... bem, para os da minha geração eu perguntaria:  - Ué, se esta existe, como estudei com tantas pessoas que são ultra fãs do modelo capitalista, incluindo alguns de Direita, e eu sou Esquerda?? Eles ficaram imunes à doutrinação dos comunistas e socialistas que nos deram aulas no ensino médio como? E tendo estudado em um colégio bem conhecido e tradicional de Copacabana, onde muitos de nossos professores eram também de esquerda e trabalhavam em outras tantas instituições ainda hoje “de elite”- e que formam alunos que buscarão ocupações que os permitam seguir sendo elite - minha curiosidade sobre como não se “contaminaram” só aumenta KKKKKK... Bem, é direito dos pais querer definir e traçar o destino dos filhos... agora, que sou muito feliz por ter tido pais que naõ influíram  em minhas escolhas ideológicas nem profissionais, disso não tenho dúvida. Para finalizar: nunca conheci um professor que doutrinasse alunos; fico imaginando e não posso evitar o riso ao pensar em como um/uma professor poderia fazer lavagem cerebral COMUNISTA em crianças de 4-10 anos para derrubarem o Sistema Capitalista... agora, doutrinação de Esquerda  não pode, mas a de Direita pode, né??? e ela começa  aonde? Alguns destes pais tão preocupados com a possibilidade de seus filhos virarem adultos progressistas deveriam conhecer mais o processo educacional como um todo, e não verem o professor apenas como um transmissor de conteúdos. Educação é muito mais que isso, mas certamente poucos deles o sabem, pois sua opção profissional não foi lecionar no Ensino Fundamental, e nem cursar Pedagogia nem Licenciaturas, áreas que não atraem as Classes Dominantes. A educação cidadã é necessária a todos e todas, mas se eu defendo um modelo onde vejo conspiração da Esquerda (como se existisse UMA esquerda única, risos) em tudo, onde penso que o Bolsa Família irrisório é um benefício a quem não quer trabalhar, ou que fui bem sucedido por ser mais inteligente, ter Q.I de tanto etc... fica difícil descontruir a desigualdade e sobra um medo, em minha opinião infundado, onde deveria existir o diálogo e o respeito às diferenças ideológicas. Não preciso concordar com alguém, mas como educador devo ouvi-lo e, se necessário, dialogar. Até para entenderem os limites  que um teste de Q.I tem, para o que serve, o que significa “inteligência”...mas será que parte da Elite está interessada em saber disso, ou somente em criar semelhantes em pensamento e atitude? Enfim, a questão é complicadíssima, pois como falei anteriormente, quem vai direcionar a Educação dos filhos, e não poderia ser diferente, claro, pois é um direito delas, são as famílias (viu? Sou socialista mas não defendo que o Estado separe os filhos das famílias para dar-lhes formação maoísta KKK). O problema, a meu ver, é quando não buscam orientações sobre isso, pois em sua maioria, por escolhas profissionais, são leigas no assunto Educação.
 
6)      A escola é um espaço em que se convive com a pluralidade nos mais amplos sentidos. Ainda percebemos alunos que se sentem silenciados por sua opção religiosa. Ou melhor, sentem vergonha de se reconhecer como praticantes do Candomblé ou da Umbanda. Como respeitar e valorizar esse segmento na prática do ensino?
 
Professor Jarley - Para começar, o próprio profissional de Educação deveria ser tolerante para com a diversidade. Se acho que minha religião ou posição política é a única a ser respeitada, a coisa já começa mal; por isso defendo uma escola pública laica, sem imagens nem representações religiosas que possam ser objetivo de controvérsias que ali não cabem. Os praticantes das religiões de matriz afro, entre os quais me incluo – sou ogan (sacerdote que não é “tomado” pelo orixá, não cai nunca em transe) confirmado há 29 anos no Candomblé, na Raiz do Jeje mahin,  – devem amparar-se na Lei que proíbe a discriminação religiosa, e devemos estar unidos e dialogando com toda a Sociedade – por isso defino-me religiosamente também como um universalista, vejo Deus em várias manifestações religiosas e também onde elas não existem.  A Sociedade é formada por praticantes de distintas fés e ateus, agnósticos...para contemplar tanta diversidade, só muito diálogo e respeito para com o/a outro/outra, para com sua Verdade.
 
7)      No último ENEM, o tema de redação foi sobre os Deficientes Auditivos na Educação. Sabemos que o Senhor tem dialogado com especialistas na área sobre isso. Conte-nos mais a respeito.
 
Professor Jarley - Durante um bom tempo fiz cursos em uma instituição de referência que atende a portadores de cegueira e baixa visão, o Instituto Benjamin Constant, sem dúvida uma das referências mundiais nessa área. Isso abriu minha visão ainda mais sobre a necessidade da Inclusão de pessoas com qualquer Necessidade Especial, e essa inclusão não está e nem pode ser restrita somente aos educadores e familiares: tem que ser objeto de reflexão por TODA a Sociedade. Dessa maneira podemos participar da construção de um Mundo para Todos. Provocar a reflexão nos jovens sobre esses temas é fundamental, por isso achei a escolha muito feliz.
 
8)      Qual ferramenta o Senhor definiria como indispensável à Educação?
Professor Jarley - O diálogo. Sempre. Conheci poucos profissionais de Educação que ensinem seus alunos a ouvir, a escutar o outro – e isso é possível. Se não ouço, não mudo meu pensamento, não me questiono...não dialogo. O estudo das diferentes técnicas de Escuta (Ativa, Empática etc.) deveria constar no currículo de todo curso de Pedagogia. E acredite: esse trabalho pode começar ainda na Educação Infantil. Outra coisa: a exemplo do que ocorre na Argentina, temos que ter mediadores de conflito nas escolas. Profissionais de educação, pais, membros da Comunidade escolar...que com  treinamento e formação adequada, e partindo também de seus saberes já constituídos, possam atuar dirimindo conflitos tão comuns nessas instituições. Fica a sugestão para que os diferentes municípios e Estados invistam nisso, mas enquanto não tivermos governos progressistas certamente isso não ocorrerá... em tempos de Sociedade brasileira atingida permanentemente pela violência, a Escola tem que ser um ambiente onde se forme uma cultura de Paz – porque fora dela, o que grassa é a violência, a barbárie.