segunda-feira, 19 de setembro de 2016

PARA ALÉM DA POLARIZAÇÃO: UMA ANÁLISE DA CONJUNTURA

Júlio Aurélio (Nosso Entrevistado)
 
Pouco tempo ainda nos distancia do afastamento definitivo da Presidente Dilma. Um longo processo político foi concluído, mas a crise política ainda está presente na sociedade brasileira diante de uma sequência de debates polarizados e um novo Governo de Coalizão que tateia superar a crise econômica. No momento, o Governo Temer está trilhando uma receita desenhada pelo governo anterior nos tempos de Joaquim Levy. Diante desse quadro complexo, VOTO POSITIVO convidou Júlio Aurélio Vianna Lopes para uma entrevista por e-mail. Ele é Pesquisador Titular em Ciências Sociais e Humanas da Fundação Casa de Rui Barbosa. Confiram a seguir.

 
1) Na sua opinião, o afastamento definitivo da Presidente Dilma em 31 de agosto foi um "Golpe Parlamentar"?
O procedimento inicial do impeachment, adotado pela Câmara, era uma tentativa de golpe pelo Parlamento, porque não obedecia a várias exigências da Constituição - especialmente a defesa ampla pela Presidência da República e a votação aberta (não secreta) pelos Deputados. Se assim tivesse transcorrido o impeachment, a destituição do governo teria resultado de uma ruptura constitucional.
Porém, esta tentativa de golpe parlamentar foi abortada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando ele substituiu todo o procedimento da Câmara, ao lhe impor outro procedimento (extensivo também ao Senado, lugar do julgamento) com ampla defesa pelo Governo e voto aberto pelos parlamentares, em todas as fases. Cabe destacar que o procedimento definitivo do impeachment, pelo STF, resultou de seu acolhimento de todos os pedidos feitos pela Advocacia do Governo e, principalmente, por um dos partidos que o defenderam (o PC do B). Por isso, é completamente descabido - especialmente por estas entidades - alegar qualquer ruptura da formalidade constitucional (ou golpe parlamentar), já que o procedimento adotou todas as formas por eles defendidas e não as que os Deputados preferiam.
 
Assim como não houve golpe parlamentar quanto à forma - cuja ruptura é indispensável para caracterizar qualquer tipo de golpe politico (parlamentar ou não) na Democracia - também o conteúdo do impeachment pelo Senado não extrapolou a Constituição. Objetivamente, a Governante violava a lei orçamentária - do qual ela era acusada - à medida que manejava recursos do orçamento público entre órgãos (distintos e separados no interior da Administração) de maneira que, no mínimo, dificultava sua fiscalização externa. O que, proibido pela Constituição, já era uma irregularidade pontual criticada nos Governos FHC e Lula, adquiriu, especialmente durante o primeiro ano do Governo Dilma, uma constância no tempo (anual) e um montante de recursos do orçamento que impedia seu controle pelos órgãos fiscalizadores. E qualquer arbítrio presidencial no manejo do orçamento é caso para impeachment pela Constituição.
 
Este impeachment teve outro motivo jurídico que o do Presidente Collor, trazendo novos desafios para aperfeiçoar nossa ordem democrática: impedir que outros Chefes de Executivos (Governadores, Prefeitos e Presidentes da República) continuem ou retomem formas de arbítrio orçamentário. Mas para que esta consequência positiva se realize, é preciso que ao impeachment se aplique a proibição temporária de função pública - cuja não aplicação pelo Senado foi a única inconstitucionalidade do processo.
 
2) Seria o momento de defender Eleições Diretas Já para Presidente? Essa é a melhor palavra de ordem para as forças democráticas?
 
O melhor para a Democracia - critério que deve orientar lideranças que se considerem democráticas - é o cumprimento das leis e da Constituição por ela adotada. Portanto, nova eleição presidencial é legitima, no momento atual, somente como resultante de uma cassação - pelo Tribunal Superior Eleitoral - da chapa Dilma/Temer, vitoriosa na eleição de 2014. Tratar qualquer eleição de modo casuístico contraria a aprendizagem cívica da população que vive em uma Democracia Constitucional (ou Estado Democrático de Direito), onde os mandatos representativos têm suas interrupções previstas na Constituição.
 
Assim, cabe ao TSE, aos partidos democráticos e à cidadania apurar ou exigir a apuração, afinal, da denúncia de corrupção eleitoral pela chapa vitoriosa à Presidência. De fato, todos têm se omitido para resolver, afinal, sobre o assunto, cuja importância, para o aprendizado democrático, é tão importante quanto o do impeachment....
3) O Governo de Michel Temer representa as forças conservadoras?
 
Sua base tem a mesma composição de lideranças que formava os 13 anos dos governos de Lula e Dilma, a qual, devido a seu estilo próprio de isolamento pessoal - governando afastada dos partidos (incluindo o PT) que a apoiavam no Legislativo - se fragmentaram durante o fim de seu primeiro mandato e, especialmente, o inicio de seu segundo mandato. Isolada por opção, logo a Presidência se tornou ainda mais solitária pelo abandono progressivo dos aliados com os quais todas as suas politicas públicas - do Bolsa-Família ao Prouni - se tornaram reais. Implodida, politicamente, pela própria Presidência da República, sua coalizão de lideranças aliadas à esquerda buscou se recompor contra Dilma, já que não conseguiam se recompor com ela.
 
À recomposição da base politica - na qual se destacava o PMDB - por ex-aliados da esquerda, se aproximaram, progressivamente, as demais tendências centristas, nas quais se destacam o PSDB e DEM. O Governo Temer reuniu, assim, todo o centro brasileiro: tanto o que esteve junto ao PT em seus governos, quanto o de fora deles, ampliando a centro-direita em sua composição. Uma tensão interna entre suas tendências mais patrimoniais, de um lado, e mais neoliberais, de outro lado, acompanhará sua trajetória.
No contexto imediato - onde a dissolução econômica (cuja ponta é o desemprego disseminado) atual reflete a dissolução politica anterior - se deveria exigir do Governo Temer o papel de recomposição social e econômica do País. O que implicaria transpor seu perfil ideológico, através de um pacto nacional por uma retomada do crescimento sem penalizar a população mais vulnerável: apoiar quando assim o fizesse e criticar quando não o faça.
 
4) Há 30 anos o PMDB foi o maior vencedor das eleições para a Assembleia Constituinte de 1987/1988, em três décadas, como avalia o quadro partidário brasileiro diante uma fragmentação do Congresso Nacional em mais de 28 agremiações partidárias?
 
De fato, o PMDB de 30 anos atrás reunia todas as principais tendências centristas como nunca - inclusive uma relevante centro-esquerda que se dissolveu e uma centro-direita (organizada como "Centrão") que dele se descolou, ambas progressivamente, ao longo das décadas. A Constituição de 1988 - como tenho ressaltado em minhas obras - é o maior fruto das transações programáticas entre estas tendências centristas, mas abertas às esquerdas, pelas quais o PCB (original) contribuiu com o único e, por isso, influente projeto partidário de Carta Constitucional.
 
A insuficiente adesão à Democracia como valor universal - característica infeliz que ainda permeia as várias tendências ideológicas brasileiras - levou, porém, à subestimação constituinte do tema eleitoral/partidário, apesar de sua óbvia importância já na época. Ele foi o tema institucional mais desprezado pelos debates na Assembleia.
 
O resultado foi uma liberalização partidária à qual não correspondeu uma responsabilidade partidária equivalente. Mesmo a fidelidade entre partidos e membros - remetida a uma lei posterior que nunca foi feita - só começou a ser, minimamente, efetivada pelo STF. Mas, além de longe do ideal, uma regulação democrática do sistema partidário continua essencial para um funcionamento mais programático e menos pragmático entre as lideranças parlamentares e a Presidência da República. Pois a ética representativa começa nos partidos e eleitos ou sempre estarão à mercê do Poder Executivo, através de relações nas quais os eleitores não comparecem.
 
5) Seria conveniente uma Assembleia Constituinte Exclusiva para a "Reforma Política"?
 
 Como o sistema politico em geral - de governo (presidencial ou parlamentar), eleitoral (cômputos de votos e eleitores) e partidário (organização dos partidos) - continua sendo, desde o fim da Assembleia Constituinte eleita em 1986, sua principal falha e da nossa Democracia, novos esforços são necessários para o estabelecer. Neste sentido, além de juridicamente possível - apesar de controverso entre juristas da Constituição - uma Assembleia Constituinte exclusiva (seguida de consulta popular ou referendo) ou um Plebiscito constitucional (como de 1993) são alternativas cuja viabilização politica, junto ao Legislativo, trariam a principal reforma da Magna Carta: a reforma do seu sistema politico, assentando um modelo adequado à nossa experiência democrática de 30 anos. A melhor alternativa é a que for, politicamente, mais viável - importa desatar a reforma politica....
 
Desde logo, porém, enquanto se trabalha para construir uma alternativa constituinte que complete a ordem democrática, não se deve esquecer que, para muitas questões do sistema politico - regulação de Medidas Provisórias presidenciais, proibição de coligações eleitorais para Legislativos e fidelidade partidária - bastam leis e não se exigem mudanças constitucionais.

6) Diante das possíveis Emendas Constitucionais sobre a Previdência Social e Legislação Trabalhista, poderíamos dizer que o "Centrão" da Constituinte de 1987/88 estaria de volta?
 
A rigor, tanto os Governos FHC e Lula - cada qual a seu modo - confluíram, em seu interior, ambas as tendências constituintes fundamentais: tanto ao "Centrão" quanto aos seus adversários. Como demonstrei em "Como foi feita a Constituição de 1988" (Ed. Cultura), a derrota do "Centrão" adveio de sua decomposição e absorção pontuais, pela centro-esquerda, em cada tema constituinte votado pela Assembleia. Foi esta mesma confluência que viabilizou, politicamente, as hegemonias posteriores do PSDB e do PT.
 
Se conseguirmos transcender as retóricas da polarização atual, conseguiremos perceber que a agenda Temer/Meireles, essencialmente, não difere da agenda Dilma/Levy. Ambas as iniciativas que você citou já vinham sendo formuladas - basta verificar, no Governo passado, a Medida Provisória que permitia reduções negociadas de salários ou ampliação de idade mínima para aposentadoria, para a qual já se conversava com o sindicalismo.  
 
Tal como o Governo Dilma, o Governo Temer não tem apresentado criatividade diante do ajuste fiscal, cuja abrangência revela sua diferença de métodos: enquanto antes se apostava na reintrodução da CPMF, agora se dedicam a fixar um teto geral aos gastos públicos. O qual, sem excepcionar Educação e Saúde, seria tão socialmente regressivo quanto o imposto extinto....
 
7) A chamada judicialização da política brasileira não tenderia em afastar ainda mais a participação política da maioria da sociedade?
 
Ela tem um duplo aspecto contraditório: tanto amplia a democratização politica, de um lado, quanto a torna problemática, por outro lado.
 
Sua potência democrática - só há judicialização da politica em Democracias - está em facultar o exercício da cidadania por segmentos sociais cuja exclusão partidária não os impede de, através da provocação direta (ações individuais ou coletivas) ou indireta (órgãos públicos não-governamentais como Defensoria ou Ministério Público) do Judiciário, serem incluídos em politicas públicas contidas em decisões judiciais.
 
Seu risco autoritário - que não se cancela mesmo pela eleição de juízes - reside na aplicação das leis como única forma ou objetivo da cidadania. Dentro do Estado moderno e sua tripartição de Poderes, só há uma solução compensatória: o acompanhamento ou até a ratificação de decisões judiciais com impacto coletivo pela sociedade civil. Em meu próximo livro - sobre o tema do papel politico de redes sociais - pretendo demonstrar a viabilidade atual de instituições que superam o dilema da judicialização atual, ao torna-las canais pelos quais a diversidade cultural aponta para uma sociedade democrática como intercomunitária.

8) Para onde foi a esquerda brasileira após 13 anos de "Ciclo Petista"?
 
O PT não se tornou Governo, nem implementou as politicas públicas e sociais que o caracterizam  através da politica de alianças - exclusivas à esquerda - que sempre vocalizou. Foi pelo reconhecimento de que tanto o desenvolvimento nacional quanto a inclusão social - agenda que continua atual, mesmo com os inegáveis avanços do período petista - são questões atinentes também, no mínimo, às várias expressões (incluindo algumas conservadoras) do centro político brasileiro.
 
Entretanto, ao exercer, ineditamente, alianças amplas para além das esquerdas, seu maior partido não as adotou como programáticas - em torno da formulação de politicas públicas especificas, embora as tenha implementado - mas como meramente pragmáticas: elas se assentaram sobre exclusivos cálculos eleitorais. Seu pragmatismo o fez ingressar - como sua manifestação extrema - até mesmo no patrimonialismo brasileiro, atualizado sob a Democracia Politica por relações corrompidas entre órgãos públicos e empresas privadas, agora mediadas por lideranças partidárias.
 
Romper o caráter corrupto do capitalismo de Estado brasileiro, democratizando sua relação com o empresariado e interditando seu papel na corrupção eleitoral - valiosa sua proibição no financiamento de eleições pelo STF - é uma meta indispensável que a esquerda tem de assumir, conscientemente, na autocrítica efetiva da qual depende sua recomposição para enfrentar a extrema desigualdade social brasileira que continua intocada.



segunda-feira, 12 de setembro de 2016

ELEIÇÕES CARIOCAS 2016

 

A Esquerda na Encruzilhada das Eleições Cariocas

Por Vagner Gomes
 
Alessandro Molon (REDE), Jandira (PCdoB) e Marcelo Freixo (PSOL)
 
Já se faz muito distante os anos em que o Prefeito Saturnino Braga (então filiado ao PSB) decretou a falência da Prefeitura do Rio de Janeiro. Vivíamos altos índices de inflação no final da década de 80 e a pressão social era muito forte associada aos debates constituintes que inseriram novos direitos a Carta Constitucional de 1988. Foram meses de atrasos salariais e 1988 se encerrava com a eleição do candidato do PDT que migraria para o PSDB. Esse foi o desfecho de uma experiência de "centro-esquerda" na Administração Municipal que muitos do campo da esquerda faziam oposição. Uma experiência única na história eleitoral do Rio de Janeiro pós-1985 sem o devido balanço político para compreender os motivos de nunca uma candidatura da esquerda carioca ser vitoriosa para além de manifestações fortes no decorrer da campanha. Lembremos que Saturnino Braga foi eleito em tempos de eleições sem 2 Turnos, ou seja, teve uma votação próxima aos 50% dos votos válidos mas não superou esse patamar. 
 
Ao longo das eleições posteriores, o eleitor carioca sufragou candidaturas com perfil de "Centro" e com discurso de bons gestores públicos. Além disso, com a adoção do sistema de reeleição, em duas eleições o mandatário foi reeleito no Primeiro Turno (2004 - César Maia e 2012 - Eduardo Paes). E a esquerda carioca fez de tudo um pouco para não se reconhecer como força política minoritária no campo eleitoral da cidade.  Contudo, se o objetivo é vencer, só poderá ganhar para Governar o município se transitar políticamente para o "Centro" se aproximando da vertente do que foi a candidatura de Fernando Gabeira (PV - PSDB - PPS) em 2008. Há um patamar máximo eleitoral da esquerda carioca o qual verificamos nessas eleições mais uma vez, ou seja, o limite é 25% do eleitor. Portanto, nesse Primeiro Turno, as candidaturas de PSOL/PCB; PCdoB/PT; REDE/PV já se aproximam dessa faixa considerando a margem de erro. Trata-se do momento de viabilizar quem será o representante desse campo para um Segundo Turno com possibilidades de vitória.
 
Nos anos recentes, PPS, PSB, PT e PCdoB compartilharam alianças com o governismo local do PMDB sem questionar a perpetuação dos sistemas de trocas políticas nos suburbios cariocas. Deixaram o legado do chamado "lulismo" sob a hegemonia dessas forças políticas conservadoras a medida que o ativismo político do petencostalismo se consolidou. À margem da política, muitos jovens se radicalizaram e não estão ingressos no sistema da política eleitoral, o que criou mais constrangimentos para a configuração de uma política de aliança mais ampla para agremiações como o PSOL. Por outro lado, a REDE não ganhou capilaridade política na sociedade carioca pelos posicionamentos "bovaristas" da esquerda de classe média. Como se percebe, há um "dilema do prisioneiro" na mobilização pelo voto da esquerda carioca. É preciso demonstrar que é capaz de governar para além de um posicionamento ideológico. Mostrar que é possível governar para todos os cariocas é sair da da "zona de conforto"das teses esquerdistas.
 
Transitar para o "centro político" é o desafio para a esquerda carioca reforçando um programa político que lute pela radicalização das instituições democráticas já existentes. Deve-se reforçar e ampliar os mecanismos democráticos já existentes. Valorizar as eleições de Direção das Escolas Públicas sem critérios limitadores de candidaturas de educadores e abri-las aos finais de semana. Lutar pela transparência nas contas da Previdência dos Servidores municipais (PREVIRIO). Defender um Orçamento Participativo.  Falar mais em ciclovias nas periferias cariocas. São propostas de quem deseja governar para todos como essas, que farão o eleitor médio reconhecer na esquerda carioca um articulador de uma hegemonia do sentimento político democrático. Para sair da encruzilhada é necessário que a esquerda carioca faça sua mobilidade.