segunda-feira, 31 de julho de 2023

A DOCE POLÍTICA DO CINEMA - NÚMERO 19 - ERA UMA VEZ O MACARTHISMO...


“Oppenheimer” e o anticomunismo

             

Por Nilvio Pessanha (1)

Filmes que contam a história da vida ou parte da vida de personagens históricos não possuem uma missão muito simples. Estão sempre tendo de optar em que parte da biografia do vulto histórico pôr o seu foco. A obra se ocupará da vida toda, fazendo alguns recortes? Mas quais recortes fazer? Ou optar-se-á por uma fase específica da biografia do indivíduo? Mas qual seria essa fase? Então, como disse, não é uma missão fácil. Talvez por isso, a maioria das cinebiografias tenha uma narrativa chata, careta. Esse, porém, não é o caso de “Oppenheimer”, novo filme do diretor Cristopher Nolan.

            Em “Oppenheimer”, Nolan acompanha a trajetória de Julius Robert Oppenheimer, o físico que ficou conhecido como o “pai” da bomba atômica. O longa é uma adaptação da biografia homônima escrita por Kai Bird e Martin J. Sherwin e não tem medo de fazer recortes e não focar em momentos e personagens importantes para a vida de Robert Oppenheimer, como sua juventude e seu irmão, respectivamente. Porém o que realmente importa para a trama está lá e muito bem contada, que é o processo de criação da bomba e toda a dualidade de sentimentos enfrentada pelo cientista que, inclusive, é muito bem transposta para a grande tela pela interpretação do excelente ator Cilian Murphy, que o interpreta. As imagens grandiosas que causam todo um impacto visual no público que já conhece outros filmes da filmografia do cineasta estão lá, mas talvez, nesta obra, Nolan trata a imagem de uma forma ainda mais estilizada. A opção por apresentar uma narrativa não linear com três momentos temporais diferentes que se entrelaçam no fim é outro acerto do cineasta que também assina o roteiro.

Algo que também salta aos olhos, ou melhor, aos ouvidos, é o desenho de som do longa e ajuda a criar um tensionamento. A cena do teste da bomba é um exemplo disso. Num primeiro momento a explosão se faz com toda exuberância de imagens que me encantaram e me extasiaram, imagens estas que foram acompanhadas por um quase que total silêncio, por opção estética. O meu encantamento só foi quebrado quando veio o som da explosão acompanhado das imagens do deslocamento de ar oriundo do efeito da bomba. O som me trouxe o terror do poder destrutivo e me fez ver que estava encantado com as imagens de uma explosão de uma arma de destruição em massa. Mas isso se deve ao trabalho de um grande diretor, isso se deve a cinema de qualidade.


      Cristopher Nolan também se mostrou corajoso no tom político que permeia sua obra. “Oppenheimer” mostra claramente a paranoia anticomunista que se apossou dos EUA e de todo o mundo ocidental, não só nos anos de guerra e pós-guerra, mas ainda vigente nos dias atuais. Sem entrar em terreno de spoiler, o terceiro ato do longa se transforma num filme de tribunal, onde Lewis Strauss, personagem de Robert Downey Jr. ganha mais destaque. O foco nesse ato são as duas audiências que ocorrem em tempos distintos. Em uma delas, está sendo decidido se será renovada a credencial de segurança de Oppenheimer. Nesse julgamento vemos o tempo inteiro ser questionado um envolvimento do físico com comunistas. Oppenheimer se mostra durante todo o filme simpático a causas caras aos comunistas como o apoio à luta antifascista na Guerra Civil Espanhola, apoio a causas sindicais, além de ter participado de reuniões com comunistas, mas nunca se filiou ao partido.

            Toda a perseguição a Oppenheimer e a forma como isso foi aceito pela sociedade estadunidense mostra o tamanho da paranoia anticomunista que, claro, foi promovida pelas autoridades ultrarreacionárias da nação símbolo do imperialismo. Oppenheimer se mostra, no filme, um homem que tem preocupações humanistas – apesar de ter criado a arma de destruição mais poderosa do planeta –, se mostra um ferrenho opositor do fascismo, se mostra um cara leal ao seu país; porém nada disso foi suficiente para fazer com que fosse admirado, fosse minimamente respeitado pelas autoridades do seu país.

E nós, brasileiros, sabemos bem onde essa histeria em torno do medo do fantasma do comunismo pode levar. Sabemos quão danosa ela pode ser para a nossa tacanha democracia. Recentemente, em uma entrevista no canal no YouTube da Uol, o presidente do Supremo Tribunal Militar disse, respondendo a uma pergunta sobre o distanciamento dos militares em relação ao presidente Lula, que antigamente ser de esquerda era visto como ser comunista, mas hoje não. Disse também que o Lula nunca foi comunista. Enfim, deixou claro que os militares ainda permanecem com a paranoia anticomunista na cabeça, a ponto de alguns se associarem a fascistas para tramarem golpe de estado. Assim foram as autoridades estadunidenses, retratadas no filme, que muitas vezes mostravam mais preocupação com os comunistas do que com os nazistas.

            Resumindo, o que Cristopher Nolan nos mostra numa obra com imagens grandiloquentes, com uma tensão que se constrói a partir design de som e de uma ótima trilha, é que você pode ser alguém sensível a causas de interesse da classe trabalhadora, você pode ser alguém que se coloca radicalmente contra o fascismo, você pode ser um cientista brilhante e se afirmar o tempo inteiro como fiel ao seu país, no entanto se há algo que te associa à ideologia comunista, será tratado como um pária, como um traidor.

 


[1] Nilvio Pessanha é professor da rede pública e cocriador dos podcasts Cine Trincheiras e Trincheiras da Esbórnia.

domingo, 30 de julho de 2023

SÉRIE ESTUDOS - CAIO PRADO JÚNIOR E SEU PARTIDO (II)

Prefácio para a crítica da História sem Política[1]

Vagner Gomes de Souza

 

Nosso percurso interpretativo sobre os 90 anos do livro Evolução Politica do Brasil nos fez reconhecer um autor/militante dissidente em relação ao mundo político e social ao qual esteve inserido até meados da década dos anos 20 do século passado. Além disso, seria Caio Prado Júnior um “intelectual fora de seu lugar” na circunstância da proletarização do PCB nos anos 30? Talvez esse seja um atalho muito fácil a se trilhar nos debates acadêmicos universitários em busca de um lugar de fala para esse autor que se fez pautar pelo anúncio de uma interpretação materialista de nossa história.

A leitura do prefácio a primeira edição de Evolução Politica do Brasil é um interessante convite ao busca de como melhor se fazer uma interpretação do tempo em um espaço territorial com uma profunda referência a realidade. O método mais que ser materialista, na verdade é a busca de um diálogo com a realidade através da política. Pois a negação da política se fazia pela ideologização de uma “máquina partidária” que se dizia representar a classe trabalhadora.

Diante desse desafio, Caio Prado Júnior anuncia que fez um ensaio histórico ao contrário de uma obra sobre História. Esse cuidado esclarecido no Prefácio se deve a esse compromisso do autor com a necessidade de se ter mais referências documentadas numa obra futura, que alguns atribuem ao clássico Formação do Brasil Contemporâneo (1942) no contexto da grande frente antifascista mundial[2]. Se sua proposta é ensaística, temos a sugestão de que tenhamos um “Marc Bloch dos trópicos” ao se propor ao debate da metodologia da história a partir de uma preocupação com o ensino dessa ciência.


Muitos não se atentaram até hoje quanto a relevância da leitura do prefácio de autoria de Marcel Ollivier que está mencionado no “Prefácio” de Evolução... Todavia, assim aparece a referência:

“(...)Repetindo um conceito do prefaciador da obra de Max Beer - História Geral do Socialismo [no Brasil ganhará uma tradução com o título História do Socialismo e da Luta de Classes] – a respeito da história universal, podemos também afirmar, com relação à nossa, que ‘há muito se faz sentir a necessidade de uma história que não seja a glorificação das classes dirigentes’. E traçar uma tal história é tudo quanto pensei fazer”. [3]

Afinal, Marcel Ollivier faz uma apresentação crítica do livro de Max Beer que poderia nos levar para outras conjecturas, mas para o propósito desse artigo, o seu prefácio faz referência a um Congresso Sindical do Ensino no qual surge o questionamento de como se faz a História. Ou seja, “se a História deve ser ensinada sob o ponto de vista de classe ou sob o ponto de vista da verdade.”

Em seguida, ele acrescenta as seguintes considerações que devem ser a vinculação de Caio Prado Júnior em seu ensaio de síntese da História do Brasil.

“(...)Esta maneira absurda de abordar a questão só podia, evidentemente, dar lugar a respostas absurdas. De fato: uns afirmaram que o ensino da História deve ser feito unicamente sob o ponto de vista de classe, pretextando que só há verdades de classe; outros, pelo contrário, disseram que ensinar a História sob um ponto de vista de classe é adotar um modo de ver unilateral, que falseia a verdade, porque a verdade existe independentemente das classes.

Na nossa opinião, uns e outros estão errados. (...)”

No contexto de “proletarização” do partido ao qual ingressava, sugerimos essa marcante postura “dissidente” numa heterodoxa leitura do que seria o então legado do “materialismo histórico”. Portanto, o prefácio de Evolução Política do Brasil é um interessante exercício de ensino de como se fazer uma política de “luta interna” costurando argumentos para propor que a Independência de 1822 tenha sido uma Revolução que se fez acompanhar da chamada revoluções da Maioridade (1831 – 1840) de natureza mais popular. Provavelmente, tenhamos nesse momento uma influência de Duas táticas da Social-Democracia na Revolução Democrática para moldar a formulação política pradiana em seu ensaio.

Portanto, a crítica ao tradicionalismo de Rocha Pombo se acompanha ao elogio dos estudos de Joaquim Nabuco sobre a Revolução Praieira, mesmo que num universo biográfico. E, não deixemos de nos atentar para a primeira nota no qual faz referência inclusiva do pensamento social de Oliveira Vianna, ou seja, liberalismo e conservadorismo poderiam se aliar contra as forças tradicionais numa ampla frente de reflexão sobre a formação do Brasil que de agrário se transformava em urbano industrial. Pensar nessa amplitude da política que temos que ter como foco os próximos anos que se avizinha com a possibilidade do capitalismo agrário diante da nova configuração geopolítica brasileira conforme percebemos nos primeiros indícios do Censo 2022.



[1] Esse artigo é continuidade ao artigo “A Estreia de um Dissidente – 90 anos de Evolução Política do Brasil”. Você pode consultar nesse link https://votopositivo-cg.blogspot.com/2023/06/serie-estudos-caio-prado-junior-e-seu.html

[2] Ele esteve na antiga URSS entre maio e junho de 1933 num momento decisivo nos debates internos do partido local naquilo que seriam os expurgos stalinistas. O que demonstra ser o autor um pouco “testemunha da História” como foi Eric Hobsbawm e outros da mesma geração. Sobre essa viagem, Pericás, Luiz Bernardo – Caio Prado Júnior: uma biografia política. São Paulo, Boitempo, 2016. Pp. 81 – 95.

[3] Prado Júnior,  Caio. Evolução Política do Brasil. Prefácio a Primeira Edição. 1933, p. 2.

domingo, 16 de julho de 2023

SÉRIE ESTUDOS - GILBERTO FREYRE E OS CAMINHOS DA CIVILIZAÇÃO (II)

Nas Primaveras de Casa-Grande & Senzala

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

Quando da 5ª edição de Casa-Grande & Senzala, Gilberto Freyre estava na Assembleia Nacional Constituinte de 1946. A experiência foi intensa e no interregno que vai até 1948 ele comemorara os 15 anos de sua obra em meio a diversos embates e um deles pode lançar luz sobre a pergunta feita pelo Datafolha presencialmente, com 2010 pessoas de 16 anos ou mais em 112 municípios pelo Brasil entre os dias 12 e 14 de junho próximo passado se O Brasil corre o risco de se tornar um país comunista?

A resposta estimulada e única, foi que 33% concordava plenamente com essa hipótese e 19% concordava em parte. A imprensa noticiou que  52% achavam que o Brasil correria o risco de tornar comunista.

Com isso surgiu a narrativa de que muitos brasileiros supunham que o seu governo tinha em sua Presidência comunistas ou que estaria tentando impor o comunismo ao Brasil.

Dias depois no Foro de São Paulo (FSP), organização que reúne partidos políticos e organizações de esquerda, criada em 1990, a partir de um seminário internacional promovido pelo Partido dos Trabalhadores (PT), do Brasil, aconteceu um discurso do seu Presidente de Honra onde ele disse que gosta de democracia e que não se ofende em ser chamado de comunista, quiçá poderia deixa-lo orgulhoso.

O que se conclui de ambos os disparates é que tanto o risco quanto a incompreensão da alcunha ofensiva, é que nem os 19% nem os 33% de brasileiros nem o Presidente de Honra do PT sabem do que estão falando quando dizem "comunismo". Por isso a memória dos 15 anos de Casa-Grande & Senzala, ilumina também suas 90 Primaveras.

Gilberto Freyre sempre foi rigoroso ao falar sem leviandade do assunto "comunismo", porque se engatinhava nas pesquisas sociais do que efetivamente estava sendo o "socialismo real", além do fato da contribuição deles na derrota aos fascistas e nazistas, ou porque não se conhecia cientificamente aquele contexto, e ainda do que não se sabia.

Desta forma que nos 15 anos de Casa-Grande & Senzala, Gilberto Freyre se posicionou contrariamente à cassação dos mandatos dos parlamentares comunistas em 1948, tal como se opôs a execução dos criminosos de guerra.

Se não bastasse tudo isso, nem o Brasil, nem o Presidente de Honra do PT, nem a Iberoamérica, com exceção talvez de Cuba, sabem de primeira mão o que tem sido o "comunismo".

Não há passagem na história Iberoamérica, nem mesmo em suas versões mais atrozes e ditatoriais, com algo semelhante ao praticado pelos líderes stalinistas na sepulta URSS e outros que implantaram algo análogo em seus infelizes países durante o século XX.

Pensemos, para tocar apenas na história de Stálin e no que este semeou na enterrada URSS com suas próprias mãos entre 1924 e 1953.

Naqueles anos, deixando de lado as baixas da guerra mundial, a política da omelete de Stalin produziu com a sua quebradeira de ovos 20 milhões de mortes dos seus concidadãos nas cidades e no campo com a coletivização da agricultura, com as fomes subsequentes e as vítimas do terror de Estado, cuja sinistra encarnação foi o Gulag.

A história desse "comunismo", de Stálin, apenas igualada, talvez superada proporcionalmente, pela de Pol Pot no Kampuchea, era inseparável do Terror.

Os objetivos ideais prometidos pelo comunismo de uma sociedade melhor e sem exploração nunca avançaram e foram comprometidos ao se estacionar e congelar no Terror.

O que tudo isso tem a ver com o Presidente de Honra do PT, o Brasil ou Iberoamérica? Nada. No máximo tenha a ver apenas com Cuba, e com o que tristemente se desenha hoje na Venezuela e na Nicarágua.

Foi por tudo isso que o camarada Gilberto Freyre e o seu Casa-Grande & Senzala tem nos mostrado ao longo de 90 anos e que o ideal da brasilidade é o bem-estar social.

Rio, 16 de julho de 2023.



[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

SÉRIE ESTUDOS - RUY GUERRA NO TEATRO COM DOM QUIXOTE DE LUGAR NENHUM

Ruy Guerra fotografado em O Globo

A Utopia de Guerra

Vagner Gomes de Souza

Ruy Guerra poderia ser reconhecido como um exemplo de um intelectual marcadamente formado pelo lusotropicalismo (se Gilberto Freyre me permitisse a ousadia). Nascido em Lourenço Marques – que os “decolonias” localizem a cidade nos dias atuais – em 22 de agosto de 1931 foi estudar cinema em Paris em 1952 e se radicou no Brasil no simbólico ano de 1958 em plena época do ápice do nacional desenvolvimentismo sob a condução da moderação mineira de Juscelino Kubitschek. Em nosso país, estreou no cinema em 1962 com Os Cafajestes – primeiro filme de nu frontal do cinema nacional – e se uniu ao movimento do cinema novo com Os Fuzis (1964). Sua identificação com os temas políticos sociais urbanos se faz presente no filme A Queda (1978) em que o tema da segurança do trabalho numa obra do metrô do Rio de Janeiro é abordado no ano das greves do ABC. Sem falar na sua vida social que mereceria um belíssimo documentário sobre as fases do feminismo brasileiro se assim houvesse uma diretora disposta a estender esse lugar de fala para tal desafio. Lamentavelmente seu xará Rui Castro ainda não lhe dedicou uma merecida biografia.

Todavia, deixamos a presença de Guerra no contexto do Teatro Brasileiro para merecido destaque, pois sua peça “Dom Quixote de Lugar Nenhum” está em cartaz no Teatro Oi Casagrande (Rio de Janeiro)[1] com preços populares. A peça é um musical (lembrai-vos de Chico Buarque e Ruy Guerra em “Calabar” nos idos de 1973 a enfrentar a censura da Ditadura Militar de onde emergiu a belíssima “Tatuagem”) que é um gênero que o fez dirigir a primeira encenação de “Ópera do Malandro”. Estrelada por Lucas Leto (um Quixote nordestino que foi batizado como Queixada) e Claudia Ohana (atuando como uma satânica anti-heroína) – curiosamente sem trabalhar com o diretor desde o marcante ano de 1989. O musical tem as músicas de Zeca Baleiro numa parceria que mereceria um melhor destaque para os críticos musicais – rarefeitos nos dias da Inteligência Artificial cantada numa publicidade. A história do aragonês Cervantes é inserida no contexto do Nordeste brasileiro para lembrar que ainda temos esse peso demográfico em nossa formação cultural.

Lucas Leto faz história ao ser o primeiro Dom Quixote negro
Reprodução/Instagram

Sob cuidadosa Direção de Jorge Fajalla (premiado por "Senhora dos Afogados"), observamos as cores da iluminação em palco que impactam a visualização do espectador como se fossem as cores de um Almodóvar brasileiro ou de uma Frida Kahlo sem dar seus cochilos. A escolha do musical em forma de cordel foi muito acertada diante de uma apresentação do Coral como se fosse uma “geringonça cultural”. Cego seria quem não quer estar a ver que deixar a escolha da narrativa feita por um personagem com baixa acuidade visual para lembrarmos que os desafios que estão por vir são tamanhas aventuras.

 Entretanto, os tempos são distintos daqueles em que emergiu “Calabar”, pois estava a sociedade brasileira embriagada pela “utopia” de derrotar as forças reacionárias até na aproximação amorosa de Barbara e Ana de Amsterdam sem abandonar a universalidade do debate da questão democrática por linhas do relativismo. Há 50 anos o texto que enfrentou os censores nasceu após a tradução de O Homem de La Mancha (musical da Broadway). Ruy Guerra e Chico Buarque deixaram o projeto pois teriam que trazer os elementos culturais luso-brasileiros para o teatro. Então, em tempos de escolas a ensinar a disciplina Moral e Cívica (que não impediu o surgimento do rock nacional nos anos 80), eles decidiram desenvolver uma peça sobre o elogio da traição uma vez que muitos defensores da Frente Democrática eram denunciados como “traidores e vendidos”. Nosso agraciado com o Prêmio Camões qualifica essa peça como sua única obra política. 

O mesmo não poderá afirmar Ruy Guerra, que em sua eterna busca movida pela utopia de dias melhores pode até reconhecer ter chegado a Lugar Nenhum. |Entretanto, está disposto a continuar na trilha das aventuras com as vitórias adiadas e, quiça, sua aposentadoria.  Portanto, Queixada é o nosso Guerra que ao longo de sua vida intelectual foi transitando da “Guerra de Movimento” para a “Guerra de Posição”. Uma peça em dois atos, mesmo que não se anuncie isso em lugar nenhum, podemos assimilar que a personagem Sancho Pança (interpretado por Danilo Moura) ganha outro tom com sua alma atraída pelo Diabo na Terra do Sol. Digamos que é uma forma suave de provocação ao público que se ausenta de continuar acreditando em fazer as aventuras pelo simples individualismo ou pragmatismo. A dialética sem síntese entre Queixada e Sancho é um alerta para que as novas gerações se dirijam ao Teatro para entender que a esperança se faz com ações não somente digitais. Essa é a utopia de Guerra, ou seja, que os mais novos venham a ocupar os assentos das plateias seja no cinema e nos teatros para viver as aventuras das lágrimas e dos risos como ato de resistência.

[1] Até 23/07/2023 Local: Teatro Casa Grande - Avenida Afrânio de Melo Franco, 290 – Leblon

Horário: Quinta a Sábado às 20h | Domingo às 18h

 






quinta-feira, 13 de julho de 2023

CARBONÁRIOS DO SÉCULO XXI - Fogo não cai do céu....


Imagem postada na página Campo Grande Notícias RJ

Zona Oeste em Chamas

Carlos Alfredo Nagle[1]

 

Escrevo muito impactado por imagens de um incêndio no bairro de Campo Grande (maior bairro do país e reduto eleitoral das forças reacionárias do negativismo ambiental) que circula nas redes sociais. Trata-se de um incêndio que precisa de muita investigação pois, apesar de ser uma época propícia a esse tipo de eventos, temos um fogo mais próximo das residências em territórios com interesses imobiliários de segmentos a margem de nosso universo jurídico.

No primeiro momento, pensava ser #tbt do triste acontecimento na Floresta da Posse há exatos sete dias. Todavia temos o maciço da Pedra Branca e seus arredores em ameaça. As margens próximas na altura da Estrada dos Caboclos ardendo em chamas segundo meus conhecidos estão a me informar. Não sei se há correlação com as ventanias sicilianas que somente o Comissário Montalbano poderia esclarecer, porém, onde tem fumaça há fogo e aonde tem fogo tem ausência de uma política mínima de articulação de um “gabinete de crise” sobre o tema.

Se há certa naturalização para esses eventos estranhos, imaginemos que não se pensa em uma resposta as chamadas queimadas urbanas. O ponto é delicado também para a saúde publica, pois moradores locais relatam “fuligem” circulando pelo bairro dos desaparecidos laranjais. Um vale de incertezas que não se pode ser enfrentado com postagens nas mídias sociais.

Capitão Planeta não pode ficar circunscrito a voos de helicópteros pelos pontos turísticos do Rio de Janeiro. Deve fazer uma vistoria mais profunda em caráter emergencial para o espaço geográfico desses eventos. Um mapa, coisa de geógrafo investigativo, pode ser uma boa sugestão para ver se há ou não mera coincidências. Estranhemos as semelhanças. Duvidemos de tudo disse uma vez um pensador da Renânia que jamais se importou com essa característica identitária.

Enfim, nesse momento de comoção, deixo essa paródia como reflexão:

Lágrimas em mim[2]

 

Passarim quis pousar, não deu, voou

Porque a frente partiu, mas não pegou

Passarinho, me conta, então me diz:

Por que a o meio ambiente não está feliz?

Me diz o que eu faço da “lacração”?

Que me devora a razão...

Que me deixa isoladão...

Que me maltrata o coração...

Que piora minha ação...

 

E o mato que é bom, o fogo queimou

Cadê o fogo? A água se privatizou

E cadê a água? O “gado” se escondeu

Cadê o amor? Falta de programa corroeu

E a vaidade se espalhou

E o Homem Morcego carregou

Cadê o SEMAC que o vento levou?



[1] Liderança estudantil em 1968. Formado em Geografia. Ex-colunista no Jornal do Brasil. Agradeço a gentileza do BLOG em me ceder esse espaço quase em caráter de urgência.

[2] Paródia de “Passarim” de Tom Jobim.


quarta-feira, 12 de julho de 2023

CARBONÁRIOS DO SÉCULO XXI - EDUCAÇÃO AMBIENTAL SEM PLANO A OU B?


                                       Educação Ambiental no Rio de Janeiro

Dedicado a Ex-Deputada Jurema Batista

Carlos Alfredo Nagle[1]

Um belo espetáculo foi ver a baleia jubarte na praia de meu bairro, Ipanema, a cerca de um mês atrás. Lembrei-me de que, muito antes de me interessar para o meio ambiente, nas aulas da Escola Municipal (fui aluno de escola pública) um professor explicou que esses cetáceos vinham ao nosso litoral para buscar condições para a reprodução da espécie. Nada de gastos com cartilhas naquele tempo para se observar o conhecimento.

Então, me peguei a pensar sobre a importância de um programa de ensino da Educação Ambiental nas escolas. Foram nelas que surgiu minha primeira motivação como um aluno curioso sobre o mundo ao meu redor. Em seguida, fui estudar o antigo secundário no Colégio Pedro II num momento conturbado pelo inicio da Ditadura Militar. Havia um professor de Geografia, que poderia ser considerado tradicional, mas foi um dos primeiros a anunciar sobre a possibilidade das mudanças climáticas e seus impactos para as encostas do Rio de Janeiro. Ele era discípulo de Fernando Antônio Raja Gabaglia e nos fez ler o livro do mesmo para os exames do curso (Leituras Geográficas). Esse saudoso professor muito falava sobre os rios cariocas e dava como exemplo o Rio Pavuna que estava ainda a se perder na poluição.

Estávamos muito iludidos pelas leituras de Louis Althusser numa linha empobrecedora de compreensão do marxismo e da conjuntura. O importante seria a nossa identidade na luta contra a Ditadura Militar. Não pude compreender naquela época a coragem da linha do antigo partidão em sequência ao seu VI Congresso (1967). Tempo se passou. Meu exílio me levou a reencontrar a Geografia e a perspectiva da educação ambiental, porém a tecnocracia pretendia colocar o meio ambiente circunscrito ao campo das ciências da natureza. Todavia a ecologia é uma ciência humana e para um mundo mais amplo que as “caixinhas” de ressonância dos conceitos que hoje a rodeiam.

Na minha Carta Aberta anterior, eu lamentei a redução do tempo semanal da disciplina de Geografia na Rede Municipal do Rio de Janeiro. Esperei, por pura ilusão de um velho ativista, que o jovem Secretário de Educação carioca fosse postar algum comentário a essa passagem. Ilusão minha. Os jovens secretários da gestão municipal do Rio de Janeiro estão ocupados em fazer imagens para suas mídias sociais. Foi-se o tempo que uma carta na Coluna de Leitores do Jornal do Brasil era respondida pelos gestores públicos que hoje se assemelham a influencers de ausências programáticas.

Portanto, talvez o caminho seja acreditar na invenção da política, ou seja, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Clima buscar um diálogo para que tenhamos mais educadores da rede municipal a ministrar aulas de educação ambiental nas unidades escolares. A educação ambiental é tema transversal e precisa de mais recursos uma vez que o melhor espaço para se aprender é na aplicação desse conhecimento. Contudo, é necessário ter ousadia para exigir mudanças diante dos “Filhos de Havard”.

Qual é o programa para a Educação Ambiental? Esse precisa ser debatido nas comunidades escolares pelas mesmas. Unificar aos Projetos Políticos e Pedagógicos (PPPs) das unidades escolares as perspectivas das ODS da ONU. Na gestão de Educação do Governo anterior, havia referência aos mesmos temas nos materiais pedagógicos distribuídos pela SME-RJ. A continuidade com novas tonalidades precisa ter esse ponto de encontro entre Republicanos e Sociais Democráticos no arcabouço da Educação Ambiental. A inspiração da “Grande Política” nesse tema se faz evidenciar que muitos jovens gestores ainda se sentem envaidecidos e não acolhem as críticas construtivas como se fosse estar a “falar mal”. 




[1] Liderança estudantil em 1968. Formado em Geografia. Ex-colunista no Jornal do Brasil.

domingo, 9 de julho de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 019 - OS SEIS MESES DO GOVERNO LULA/ALCKMIN

Um desejo de esperança

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

As contas públicas da Presidência podem ser um cenário muito bom para os governos aumentarem seu apoio aos cidadãos. Para isso, devem conseguir transmitir um tom republicano e democrático, uma vontade de construir acordos nacionais e internacionais, mostrar empatia com as prioridades do povo e nunca adotar um estilo briguento. Para que esse efeito não seja efêmero e se dilua em pouco tempo, deve ser seguido de ações reais e devem ser evitadas medidas que neguem suas palavras. A sanção da Lei Nº 14.611, de 3 de julho de 2023 que assegura a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens parece ter causado boa impressão na população, o que se refletiu em uma melhora na avaliação do governo em praticamente todos os aspectos. Isso reafirma que as pessoas não querem viver no meio de um fio político sem fim e que querem que sejam alcançados acordos que melhorem sua existência e não sofram as ilusões de grupos opositores.

Para alcançar resultados que durem no tempo, porém, o governo sempre deve traçar com clareza o sentido de suas ações, sua visão estratégica sobre os rumos que pretende dar ao país e a forma como esse desenho é executado. Nas palavras de Maquiavel, sua "virtù" para lidar com a sua "fortuna" ou nas palavras de Max Weber a melhor maneira de combinar suas "convicções" com sua "responsabilidade".

O discurso da Presidência na abertura da 17ª reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) de 6 de julho consegue conter essa dimensão ao seu modo, através de alguns traços visíveis em um longo oceano discursivo. Convém, portanto, observar com serenidade quais foram seus méritos e limites.

Apresenta uma visão louvável no que diz respeito a um maior entendimento da ação governamental. Podem criticar ou elogiar, mas é a fala de uma Presidência que carrega o peso de sua responsabilidade e que está à frente da grande maioria das Presidências da região, tanto em assuntos nacionais quanto internacionais, mesmo um com longa experiência. o retorno ao poder nessa quadra tem mostrado ao seu modo um amadurecimento que acentua ora os seus defeitos e ora os seus talentos e senso de realidade.

Não foi um discurso desprovido de visão autocrítica e expressa longos passos positivos de uma reconstrução original rumo à busca da governabilidade republicana e democrática.

Esse discurso da Presidência foi pacífico, evitou um tom sectário ou intolerante e a sua retórica foi cuidadosa e cheia de boa vontade, até amável em várias passagens. A sua autocrítica nuclease, com razão, na mãe de todos os seus erros, nas aventuras ausentes de rotina como ilustrou certa vez Gilberto Freyre.


É ilustrativo disso que tenha mobilizado o saudoso Franco Montoro na sanção da lei que trata sobre a igualdade salarial entre homens e mulheres afastando publicamente os disparates para o necessário desenvolvimento democrático e republicano do país que tinham transparecido em outrora através de certos transbordamentos identitários, de particularidades tribais e com o nefasto efeito do afastamento dos problemas reais da população.

Como bem sabemos isso está de acordo a rejeição maciça das tristes cenas de 8/1, como também aumentou o bom senso do povo, o distanciamento e a desconfiança em relação às minutas escabrosas de mudanças da institucionalidade democrática que acabou se expressando em um poderoso apoio a boa moderação.

O discurso da Presidência destaca, naturalmente, as conquistas sociais obtidas e que se almejam bem como afirma a necessidade de fortalecer as instituições e a aplicação da lei e sublinha a necessidade de uma visão real da questão industrial. Além disso, aponta sua disposição para o diálogo sobre a reforma tributária com a salutar consciência de angariar o apoio necessário a poucas horas de sua apreciação no plenário da Cãmara dos Deputados, o que acabou por refutar que não há relatividade para os caminhos das reformas na democracia, mas apenas um o da própria democracia.

O seu verbo ainda saldou seu leal concorrente José Serra (parceiro de ensaios com Maria da Conceição Tavares na luta contra os autoritarismos planetários), abrindo a esperança do abandono das ambivalências, de ouvir os silêncios perante aqueles que dizem apoiá-lo, mas contradizem-no diariamente. Por outro lado, é muito legítimo que ressalte que na sua aprendizagem mantém os seus princípios, afinal o que é decisivo na política são antes os fins.

Os eixos explicitados para o governo são muito louváveis, o problema é que não são programáticos, pois ainda não sustentam uma visão estratégica para entregar soluções de longo prazo para avanços sociais, ambientais, civilizatórios e cidadã, porque não se combinam com uma visão límpida de crescimento económico, que em conjunto com a mudança tributária e a manutenção da responsabilidade no arcabouço fiscal assegurem a sustentabilidade de um processo de mudança.

A ausência desta visão estratégica enfraquece o desenvolvimento futuro, porque muita das promessas feitas com franqueza pode virar-se contra a gestão se não for cumprida num país onde a desconfiança e as desilusões se espalharam demasiadamente no ultimo quadriênio, onde as pessoas vivem momentos difíceis, o medo da estagnação presente nos primeiros números do Censo 2022, que seus empregos não durem e que, consequentemente, seus direitos sociais acabem não se refletindo em seu cotidiano.

O "logos" dessa conta pública sem dúvida melhora, mas isso deve ser acompanhado de experiência prática, garra para resistir às pressões cruzadas de um setor reacionário reforçado e de seus próprios supostos apoiadores, entre os quais, não poucos, são prisioneiros de sonhos doutrinários, que os cegam para perceber a realidade.

Nesse espírito, os 6 meses indicam que poderemos concluir com sucesso o primeiro ano. O sucesso da apreciação no plenário da Cãmara dos Deputados da reforma tributária aponta o acerto que se fez na sinalização feita ao Centro político. Embora a discussão tenha sido acalorada em alguns momentos, havia muita vontade de chegar a um acordo, deixando para trás o espírito de turras que reinava no quadriênio anterior.

Isso possibilitou a construção de um projeto mais do que aceitável com bases republicanas, abordando questões típicas do atual momento de saída da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, com uma estrutura política e jurídica de bom tom e a abertura para uma ampliação dos direitos sociais sem se tornar um programa partidário em relação ao desenvolvimento futuro.

Aliás, não se pode pedir aos Senadores e Senadoras que substituam a discussão por uma aclamação, mas sim que não quebrem o espírito de trabalho que se abriu e que mantenham o predomínio do bom senso e da abertura em favor da sua aprovação e encerramento. O Brasil deve concluir esse processo e acordar um padrão tributário mínimo aceitável para uma maioria consistente de nossa convivência democrática e republicana.

 

9 de julho de 2023



[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.





segunda-feira, 3 de julho de 2023

CARBONÁRIOS DO SÉCULO XXI - CARTA ABERTA A SEMAC RIO DE JANEIRO

 

Carta Aberta - O Crepúsculo do Ambientalismo

Carlos Alfredo Nagle[1]

Sinto um estranhamento sobre a forma como o debate das mudanças climáticas estaria sendo conduzidas na cidade do Rio de Janeiro. Portanto, entrei em contato para esse insuspeito BLOG para escrever essa carta no intuito de contribuir com algumas de minhas reflexões a partir de universo que fui formando desde que retornei do exílio em 1979. Minha geração equivocadamente criou uma “patrulha ideológica” que muito se assemelha a alguns dizeres de alguns jovens que estão a atuar na política. Achávamos que tudo seria nosso e nada dos outros numa visão escatológica do fim do capitalismo.  Nos dias atuais, os anseios pela igualdade exposta por Alexis de Tocqueville em Democracia na América têm moldado as falas desses jovens com verniz social.

O “Tudo pelo Social” que estranhei na gestão de José Sarney é simplesmente localizar políticas sociais numa suposta “periferia” sem que haja um cuidado programático. A meu receio é que as mudanças climáticas não estejam sendo de fato debatidas na cidade do Rio de Janeiro diante de algumas iniciativas que aparentemente saem de reuniões de “mídias sociais”. Além disso, no escopo da Federação PT/PCdoB/PV poderia muito bem abrir espaço para os Verdes na gestão municipal carioca como ampliação da política de Frente.

Todavia, não me vejo bem diante de uma gestão do meio ambiente que não tem a ousadia em questionar a implantação de uma tirolesa no Pão de Açúcar enquanto o teleférico do Alemão continua se degradando e nada se fala do que um dia funcionou no Morro da Providência. Mesmo que tenha autorizações para a execução dessa iniciativa privada, não é uma visita técnica que deve fazer calar a externalização de uma opinião.

Estou cansado e tudo me dói ao ter que constatar que os tempos de meu engajamento hoje se confundem em política de compensação social no meio ambiente. Projetos. Tempos de projetos dos Guardões de Ralo, Matas, Mangues, etc. Nome infeliz para nós que tivemos recentemente os “Guardiões do Crivella”. Só falta chamar o Projeto “Capitão Planeta” para vistoriar o Rio de Janeiro num helicóptero como se fosse o fundamental para enfrentar as mudanças climáticas.


Serra da Posse

O desafio da Educação Ambiental é um trabalho muito importante para as novas gerações mesmo que tenhamos uma rede municipal que reduziu a carga horária de aula para a disciplina de Geografia. O Secretário Municipal de Educação poderia fazer um gesto pelo meio ambiente e contribuir para a volta dos três tempos semanais. Além disso, a SEMAC precisa estar dentro das escolas públicas do município para que esse diálogo com as novas gerações atinja o “Ginásio Carioca”.

A formação de uma juventude engajada na luta contra as mudanças climáticas deve ser para todas e todos no universo escolar. Projetos de Laboratórios afunilados de 50 até 5 pessoas não me convencem na formação de uma liderança autônoma, independente e participativa. Além disso, outro nome infeliz foi “Jovens Negociadores” num universo de liberalismo ambiental. A melhor parceria são os professores de ciências e geografia da rede pública municipal para formar “Embaixadores do Clima” sem espaço para engajamentos com leituras eleitoreiras.

Nos subúrbios de Irajá e Guadalupe há uma ausência de arborização constatada em diversos estudos. O eixo da Avenida Brasil é um “antipulmão” de emissões de CO2 com moradores de vulnerabilidade social convivendo com poucas árvores. Faltam guardiões nesse momento. Falta também a retomada da política das ciclovias para as periferias ou seriam os “Guardiões dos Pedais” nos dizeres da comunicação da SEMAC. Sirkis ainda é uma saudosa lembrança sobre esse tema. No mundo pós-pandemia e da alta dos custos de combustíveis fosseis, essa deveria ser um prioridade para uma gestão com olhar para a questão urbana.

Por fim, mesmo que eu seja um privilegiado morador de Ipanema, estou muito atento aos relatos de meus amigos ativistas da ecologia no bairro de Campo Grande. Minha fala planetária me permite refletir que o redesenho da “Nova Floresta da Posse” com uma área menor que o decreto original impõe um alerta para o campo democrático. Além disso, se tudo gira em torno do debate do transporte de automóveis, onde está a iniciativa em favor do transporte de massa que sempre esteve na pauta dos progressistas? Ciclovia no projeto do túnel de Campo Grande é insuficiente diante da dimensão do bairro. Um compromisso com forças políticas mais ao centro não pode significar um silêncio programático. Ou temos só projetos e nenhum programa? Se o Rio de Janeiro está envelhecendo e esvaziando de uma população mais jovem, o bairro de Campo Grande aparentemente está na contratendência ao Censo o que sugere pensar em um diálogo programático mais constante com os movimentos sociais locais para fazer do meio ambiente um debate de ecologia humana.


[1] Ex-liderança estudantil em 1968. Formado em Geografia na Universidade de Moscou.


sábado, 1 de julho de 2023

SÉRIE ESTUDOS - ENSINO MÉDIO NA BERLINDA (RESENHA DE LIVRO)


 O ovo da serpente na educação 

 

Pablo De Las Torres Spinelli 

 

O Estado do Rio de Janeiro teve recentemente mais de 40 dias de paralização da sua rede estadual de ensino por uma greve orientada pelo SEPE/RJ que tinha como metas a defesa do Plano de Carreiras, o pagamento do Piso Nacional do Magistério, a convocação dos concursados e um novo concurso público e a revogação do Novo Ensino Médio1 . A greve não conseguiu a sua pauta e além de ter sido judicializada, sofreu uma derrota política diante de um governador que colocou como entrave o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do Estado e que pedira ao Executivo Federal a retirada da Educação do RRF, logo, o foco da categoria deveria ser para Brasília e não para o Palácio Guanabara.  

 

Dito isso, há uma urgência de um balanço sobre a derrota do movimento por parte da categoria e não só. O campo intelectual pode e deve dar contribuições para o entendimento das sucessivas derrocadas. Aqui cabe uma provocação. A pauta do magistério está em consonância com as demandas societais? É possível ter vitória política numa greve sem a sociedade como parceira? A pauta econômica poderia ter um diálogo com outras pautas tais como unificação do calendário de recesso no meio do ano até à infraestrutura escolar (climatização, água, esgoto, isolamento acústico)?  

 

Em ação inédita, o Presidente da República insta a sociedade a fazer inscrições para o ENEM por meio de redes sociais. As escolas não poderiam fazer a inscrição e ter uma agenda com a comunidade escolar sobre os problemas da categoria e dos alunos na conjuntura pós-pandêmica? Perguntas que são formuladas a partir do lançamento do livro Ensino médio no Brasil e sua (im)possibilidade histórica: determinações culturais, econômicas, políticas e legais, organizado por um grande especialista da área da Educação, Gaudêncio Frigotto, e editado pela UERJ (LPP)/Expressão Popular.  




O livro composto por onze artigos com a colaboração de quinze pesquisadores e profissionais da área da educação abre um amplo leque de diagnósticos a respeito da educação e, em especial, o ensino médio brasileiro, como aludido no título. Com linhas de pesquisa e abordagens das mais diversas há pontos em comum que podemos elencar para os profissionais da área e para o público leigo. 

 

A começar pela análise do capitalismo periférico do “outro ocidente” que é a América Latina, e, em especial, o Brasil, cujo eixo formador da nação trouxe consigo as chagas de uma sociedade escravocrata e de uma elite burguesa moderna que leva adiante a modernização com o setor do atraso, cuja permanência do latifúndio é marca indelével da nossa formação contemporânea. O constructo teórico a partir de textos seminais das Ciências Sociais tem como arcabouço o diálogo entre Florestan Fernandes, Celso Furtado e Francisco de Oliveira, pensadores e analistas de um modelo desenvolvimentista que combina desiguais desde a formação cidadã, perpassando pelo sistema educacional do século passado e que culmina no viés mercadológico na área do ensino desse século, como a valorização da meritocracia, da educação particular, do “espírito” empreendedor nessa América periférica. Pode-se discutir as ausências de Caio Prado Júnior e dentro do pensamento cepalino, o sociólogo discípulo de Florestan, Fernando Henrique Cardoso, mais lembrado enquanto presidente de um governo rotulado como neoliberal, seara que abre discussões se ali começou e se ali se esgotou tal modelo. Foi nesse governo que a educação passou a ser avaliada por um exame nacional que passou a ser a porta de entrada (na maioria, a única) para o ensino superior, além da criação do FUNDEF, cuja meta era capilarizar para os municípios parte do orçamento exclusivamente para o Ensinamento Fundamental, política pública que foi continuada e turbinada pelo FUNDEB no governo seguinte.  


 A abertura de um debate sobre os moldes do capitalismo brasileiro, as lacunas de nomes do pensamento social brasileiro, a ênfase em dualismos classificatórios carregados de uma energia da superestrutura não invalida os acertos da coletânea como as evidências legislativas nos últimos dez anos que prioriza a flexibilização da rede pública de ensino no Ensino Médio e que acaba por adaptar escolas particulares que vivem de ranqueamento e de concorrência de um mercado cada vez mais competitivo. As digitais de setores privados na formulação de políticas públicas - como o Sistema S e o “Todos Pela Educação” - são colocadas à luz das pesquisas. A associação do empreendedorismo com as camadas subalternas da sociedade é equivalente ao que existia desde os idos do Ministério Capanema e que foi exponenciado pelo tecnicismo-fordista da Ditadura Militar. É ainda de grande valia as contribuições para futuras pesquisas para intervenções públicas em uma aliança entre universidade pública e sociedade. Há caminhos férteis para a práxis na educação a partir dos relatórios dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios, algo que permitirá um questionamento sobre a atuação de bancadas legislativas na área da educação desde o “chão de fábrica” até a orçamento e gestão; tal qual mais pesquisas acerca do ensino público e suas mazelas diante dos anos pandêmicos, algo que permite políticas preventivas.  

 

A confecção de um livro de tal monta é um tour de force não apenas pelos temas analíticos da sociedade brasileira, das classes hegemônicas, mas, e principalmente, pela sua confecção em anos de chumbo – aqui não como metáfora da Ditadura Militar, mas do peso que o espectro fascista que nos rondou e ronda nos legou -, em ásperos tempos que precisam de intervenção de intelectuais compromissados com a educação pública, com a res pública, com a democracia. Gaudêncio Frigotto nos trouxe à reflexão com Escola “sem” Partido (2017) para o ovo da serpente que ali se chocava e agora com esse seu mais recente livro discute a possibilidade vinda da impossibilidade histórica de um ensino médio público de qualidade e democrático. E aqui temos em Frigotto e seus colaboradores intelectuais desempenhando um papel ativo na organização da cultura democrática nesse país amante da revolução passiva.  

 

1 https://seperj.org.br/nova-versao-carta-a-populacao/