1) Quais suas impressões em
relação aos filmes indicados para a competição do Oscar 2020?
Creio que a dimensão da derrota
da sua política nos anos do atual presidente dos EUA tenha tido reflexo na
escolha da Academia. O cinema é uma das manifestações mais importantes da e
sobre a sociedade, logo, os olhares sobre os comportamentos e ações dos atores
políticos repercutem nas telas nos mais diversos filmes. É muito verdadeira a
afirmação da baixa representatividade de negros – ou afrodescendentes – e de
mulheres, assim como de mulheres negras nas indicações e premiações. Eram
homens brancos votando em brancos. Agora, sendo uma reunião de indústrias, é
romântico achar que fossem fazer algo diferente. Com a emergência de mulheres e
negros no mundo, o cinema, que é a arte mais globalizada após a música,
precisava recuperar uma fatia do mercado que estava se transferindo para games
e o streaming. A “netflixização” do mundo trouxe a necessidade de oferecer
outros produtos, além da pressão de jovens atores, roteiristas, diretores que
conseguiram mais espaço em produções independentes. Dessa forma, Pantera Negra,
Spike Lee, “Corra!”, a atriz que faz uma rainha em um triângulo mais ou menos
amoroso com outras duas mulheres em “A Favorita” e outros foram indicados ou
ganharam. Agora, há de se ver se há uma tendência em ter que indicar ou se há
uma escolha pelas suas qualidades. Premiar um ator ou atriz para “ficar bem na
foto”, como diziam os jovens, é algo muito ruim se não houver continuidade ou
apoio em sua carreira. Veja o caso do Cuba Gooding Jr. ou o veterano Louis
Gosset Jr (que foi resgatado pela série “Watchmen”). Por sua vez, há um Denzel
Washington e um Sidney Poitier, um Alfonso Cuarón. Lembro-me que houve uma
pressão de grupos LGBT contra “O Silêncio dos Inocentes” porque o filme
demonizava o homossexual e diziam que fariam uma exposição de artistas “dentro
do armário”. Era um recado para a atriz do filme, Jodie Foster. As mulheres
americanas se calaram diante dessa pressão. A mesma atriz que havia ganhado um
Oscar vivendo uma jovem emancipada em “Acusados”, filme hoje esquecido e que
tinha duas atrizes que se assumiram como lésbicas anos depois. Tudo isso para
dizer que o Oscar esse ano está mais plural, mas menos identitário. Quanto mais
humano, maior será o alcance da proposta de inclusão. Os democratas dos EUA
mostraram sinais disso na apertada disputa essa semana em Iowa nas primárias
presidenciais. A sua inconclusão mostra o quanto ainda há de se capinar sentado
para deslocar a pauta do ”meu direito” para a pauta do “nosso emprego”, “nosso
país”, “nosso meio ambiente”, “nossas crianças” etc.
2) Em relação a categoria de
melhor filme, a ausência de “Dois Papas” se justifica? Aliás, não seria o filme
esquecido para 2020?
Pode ser que Parasita tenha
ocupado esse espaço. A Academia, pensando na receita de sua indústria e das
salas de cinema optou a repetir uma fórmula de décadas atrás, que é a abertura
de mais de cinco indicações à categoria de Melhor Filme. O curioso é que além
de não detalhar os critérios para um ano ter sete ou nove, acaba por querer nos
fazer de “trouxa” ao colocar filmes de heróis ou que tenham potencial de levar
público no cinema. Acredito que poderia ter investido no último “Vingadores”,
mas ganharam de presente “Coringa”. O filme “Dois Papas” não é um filme de
Oscar, mas de Festivais que primam por um determinado estilo de cinema. As
indicações que recebeu são uma prova de sua força, pois é quase um teatro
filmado que teve como força os seus diálogos e o talento de seus atores. Na
minha opinião, “Nós” e “O Farol” foram os mais esquecidos pela academia.
Jodie Foster - Filme "Acusados"
3) O Senhor concordaria com
aqueles que apostam na vitória de “1917” na categoria de melhor filme?
Acredito que sim. Não por conta
dos prêmios que recebeu pelo mundo afora, mas pela sua mensagem atemporal. É um
filme de síntese da vida, não só da guerra. Estamos ali, no filme de um
descendente de portugueses. Temos uma música que sintetiza o filme cuja letra
diz que temos é que levantar, sacodir a poeira e dar a volta por cima. Temos
fracassos e obstáculos, mas temos que ter coragem e fé. O deserto pode demorar,
a trincheira pode ter a crítica roedora dos ratos, mas em algum momento as
coisas mudam. Essa é a força do filme. Não é uma apologia ao individualismo,
pelo contrário, há solidariedade, cooperação e ao fim mostra a importância de
estar vivo para a família. Era um filme para a esquerda brasileira trabalhar em
cada esquina, em cada luta para reagrupar suas forças na sociedade, mas ela
opta em desprezá-lo e ficar no estéril dilema pós-moderno da análise do
discurso. Há de se mencionar a força de “O irlandês” e o que tem para nos
dizer. Hoffa era um sindicalista que se corrompeu para garantir direitos da sua
categoria, foi preso, tentou voltar ao poder, fez tudo o que podia para ter o
que teve. Esse sindicalista americano que é um exemplo da ascensão e queda de
nossos ex-sindicalistas não é pauta da esquerda, para uma autocrítica ou para
resgatar o “espírito” de uma época, o “Welfare State” americano. O que
escutamos é que o filme é longo demais. “E o vento levou”, “O Senhor dos
Anéis”, “Harry Potter”, não são? Agora, apesar de seus méritos, “O Imigrante”
perde para “1917” porque esse é mais universal, volto a insistir.
Cena do filme "1917"
4) Na sua opinião, “Parasita”
seria a “grande aposta” para a categoria melhor filme estrangeiro?
É, sem dúvida. Um roteiro muito
bem feito, uma atuação que oscila entre os exageros e os detalhes de forma
estudada, um diretor que sabe o que está fazendo. Mais uma perda da esquerda
brasileira. Como um filme da Coreia do Sul, um dos paraísos terrestres dos
neoliberais dentro e fora do governo; exemplo de sucesso educacional, segundo o
então candidato Jair Messias, retrata a pobreza, inclusive de valores; a luta
de classes? O filme tem a cara da América do Sul. Só que é Coreia do Sul, não a
do Norte! É o Chile asiático e não a Venezuela oriental! E não se faz nada com
isso? Nesse ponto, a esquerda americana acertou porque escolheu o filme pelo
tema da universalidade, não porque é asiático. Assim como 1917 trata de uma
guerra mundial. A globalização tem que ser vista por outros olhos. O
internacionalismo só pertenceu a dois grupos. Os cristãos e os comunistas.
Parasita nos provoca a agir.
5) Na concorridíssima categoria
melhor atriz, como você analisa as nomeações?
É a categoria mais apertada,
realmente. Há uma lacuna que é o trabalho de Lupita Nyong'o no filme “Nós”. Não
vi o filme “Adoráveis Mulheres” na sua enésima versão, mas creio que o trabalho
mais maduro, intenso, difícil e que apresenta diversas camadas seja o de
Scarlett Johansson em “História de um casamento”, um filme que lembra muito os
filmes pessoais feitos nos anos 1970 de John Cassavetes. Agora, a Academia
gosta de si, tem vaidade, um filme como “Judy”, mesmo que fraco, é uma expiação
da indústria sobre si mesma, uma máquina de moer carne, a “Roda Viva” deles.
Veja o caso das atrizes, presas à ditadura da beleza para terem bons papeis,
como são obrigadas a gastar com plástica por conta dos padrões. Os homens levam
vantagem, mesmo que tenham sido rejuvenescidos por Scorsese em “O Irlandês”,
que foi uma forma de garantir espaço para os mais velhos, a meu ver. Sendo
assim, a Renée Zellweger ganha mais pela personagem do que pela (boa)
interpretação, diferente do que foi seu desempenho no superestimado “Chicago”.
Cena do filme "Parasita"
6) O filme “Democracia em
Vertigem” é um documentário brasileiro que poderá trazer a primeira estatueta
para nosso país? Na sua opinião, qual
seria o impacto de uma possível vitória do filme de Petra Costa?
Jamais. Primeiro que o
documentário do Obama é a trincheira deles. “American Factory” tem mais a dizer
a eles do que qualquer outro dos indicados. Não será dessa vez que o catecismo
que fala que “a imprensa de massa vai ter que engolir a construção da narrativa
que criou” não dará certo. Caso ganhe esse credo, nada vai mudar para melhor. A
eleição não acaba, a polarização continua. O que se espera ganhar? A Dilma
voltar ao cargo? Sérgio Moro fazer mea culpa? A popularidade desse personagem
não está em vertigem. Ele ter como principal adversário político o presidente
mostra o quanto esse filme fala para os convertidos. Ouço e leio amigos e
“analistas” argumentarem que o documentário tem uma proposta inovadora ao
colocar a documentarista como personagem. Ora, Michael Moore faz isso há quanto
tempo? Não é toda hora que dá para ter “Tiros em Columbine”. Moore fez um
documentário agora sobre o Trump. Quem viu? Qual a repercussão? Na perspectiva
da política a indicação foi ruim. Caso ganhe, reforça a polarização e quem
ganha? Caso perca, vai ter que aturar as redes sociais e... reforça a
polarização. Jogo de perde-perde. Fico imaginando a live do presidente da
semana que vem.
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