sábado, 1 de julho de 2023

SÉRIE ESTUDOS - ENSINO MÉDIO NA BERLINDA (RESENHA DE LIVRO)


 O ovo da serpente na educação 

 

Pablo De Las Torres Spinelli 

 

O Estado do Rio de Janeiro teve recentemente mais de 40 dias de paralização da sua rede estadual de ensino por uma greve orientada pelo SEPE/RJ que tinha como metas a defesa do Plano de Carreiras, o pagamento do Piso Nacional do Magistério, a convocação dos concursados e um novo concurso público e a revogação do Novo Ensino Médio1 . A greve não conseguiu a sua pauta e além de ter sido judicializada, sofreu uma derrota política diante de um governador que colocou como entrave o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do Estado e que pedira ao Executivo Federal a retirada da Educação do RRF, logo, o foco da categoria deveria ser para Brasília e não para o Palácio Guanabara.  

 

Dito isso, há uma urgência de um balanço sobre a derrota do movimento por parte da categoria e não só. O campo intelectual pode e deve dar contribuições para o entendimento das sucessivas derrocadas. Aqui cabe uma provocação. A pauta do magistério está em consonância com as demandas societais? É possível ter vitória política numa greve sem a sociedade como parceira? A pauta econômica poderia ter um diálogo com outras pautas tais como unificação do calendário de recesso no meio do ano até à infraestrutura escolar (climatização, água, esgoto, isolamento acústico)?  

 

Em ação inédita, o Presidente da República insta a sociedade a fazer inscrições para o ENEM por meio de redes sociais. As escolas não poderiam fazer a inscrição e ter uma agenda com a comunidade escolar sobre os problemas da categoria e dos alunos na conjuntura pós-pandêmica? Perguntas que são formuladas a partir do lançamento do livro Ensino médio no Brasil e sua (im)possibilidade histórica: determinações culturais, econômicas, políticas e legais, organizado por um grande especialista da área da Educação, Gaudêncio Frigotto, e editado pela UERJ (LPP)/Expressão Popular.  




O livro composto por onze artigos com a colaboração de quinze pesquisadores e profissionais da área da educação abre um amplo leque de diagnósticos a respeito da educação e, em especial, o ensino médio brasileiro, como aludido no título. Com linhas de pesquisa e abordagens das mais diversas há pontos em comum que podemos elencar para os profissionais da área e para o público leigo. 

 

A começar pela análise do capitalismo periférico do “outro ocidente” que é a América Latina, e, em especial, o Brasil, cujo eixo formador da nação trouxe consigo as chagas de uma sociedade escravocrata e de uma elite burguesa moderna que leva adiante a modernização com o setor do atraso, cuja permanência do latifúndio é marca indelével da nossa formação contemporânea. O constructo teórico a partir de textos seminais das Ciências Sociais tem como arcabouço o diálogo entre Florestan Fernandes, Celso Furtado e Francisco de Oliveira, pensadores e analistas de um modelo desenvolvimentista que combina desiguais desde a formação cidadã, perpassando pelo sistema educacional do século passado e que culmina no viés mercadológico na área do ensino desse século, como a valorização da meritocracia, da educação particular, do “espírito” empreendedor nessa América periférica. Pode-se discutir as ausências de Caio Prado Júnior e dentro do pensamento cepalino, o sociólogo discípulo de Florestan, Fernando Henrique Cardoso, mais lembrado enquanto presidente de um governo rotulado como neoliberal, seara que abre discussões se ali começou e se ali se esgotou tal modelo. Foi nesse governo que a educação passou a ser avaliada por um exame nacional que passou a ser a porta de entrada (na maioria, a única) para o ensino superior, além da criação do FUNDEF, cuja meta era capilarizar para os municípios parte do orçamento exclusivamente para o Ensinamento Fundamental, política pública que foi continuada e turbinada pelo FUNDEB no governo seguinte.  


 A abertura de um debate sobre os moldes do capitalismo brasileiro, as lacunas de nomes do pensamento social brasileiro, a ênfase em dualismos classificatórios carregados de uma energia da superestrutura não invalida os acertos da coletânea como as evidências legislativas nos últimos dez anos que prioriza a flexibilização da rede pública de ensino no Ensino Médio e que acaba por adaptar escolas particulares que vivem de ranqueamento e de concorrência de um mercado cada vez mais competitivo. As digitais de setores privados na formulação de políticas públicas - como o Sistema S e o “Todos Pela Educação” - são colocadas à luz das pesquisas. A associação do empreendedorismo com as camadas subalternas da sociedade é equivalente ao que existia desde os idos do Ministério Capanema e que foi exponenciado pelo tecnicismo-fordista da Ditadura Militar. É ainda de grande valia as contribuições para futuras pesquisas para intervenções públicas em uma aliança entre universidade pública e sociedade. Há caminhos férteis para a práxis na educação a partir dos relatórios dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios, algo que permitirá um questionamento sobre a atuação de bancadas legislativas na área da educação desde o “chão de fábrica” até a orçamento e gestão; tal qual mais pesquisas acerca do ensino público e suas mazelas diante dos anos pandêmicos, algo que permite políticas preventivas.  

 

A confecção de um livro de tal monta é um tour de force não apenas pelos temas analíticos da sociedade brasileira, das classes hegemônicas, mas, e principalmente, pela sua confecção em anos de chumbo – aqui não como metáfora da Ditadura Militar, mas do peso que o espectro fascista que nos rondou e ronda nos legou -, em ásperos tempos que precisam de intervenção de intelectuais compromissados com a educação pública, com a res pública, com a democracia. Gaudêncio Frigotto nos trouxe à reflexão com Escola “sem” Partido (2017) para o ovo da serpente que ali se chocava e agora com esse seu mais recente livro discute a possibilidade vinda da impossibilidade histórica de um ensino médio público de qualidade e democrático. E aqui temos em Frigotto e seus colaboradores intelectuais desempenhando um papel ativo na organização da cultura democrática nesse país amante da revolução passiva.  

 

1 https://seperj.org.br/nova-versao-carta-a-populacao/ 

 

2 comentários:

Vagner Fia, Geógrafo e Professor. disse...

Realmente, é necessário repensar a forma e a estratégia na condução de uma greve. Alguns não "param" porque dizem que não vai dá em nada ou vão perder a glp. O dia que o movimento da educação for igual aos das torcidas organizadas, a educação vencerá o amanhã.Seguimos nas lutas. O futuro é agora !

Anônimo disse...

Parabéns aos colaboradores intelectuais unir forças éessencial !!!