domingo, 25 de março de 2018

ANÁLISE - ELEIÇÕES 2018


Teses sobre o processo eleitoral das eleições de 2018
Vagner Gomes de Souza (Sociólogo e Historiador)

1.      As eleições de 2018 é mais um momento na história “zigue-zague”  democratizadora de nosso país. Uma estrutura de mudanças lentas que coabita com muitas facetas conservadoras agora expõe alguns traços autoritários nas redes sociais. Contudo, não nos esqueçamos da durabilidade de nossa escravidão (388 anos!!!) e suas dramáticas consequências para os afrodescendentes. Não nos esqueçamos da existência de dois momentos de regimes autoritários em nossa República. Enfim, vivemos uma democracia ainda em construção. A pauta democrática, mais uma vez, ganha força para lutar pelas mudanças sociais. Temos a oportunidade de um reencontro da política com os novos sujeitos sociais desde que se saiba operar a política das alianças.

2.      Não está ainda claro o quadro eleitoral em que o debate da tese anterior se manifestará. A crise do sistema partidário brasileiro contaminou até as agremiações da esquerda brasileira ao se deixar pautar pela “pequena política” ao se manifestar no limite do cálculo eleitoral. As mudanças reivindicadas em 2013 relativas a Saúde e Educação Pública estão a procura de um ator político que melhor lhe represente. A gravidade da recessão econômica impediu uma maior conexão com a renovação via sociedade civil.

3.      No calendário eleitoral, estamos em tempos de “janela partidária”. Nesse momento, tudo é feito como se fosse uma “feira de legendas” mais identificadas com o “Centrão” na expectativa de continuidade das forças do atraso e do clientelismo político. Os partidos de viés mais do campo democrático devem admitir uma dificuldade na renovação de seus quadros políticos uma vez que não se permitiu um pluralismo das classes subalternas nos anos do “Presidencialismo de Coalizão” sob o comando do PT. Aliás, não foram “anos petistas” ou “lulista” que vivemos de 2003 até 2016, mas uma ampla coalizão com forças do atraso que emergiram após o Impeachment de 2016.

4.      As forças do atraso chegaram ao Governo em 2016, mas não conseguem se fazer hegemônicas. Esse é o ponto o qual se explica o sentimento de “vazio de Centro Político”. Entretanto, esse é um setor político que será reconstruído pelas forças democráticas com adesão da própria esquerda. Nossos liberais estão reféns do economicismo na política e poucas figuras de natureza pública rompem com o discurso da flexibilização irresponsável.

5.      Estamos em tempos de formulação de um programa que evite colocar a esquerda democrática no “gueto” do sectarismo político. A situação do Rio de Janeiro é um importante “laboratório” para a intervenção da política da frente. Não devemos esquecer que a recomposição de uma “centro-esquerda” no segundo colégio eleitoral do país permitiria melhor possibilidade para a passagem das forças modernizadoras da política. Contudo, a tarefa não é simples diante dos cálculos de grupos da esquerda ressentidos com a ideia da renúncia de alguns projetos imediatistas.

6.      Não há nada consolidado quanto a existência da polarização entre Esquerda e Direita. O primeiro colocado nas pesquisas eleitorais é de uma força política que sempre disputou as eleições presidenciais no Brasil desde 1989. Ora ficando em segundo lugar ou ora ficando em primeiro lugar. O segundo colocado nas pesquisas é um “aggiornamento” no conservadorismo brasileiro que se sentiu abandonado na fragmentação do PSDB e DEM. Nas devidas proporções, trata-se de uma “Terceira Via” à direita com a hipótese de se esvaziar ao longo do processo eleitoral.

7.      A “Fakepolarização” alimenta um debate sobre a necessidade um Centro Político, porém, na verdade, trata-se de segmentos da burguesia brasileira pleiteando a sua pactuação em torno de candidaturas próprias na perspectiva de uma unidade adiante. PSDB, DEM e MDB ensaiam candidaturas próprias em nome do mesmo programa. A dosagem de liberalismo que lhes faz diferir é imperceptível diante dos graves problemas de distribuição de renda que vivenciamos em nosso país.

8.      Temos tempo para se fizer valer um Pacto de Forças Políticas comprometidas com a implementação da Constituição de 1988. Nela está a política moderna do Brasil. A atualização do marco constitucional não implica na sua descaracterização e limitação de suas conquistas sócias. Pelo contrário, há uma constante necessidade de redistribuição social no Brasil tanto na renda quanto no acesso de serviços públicos. O Centro Democrático será reinventado pela inspiração das forças sociais mais a esquerda.

9.      Na disputa eleitoral para a Presidência da República, todas as vertentes políticas aguardam o “Plano B” ao Lula. Contudo, a tarefa democrática desse momento é abrir núcleos de defesa dos valores civilizatórios que estão consagrados na Constituição de 1988. Além disso, formular uma pauta democratizadora que convoque a sociedade para renovar nossos legislativos com candidaturas modernas. Os Núcleos devem ser um Movimento da Sociedade Civil de renovação política programática.

10.  Nada nos permite em ficarmos presos a conjuntura em nomes sem que fiquemos atentos a formulação da política democrática. Ela deve partir de baixo para cima em diálogo com as forças política partidária.

11.  A Democracia Brasileira tem a oportunidade de abrir um novo ciclo político em 2018. Entretanto, as forças políticas democráticas não podem continuar reféns de um cálculo da polarização. Esse é o momento de se autotransformar.

quarta-feira, 21 de março de 2018

MODERNISMO DAS MARGENS - ENTREVISTA COM JESSÉ ANDARILHO


O BLOG VOTO POSITIVO tem um compromisso com a formação de um público leitor que contribua para a formação de uma cultura democrática. A entrevista com Jessé Andarilho é a oportunidade de apresentar ao nosso público um carioca, criado na favela de Antares, que fez da literatura uma possibilidade de redenção. Seus livros Fiel (2014) e Efetivo Variável (2017) apresentam um lado da cidade do Rio de Janeiro pouco reconhecido nos meios de ficção. Fazemos votos de esperança que muitos leitores entrem no efetivo dessa literatura que ousaremos de chamar “Modernismo das Margens”.

Jessé Andarilho - Foto: Custodio Coimbra (O Globo)
 
1)      Em seu primeiro livro, Fiel (2014), você coloca um personagem da periferia que nasceu numa família evangélica.  Fiel, além de outros aspectos, retrata essa transição religiosa da sociedade carioca para o protestantismo. Você considera que o fator religioso inibe a criminalidade?
 
Jessé Andarilho - Conheço vários evangélicos traficantes. A religião sem educação é tipo aquele lance de fé sem ações.
 
2)      O personagem Felipe em Fiel tem uma fixação pelo futebol. Muitos jovens da periferia brasileira tem hoje o sonho de ser um “novo” Neymar não só quanto ao talento, mas também quanto a conta bancária. Esse desejo pela ostentação monetária seria um fator negativo?
 
Jessé Andarilho - Como nós não vemos muitos médicos pretos que vieram das favelas, não vemos muitos professores que vieram da favela, não vemos advogados que vieram das favelas, é mais fácil se apegar na ideia de que vencer na vida é ser pagodeiro ou jogador.
 
 
3)      Qual foi o impacto literário de Fiel na sociedade carioca? Temos a impressão que seus livros são mais lidos pelos paulistas. Seria possível fazer um comentário sobre essa percepção?
 
Jessé Andarilho - Não sei como você chegou a essa conclusão, pois os cariocas adoram meus livros( pelo menos é o dizem na minha frente rsrs)
 
 
4)      Efetivo Variável (2017) seria um livro pacifista? Você é favorável ao fim da obrigatoriedade do alistamento militar?
 
Jessé Andarilho - Efetivo Variável é uma história literária. Consegui colocar algumas críticas sobre o processo sem ser pesado. Pessoas militares gostam tanto do livro quanto pessoas que odeiam o militarismo. Com relação à minha opinião sobre o serviço militar... Acho que não deveria ser obrigatório, nem o alistamento e nem o voto.
 
 
5)      Seu segundo livro, apesar de ser de 2017, pode ser um prenúncio da “militarização” da questão da Segurança no Brasil. O que você acha?
 
Jessé Andarilho - Comecei escrever o Efetivo Variável em 2012. O Exército vive fazendo ações aqui no RJ e não imaginei que fosse rolar essa “ocupação”. Acho desnecessário isso tudo. Essa intervenção tem base numa violência que sempre existiu. Acho que a violência não tá pior do que antes, acho que recebemos mais informações o tempo todo através dos celulares conectados. Isso dá uma sensação de insegurança muito maior do que antes.
 
6)      De 2014 (Fiel) até hoje, qual o balanço que você faz sobre o incentivo à leitura para os jovens moradores da periferia?
 
Jessé Andarilho - Mano. Não sei te responder essa pergunta. 
 
 
 

7)      Qual o balanço que você faz do Centro Revolucionário de Inovação e Arte (C.R.I.A.)?
 
Jessé Andarilho - Não sei como anda o CRIA, Não tenho informações desde 2015 quando criei o marginow e decidi investir todas as minhas energias pra fortalecer a cultura da galera que veio das margens.
 
8)      Quais seriam os outros escritores inovadores para a juventude brasileira nos dias atuais?
 
Jessé Andarilho - Gosto de maior galera. Tanta gente que os nomes não vão caber nessa matéria!

terça-feira, 6 de março de 2018

ELEIÇÕES ITALIANAS - ENTREVISTA - PROFESSOR ALBERTO AGGIO

Professor Alberto Aggio 
 
1. A polarização entre a Centro-Direita e a Centro-Esquerda aparentemente se encerrou com a emergência do Movimento 5 Estrelas na política italiana. Depois da Eleição de 4 de março, seria possível afirmar que a “antipolítica” é a tendência que ganhará hegemonia nos próximos anos?
 
Alberto Aggio  - É verdade que um dos aspectos significativos dessa eleição foi a superação do bipolarismo, o que não quer dizer que não há mais esquerda e direita. Também é verdade que o grande vencedor, o M5S, tem como principal característica uma marca antipolítica muito forte. Contudo, agora, vitorioso, numa situação bem especifica em que não há maioria e não há mecanismos em que o eleitorado defina uma eventual maioria, o jogo será jogado pelas forças em cena. O problema é que aqueles que venceram, M5S e Liga, não obterão facilmente o apoio daquele que perdeu, especificamente o PD de Matteo Renzi, embora esse tenha renunciado um dia depois dos resultados eleitorais serem conhecidos. A situação é de impasse para a formação de um novo governo. A tendência geral da antipolítica existe, é um fenômeno mundial, mas é difícil saber qual será precisamente seu futuro.
 
2. As três maiores forças políticas (Centro-Direita, Movimento 5 Estrelas e Centro-Esquerda) não conseguiram a maioria absoluta nas últimas eleições ao Parlamento Italiano. O Senhor avalia que é possível construir um acordo político entre Centro-Direita e Centro-Esquerda semelhante ao que ocorreu na Alemanha de Angela Merkel?
 
Alberto Aggio - A situação italiana é muito diferente da alemã. Na Itália, há uma clara oposição entre três polos e isso se expressou nas eleições. São três polos que não levam uma política de aproximação, com um centro político fazendo esse papel. Na Alemanha há já uma inclinação à “grande coalizão” porque se chegou ao um impasse histórico entre o partido de Merkel e os socialdemocratas. O risco na Alemanha é o crescimento espantoso dos neonazistas. De certa forma, nessa eleição italiana isso também apareceu, de maneira muito forte. Ou seja, há um clima de extremismo que precisa ser enfrentado. Não sei como as forças políticas italianas irão compor um novo governo. Mas seguramente não há disposição de composição entre direita e esquerda. Com a vitória da Liga, pode-se dizer que não há mais centro-direita na Itália porque Berlusconi foi derrotado. À esquerda, a derrota do PD também tem consequências sérias para qualquer composição. As únicas possibilidades seriam um governo guiado pelo M5S, o que é difícil uma vez que De Maio pensa que o PD é o seu mais forte interlocutor, mas o ataque que o M5S fez ao PD na campanha talvez inviabilize essa alternativa. Para o M5S o PD era o partido que significava o poder que precisava, no seu entendimento, ser derrotado. É difícil agora construir uma coabitação governamental.
 
Silvio Berlusconi e Matteo Renzi: os derrotados
 
3. A coalizão da Centro-Direita teve a Liga como a força política mais votada (em torno de 18%) em relação a Força Itália do Ex-Premiê Sílvio Berlusconi (em torno de 14%). Isso sugere que haverá uma guinada para o extremismo político na Itália? A questão dos imigrantes foi o fator decisivo nas eleições? 
 
Alberto Aggio - Essa é efetivamente a mudança mais expressiva à direita. A derrota de Berlusconi significa o fim de sua carreira política e talvez do próprio partido, a Força Itália. A Liga deixou de ser identificada apenas como Liga Norte, inclusive eliminou a localização geográfica do nome. Contudo, sua votação mais expressiva tenha sido no Norte da Itália, enquanto o M5S venceu ao Sul. Como disse, o extremismo foi muito forte e os ataques à democracia representativa, à política tradicional, enfim, ao poder instituído, mesmo que ele seja democrático e reformista, como tem sido nos últimos anos na Itália. Ele, seguramente, permanecerá se exprimindo. Por isso, as instituições e os atores democráticos devem construir consensos para garantir estabilidade e funcionalidade do sistema. Mesmo os extremistas da Liga e do M5S terão que moderar o seu discurso e se institucionalizar. A questão dos imigrantes foi, certamente, transformada num embate que enfraqueceu o partido do governo, o PD, e fortaleceu o extremismo.
 
4. Há a possibilidade de a Itália encaminhar um processo de saída da União Europeia após as eleições do último domingo?
 
Alberto Aggio - Creio que nem mesmo o eleitorado que deu o seu voto a quem fazia o discurso antieuropeísta não estará disposto a apoiar a saída da Itália da UE. Na campanha eleitoral já estava clara a mudança. Tanto M5S quanto a Liga moderaram seus discursos contra a EU. O comparecimento da população às urnas foi em torno de 73%, num país onde o voto é facultativo, o que mostra que há interesse na participação eleitoral na Itália e que há consensos básicos entre os italianos. Um deles é de ser europeísta. Lembremos que em 2014, nas eleições europeias, o PD teve 40% dos votos; o M5S elegeu eurodeputados e eles estão lá realizando o seu trabalho (claro que estão num grupo fortemente crítico ao governo da UE, mas estão lá).
 
 
5. Como o Senhor explica o declínio eleitoral da coalizão de Centro-Esquerda? A liderança política de Matteo Renzi sai abalada com os resultados eleitorais do PD?
 
 Alberto Aggio - A derrota do PD e de Matteo Renzi é dura e vai gerar mudanças. Inclusive, Renzi já renunciou ao cargo de secretário geral do PD, embora deva ficar até a realização da Assembléia Nacional do partido e das prévias para a definição e um novo secretário. Acho que a liderança de Renzi jogou o PD numa nova fase e redefiniu o PD. Alguns ex-comunistas se afastaram do partido, como era inevitável e formaram um novo partido, “Livres e Iguais”, que também não foi bem nas eleições. Algumas lideranças do antigo PCI, como Massimo d’Alema, que não foi eleito, sofrendo uma derrota vergonhosa, finalizaram sua carreira política nessa eleição. A questão para o PD agora é definir se apoiará um possível governo M5S ou não. Se o fizer, será a escolha de um caminho cujos resultados, para seus apoiadores, não se sabe as consequências. Se não o fizer, estabelecerá que o caminho é a reconstrução a partir da oposição, assumindo um outro papel. Há muita especulação e muita confusão também. Alguns dizem que o M5S é comparável, em termos de base social, o PCI de Enrico Berlinguer, grande líder do comunismo italiano da década de 1970. Há mais do que um exagero nessa avaliação. Mas há também informações que, de fato, mais de 1 milhão de eleitores que eram do PD, votaram no M5S, o que explica muita coisa e merece uma análise mais profunda.
 
Luigi Di Maio: Uma nova "estrela" do Movimento 5 Estrelas?
 
6. Muitos analistas sugerem que o impasse político se prolongará até convocarem novas eleições. O que o Senhor acha desta hipótese?
 
R: É possível e até provável que isso aconteça. O presidente da República, Mattarella, deve chamar os líderes partidários ou suas direções para conversar sobre a formação de um novo governo. Isso deve tomar algumas semanas. Como disse, há um impasse e todos sabem disso. Por outro lado, convocar novas eleições tem um custo político muito grande, para vencedores e para quem foi derrotado. Mas, hoje não se pode saber muito bem o que irá acontecer.
 
Matteo Salvini: O Fantasma do Extremismo de Direita
 
7. A esquerda brasileira a partir dos anos 60 (movimento aprofundado nos anos 80/90) sofreu influências do debate político italiano com a recepção das obras de Gramsci. Como o Senhor avalia o quadro político/intelectual da esquerda brasileira que segue, se ainda assim podemos dizer, essa tradição?
 
Alberto Aggio -  Acho que a esquerda brasileira passa por um processo de esgotamento depois do desastre petista. Na sociedade, a identidade de esquerda é vista hoje com muito desconfiança. O petismo foi muito tóxico. Há que se abrir uma espécie de “canteiro de obras” para repensar o ideário de esquerda num mundo como esse, de transformações imensas, de contradição velhas e novas, de idas e vindas, marchas e contramarchas em termos políticos e culturais. Há muito a se rever e a própria “tradição gramsciana”, como você sugere, deve fazer parte desse debate, desse repensar, revendo-se a si mesma.
 
8. Enfim, quais seriam as possíveis lições das eleições italianas para os brasileiros no ano das eleições gerais de 2018?
 
Alberto Aggio - Brasil e Itália tem muitas diferenças e alguma proximidade. Nós somos presidencialistas e a Itália é parlamentarista. Essa não é uma diferença pequena. A nossa cultura democrática é mais rarefeita e o nosso debate político bastante pobre, em comparação com o italiano. Vemos crescer aqui também um certo extremismo que é preocupante, para dizer o mínimo. A nossa esquerda, como disse, está em frangalhos depois da experiência lulopetista, e volta-se para si mesmo, procurando manter o apoio das corporações que lhes dão sustentação, especialmente as estatais. Uma nova esquerda, moderna e democrática, só teria passagem hoje em aliança com setores de centro, mais moderados e democráticos, e me parece que essa seria, de imediato, uma alternativa de perfil necessário, mas mínima. Em suma, em uma leitura da realidade brasileira, eu diria que o Brasil precisa ser reconstruído depois do desastre petista e seria bobagem uma atitude de “gladiador romano”, ilusória em nossa realidade.






domingo, 4 de março de 2018

CORRIDA AO OSCAR: Três Anúncios para um Crime

 
Três Anúncios para a Democracia
Por Vagner Gomes de Souza

O tema da violência não deve se limitar ao combate ao tráfico de entorpecentes em clima belingerante. A violência é um problema que está no cotidiano do ser humano em atitudes que ilustram o quanto os valores cristãos (“Amai-vos uns aos outros assim como vos amei”). Essa é uma possível reflexão para quem sai do cinema ao assistir Três Anúncios para um Crime que concorre ao Oscar de Melhor Filme entre outras categorias. O filme tem um roteiro que testa o lado vingativo do público. O senso comum pode nos levar a conclusões antecipadas sobre como reagir a um trauma. Contudo, o desenvolvimento nos impõe depois um novo olhar sobre o tema.
A protagonista do filme é Mildred, vivida pela atriz Frances McDormand (indicada para melhor atriz), teve a filha vítima de violência sexual numa pequena cidade do Missouri. Trata-se da típica cidade do Meio Oeste Americano que formou a base eleitoral de Donald Trump. Porém, não espere uma revanche eleitoral entre Democratas e Republicas nesse filme uma vez que todos vivem seu cotidiano com seus dilemas, erros, acertos e limitações. Frances empresta pela sua interpretação um talento que supera até quando venceu o Oscar por Fargo em 1997.
Mildred não é uma “Mãe Coragem” de um Bertold Brecht, mas faz da iniciativa uma forma de fazer o jogo estar ao seu favor. O Xerife reconhece isso numa passagem do filme. O uso da publicidade dos Outdoors em tempos de redes sociais é um desafio aos pós-modernos da comunicação política. O que incomodava os três anúncios vermelhos colocados numa autoestrada sem grande fluxo? Esse mistério é maior que o desfecho do crime.
 
Sam Rockwell  e Frances McDormand em cena
 
Em primeiro lugar, o exercício da liberdade de expressão que faz uma crítica a atuação da chamada “inteligência investigativa” da polícia local. O detetive responsável é racista, homofóbico e, acreditem, anticomunista (atenção ao diálogo sobre o nome do anunciante, Red) . O oficial Jason Dixon (interpretado por Sam Rockwell – Leão de Ouro de ator por Confissões de uma mente perigosa) leva o público ao extremo do sentimento de ódio pelo personagem. As raízes de um fascismo meio enlouquecido por um trauma na perda paterna e tutelado pela mãe. Um bom exemplo para os amantes de a psicanálise fazerem uso de suas leituras. Enfim, a “inteligência” não existe!
 
Em seguida, uma manifestação que poderia alimentar outras fraturas numa comunidade aparentemente sem conflitos. Todos apelam para uma conciliação na retirada dos anúncios. Nesse instante a Ética da Convicção ganha força, mas alimentada pelo ódio que cega as ações dos sujeitos da trama do filme. Por fim, ao se alimentar uma luta contra o extremismo com atitudes extremadas cai num desfecho importantíssimo no aprendizado da política. A aliança pode vir de quem se menos espera.
As cenas finais do filme faz o público jovem, mal acostumado com o filme padrão norteamericano, achar que não acabou. Entretanto, um filme ele se encerra muitas vezes nas diversas interpretações que podemos lhe conferir. Três Anúncios para um Crime é um manifesto político pela liberdade ao demonstrar que não é correto se deixar guiar pelo ódio sectário. A Democracia ela ganha muito com os grandes gestos da renúncia no tempo certo de uma viagem política.