sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

OSCAR 2020 - Entrevista com o crítico de cinema Pablo Spinelli

1) Quais suas impressões em relação aos filmes indicados para a competição do Oscar 2020?
Creio que a dimensão da derrota da sua política nos anos do atual presidente dos EUA tenha tido reflexo na escolha da Academia. O cinema é uma das manifestações mais importantes da e sobre a sociedade, logo, os olhares sobre os comportamentos e ações dos atores políticos repercutem nas telas nos mais diversos filmes. É muito verdadeira a afirmação da baixa representatividade de negros – ou afrodescendentes – e de mulheres, assim como de mulheres negras nas indicações e premiações. Eram homens brancos votando em brancos. Agora, sendo uma reunião de indústrias, é romântico achar que fossem fazer algo diferente. Com a emergência de mulheres e negros no mundo, o cinema, que é a arte mais globalizada após a música, precisava recuperar uma fatia do mercado que estava se transferindo para games e o streaming. A “netflixização” do mundo trouxe a necessidade de oferecer outros produtos, além da pressão de jovens atores, roteiristas, diretores que conseguiram mais espaço em produções independentes. Dessa forma, Pantera Negra, Spike Lee, “Corra!”, a atriz que faz uma rainha em um triângulo mais ou menos amoroso com outras duas mulheres em “A Favorita” e outros foram indicados ou ganharam. Agora, há de se ver se há uma tendência em ter que indicar ou se há uma escolha pelas suas qualidades. Premiar um ator ou atriz para “ficar bem na foto”, como diziam os jovens, é algo muito ruim se não houver continuidade ou apoio em sua carreira. Veja o caso do Cuba Gooding Jr. ou o veterano Louis Gosset Jr (que foi resgatado pela série “Watchmen”). Por sua vez, há um Denzel Washington e um Sidney Poitier, um Alfonso Cuarón. Lembro-me que houve uma pressão de grupos LGBT contra “O Silêncio dos Inocentes” porque o filme demonizava o homossexual e diziam que fariam uma exposição de artistas “dentro do armário”. Era um recado para a atriz do filme, Jodie Foster. As mulheres americanas se calaram diante dessa pressão. A mesma atriz que havia ganhado um Oscar vivendo uma jovem emancipada em “Acusados”, filme hoje esquecido e que tinha duas atrizes que se assumiram como lésbicas anos depois. Tudo isso para dizer que o Oscar esse ano está mais plural, mas menos identitário. Quanto mais humano, maior será o alcance da proposta de inclusão. Os democratas dos EUA mostraram sinais disso na apertada disputa essa semana em Iowa nas primárias presidenciais. A sua inconclusão mostra o quanto ainda há de se capinar sentado para deslocar a pauta do ”meu direito” para a pauta do “nosso emprego”, “nosso país”, “nosso meio ambiente”, “nossas crianças” etc.
 
2) Em relação a categoria de melhor filme, a ausência de “Dois Papas” se justifica? Aliás, não seria o filme esquecido para 2020?
Pode ser que Parasita tenha ocupado esse espaço. A Academia, pensando na receita de sua indústria e das salas de cinema optou a repetir uma fórmula de décadas atrás, que é a abertura de mais de cinco indicações à categoria de Melhor Filme. O curioso é que além de não detalhar os critérios para um ano ter sete ou nove, acaba por querer nos fazer de “trouxa” ao colocar filmes de heróis ou que tenham potencial de levar público no cinema. Acredito que poderia ter investido no último “Vingadores”, mas ganharam de presente “Coringa”. O filme “Dois Papas” não é um filme de Oscar, mas de Festivais que primam por um determinado estilo de cinema. As indicações que recebeu são uma prova de sua força, pois é quase um teatro filmado que teve como força os seus diálogos e o talento de seus atores. Na minha opinião, “Nós” e “O Farol” foram os mais esquecidos pela academia.

 
Jodie Foster - Filme "Acusados"
 

 
3) O Senhor concordaria com aqueles que apostam na vitória de “1917” na categoria de melhor filme?

Acredito que sim. Não por conta dos prêmios que recebeu pelo mundo afora, mas pela sua mensagem atemporal. É um filme de síntese da vida, não só da guerra. Estamos ali, no filme de um descendente de portugueses. Temos uma música que sintetiza o filme cuja letra diz que temos é que levantar, sacodir a poeira e dar a volta por cima. Temos fracassos e obstáculos, mas temos que ter coragem e fé. O deserto pode demorar, a trincheira pode ter a crítica roedora dos ratos, mas em algum momento as coisas mudam. Essa é a força do filme. Não é uma apologia ao individualismo, pelo contrário, há solidariedade, cooperação e ao fim mostra a importância de estar vivo para a família. Era um filme para a esquerda brasileira trabalhar em cada esquina, em cada luta para reagrupar suas forças na sociedade, mas ela opta em desprezá-lo e ficar no estéril dilema pós-moderno da análise do discurso. Há de se mencionar a força de “O irlandês” e o que tem para nos dizer. Hoffa era um sindicalista que se corrompeu para garantir direitos da sua categoria, foi preso, tentou voltar ao poder, fez tudo o que podia para ter o que teve. Esse sindicalista americano que é um exemplo da ascensão e queda de nossos ex-sindicalistas não é pauta da esquerda, para uma autocrítica ou para resgatar o “espírito” de uma época, o “Welfare State” americano. O que escutamos é que o filme é longo demais. “E o vento levou”, “O Senhor dos Anéis”, “Harry Potter”, não são? Agora, apesar de seus méritos, “O Imigrante” perde para “1917” porque esse é mais universal, volto a insistir.

 Cena do filme "1917"
 


4) Na sua opinião, “Parasita” seria a “grande aposta” para a categoria melhor filme estrangeiro?
É, sem dúvida. Um roteiro muito bem feito, uma atuação que oscila entre os exageros e os detalhes de forma estudada, um diretor que sabe o que está fazendo. Mais uma perda da esquerda brasileira. Como um filme da Coreia do Sul, um dos paraísos terrestres dos neoliberais dentro e fora do governo; exemplo de sucesso educacional, segundo o então candidato Jair Messias, retrata a pobreza, inclusive de valores; a luta de classes? O filme tem a cara da América do Sul. Só que é Coreia do Sul, não a do Norte! É o Chile asiático e não a Venezuela oriental! E não se faz nada com isso? Nesse ponto, a esquerda americana acertou porque escolheu o filme pelo tema da universalidade, não porque é asiático. Assim como 1917 trata de uma guerra mundial. A globalização tem que ser vista por outros olhos. O internacionalismo só pertenceu a dois grupos. Os cristãos e os comunistas. Parasita nos provoca a agir.
5) Na concorridíssima categoria melhor atriz, como você analisa as nomeações?
É a categoria mais apertada, realmente. Há uma lacuna que é o trabalho de Lupita Nyong'o no filme “Nós”. Não vi o filme “Adoráveis Mulheres” na sua enésima versão, mas creio que o trabalho mais maduro, intenso, difícil e que apresenta diversas camadas seja o de Scarlett Johansson em “História de um casamento”, um filme que lembra muito os filmes pessoais feitos nos anos 1970 de John Cassavetes. Agora, a Academia gosta de si, tem vaidade, um filme como “Judy”, mesmo que fraco, é uma expiação da indústria sobre si mesma, uma máquina de moer carne, a “Roda Viva” deles. Veja o caso das atrizes, presas à ditadura da beleza para terem bons papeis, como são obrigadas a gastar com plástica por conta dos padrões. Os homens levam vantagem, mesmo que tenham sido rejuvenescidos por Scorsese em “O Irlandês”, que foi uma forma de garantir espaço para os mais velhos, a meu ver. Sendo assim, a Renée Zellweger ganha mais pela personagem do que pela (boa) interpretação, diferente do que foi seu desempenho no superestimado “Chicago”.
 
 Cena do filme "Parasita"

 
6) O filme “Democracia em Vertigem” é um documentário brasileiro que poderá trazer a primeira estatueta para nosso país? Na sua opinião,  qual seria o impacto de uma possível vitória do filme de Petra Costa?
Jamais. Primeiro que o documentário do Obama é a trincheira deles. “American Factory” tem mais a dizer a eles do que qualquer outro dos indicados. Não será dessa vez que o catecismo que fala que “a imprensa de massa vai ter que engolir a construção da narrativa que criou” não dará certo. Caso ganhe esse credo, nada vai mudar para melhor. A eleição não acaba, a polarização continua. O que se espera ganhar? A Dilma voltar ao cargo? Sérgio Moro fazer mea culpa? A popularidade desse personagem não está em vertigem. Ele ter como principal adversário político o presidente mostra o quanto esse filme fala para os convertidos. Ouço e leio amigos e “analistas” argumentarem que o documentário tem uma proposta inovadora ao colocar a documentarista como personagem. Ora, Michael Moore faz isso há quanto tempo? Não é toda hora que dá para ter “Tiros em Columbine”. Moore fez um documentário agora sobre o Trump. Quem viu? Qual a repercussão? Na perspectiva da política a indicação foi ruim. Caso ganhe, reforça a polarização e quem ganha? Caso perca, vai ter que aturar as redes sociais e... reforça a polarização. Jogo de perde-perde. Fico imaginando a live do presidente da semana que vem.