segunda-feira, 19 de junho de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBB 018 - LIÇÕES DA ESPANHA PARA O BRASIL

Lembrai-vos do Pacto de Moncloa

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Em 28 de maio, foram realizadas eleições municipais e regionais em quase toda a Espanha. Desde aquele dia não faltaram análises e reflexões profundas que abundam nas causas — igualmente profundas — para os resultados. É o que há depois de um dia de eleição, que aqui não se faz entender desde os engodos revogatórios que se disse por aqui. A surpresa da convocatória que o Presidente do Governo da Espanha fez para as eleições gerais para 23 de julho atrapalhou os relógios políticos e, sobretudo, atrapalhou a festa que a direita pretendia celebrar desde a noite de 28 de maio, quando foram anunciadas as eleições gerais.

Neste pouco menos de mês e meio que falta para 23 de julho, a direita vai continuar a fazer o seu trabalho: encher a Espanha de mentiras. A extrema direita anuncia que a Espanha quebrou nas mãos de Termidorianos. Os quatro cavaleiros do Apocalipse resumidos em um: o Presidente do Governo da Espanha. Com isso a direita tem feito o necessário. Vamos ver se a Frente Democrática e a força de sua união e de a resposta civilizatória. E a celebração dos avanços planetários adiados desde a manhã de 29 de maio e se acertar o passo pelo menos para os próximos quatro anos. Esperançosamente. Mas, desta vez, precisamos deixar claro o que se passou depois da noite eleitoral de 28 de maio, pois ficou transparente — mais uma vez — que a democracia espanhola tem mais fragilidades do que se imaginava.

Numa democracia não deveria permitir um terreno de ilusões do povo, as aspirações de uma sociedade seja uma coisa ou outra dependendo de quem ganha ou perde uma eleição, mas ao contrário, devem vir daquilo todos sabem de onde viemos e o que tem sido feito da nossa herança, e a dignidade de saber para onde se deseja chegar quando colocamos a devida memória daqueles que vieram antes de nós. As urnas nunca poderiam ser um jogo, seja ele qual for.

Tanto a direita quanto sua excrescência, encena há anos uma peça maluca, a Shakespeare, se nos ativermos à célebre frase de Macbeth sobre a vida ("uma história contada por um idiota, cheio de som e fúria, significando nada”): o afastamento de um líder errático e frágil e sua substituição por outro com o talento sintático e o gênio político de um Teletubbies; a espantosa audácia (deixemos de lado ações potencialmente criminosas) de uma baronesa muito poderosa; o desprezo pela saúde pública e pela natureza exibido por seus governos autônomos... Em todos os momentos, porém, eles garantiram que seu público permanecesse crédulo e receptivo ao efeito emocional.



A coalizão do Presidente do Governo da Espanha tem oferecido um trabalho que não é essencialmente ruim, com passagens quase geniais (direitos sociais e individuais, por exemplo) e momentos sombrios (Marrocos, para escolher um) daqueles que exaltam como não poderia deixar de ser, a fúria do público. Mas, ele se valeu completamente da alienação que compõem um repertório que devia combater como indicara Bertolt Brecht. Cada vez que um ator declamava no palco alguma frase como "este governo segue unido", outro se aproximava da plateia para sussurrar "cuidado, lembre-se que todos nós nos odiamos aqui"; em cada monólogo do protagonista brilhava uma mensagem subjacente (“você sabe que estou mentindo, mas estou fazendo certo?”); quando algo desanda significa que o todo fez besteira, o que incita o público a vaiar pelo menos um de seus membros (um, na experiência em questão).

Mas, isso não é a realidade? Ou é um teatro de sombras como disse certa vez nosso imortal José Murilo de Carvalho? O fato é que numa campanha eleitoral não se deveria exigir do público que suspenda a realidade, que esqueça o senso crítico, que participe da ilusão, que desfrute do jogo. Uma Frente Democrática e o público que a sustenta nunca pode se acostumar com a alienação.

Apesar do sistema de Victor d'Hondt e suas consequências na distribuição das cadeiras do legislativo, não importa se os Jacobinos vão às urnas unidos ou separados e que os girondinos interpretam melhor ou pior o papel de partidários coesos. Todos sabem o truque. Os atores já disseram muitas vezes para não confiar neles.

Recordemos duas coisas: que as eleições não podem se referir a um conjunto de ilusões coletivas sobre o futuro do que uma avaliação racional do passado recente, e que o pior resultado aconteceu com a Frente Ampla espanhola ocorrida nas eleições de 2000, quando o Partido Socialista Operário Espanhol e a Esquerda Unida correram juntos em uma coalizão forçada e implausível que, segundo todas as pesquisas a época, perderia por pouco ou perderia por milhões.

Por isso o resultado eleitoral das eleições municipais e regionais de 28 de maio não deixa dúvidas. Uma onda reacionária está chegando e a maioria da mídia espanhola está nadando na mesma direção como ficou claro ontem no Estádio Cornellà-El Prat, em Barcelona. Para tentar evitar o pior só somando numa Frente Democrática.

18 de junho de 2023


[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

SÉRIE ESTUDOS - CAIO PRADO JÚNIOR E SEU PARTIDO

Retrato do jovem Caio Prado Jr., [1926]
Arquivo IEB – USP, Fundo Caio Prado Jr., código de referência: CPJ-F11-07.

A Estreia de um Dissidente – 90 anos de Evolução Política do Brasil

Vagner Gomes de Souza

 

As celebrações do centenário do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no processo dos 200 anos da independência do Brasil no ano de 2022 ainda se faz necessária diante do necessário debate sobre a nossa interpretação de fundação político como Estado Nação. Distante daqueles que visam fazer da análise do passado como se fosse um “tribunal de inquisição”, entendemos que há uma continuidade/descontinuidade no processo político no quais modismos e oportunismos de ocasião que se arvoram como “nova” (?) historiografia não se cuidam mais em analisar.

O legado do pensador e historiador Caio Prado Júnior é um importante desafio para se perceber o embrião de uma política de Frente Democrática “avance temps”. O jovem bacharel paulista que já tinha uma militância desde a juventude no Partido Democrático (dissidência que fará parte da Aliança Liberal de Getúlio Vargas) e já tinha sido preso por gritar “Viva Getúlio!!!” diante do candidato oficial Júlio Prestes. Entretanto, sua desfiliação ao PD se torna pública em 1931 quando estava com 24 anos. Restaria ao jovem; só se dedicar a vida profissional na área do Direito - o qual se formou em 1928 - ou ser mais um intelectual semelhante aos seus familiares Eduardo Prado e Paulo Prado ou avançar na militância política com uma produção reflexiva.

Os estudos indicam que sua aproximação com o PCB se deu no ano de 1932 num momento em que essa agremiação partidária se caracterizava pelo “obreirismo”, ou seja, o núcleo dirigente valorizava de forma extremada as origens proletárias de seus quadros e com uma atitude desqualificadora dos filiados de origem intelectual como “contaminada” pelas posturas de pequeno-burguesia. Nessa época, dois intelectuais históricos do Partido havia se afastado dos órgãos de direção (Otávio Brandão e Astrojildo Pereira). Nadando contra essa corrente sectária e esquerdista, Caio Prado Júnior se filiou ao que seria um partido extremamente distante da análise da realidade da primeira fase da Era Vargas (1930 – 1934) apesar de ser um herdeiro da família Prado e estar num primeiro casamento com uma herdeira da família Penteado.

Há relatos que os familiares se afastaram dele por causa de sua filiação partidária. Enquanto que sua origem familiar vinculada a elite paulista sempre o colocou como uma “persona” estranha para o núcleo dirigente. Observemos que havia, de um lado, a pressão familiar e, por outro lado, os possíveis embates na luta política interna do partido ao qual irá ingressar sempre visto com cautela e desconfianças.  Sugerimos que Evolução Política do Brasil (1933) é um livro que marca a estreia de Caio Prado Júnior na produção intelectual brasileira, mas também pode ser inserido como um momento de debate interno do ator político o qual estaria filiado por mais de um ano. O livro, que pretendemos analisar em artigos vindouros, guardaria um papel de contribuir no entendimento da realidade nacional pela interpretação da História.

Diante das interpretações de que o marxismo teria se nacionalizado no Brasil pela obra de Caio Prado Júnior, a dinâmica provável estaria numa aproximação da metodologia da pesquisa de Friedrich Engels com as nuances de Lênin. Mas, ele foi um autor que muito buscou se basear em fontes e indicar interessantes citações de um pensamento social brasileiro pretérito. Portanto, um marxismo enraizado em interpretações que qualificariam seu debate até de forma programática.  

quinta-feira, 8 de junho de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 017 - DESAFIOS PARA UM PAÍS DE LEITORES

Machado, Nélida e o PIRLS

          Marcio Junior[1]

 

Certa vez, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, a saudosa escritora Nélida Piñon teceu o seguinte comentário: “O sistema educacional não estimula a leitura. Não podemos obrigar uma criança a ler Machado de Assis, é um equívoco. Não é necessário ler Machado de Assis a não ser quando você jura que está preparado. Machado de Assis não precisa de leitores, precisa de pessoas que vão amá-lo ao lê-lo. (...) é como amar bem, amar certo. Você vai errando e de repente você entende que domina um instrumento que é quase amoroso.” (Disponível em: https://youtu.be/o3rR0PzKtEI).

          Nélida, de quem tive o prazer de ser amigo, falava de algo que vai além do sentimento único de construir uma relação com um grande autor através de seus textos e personagens; ler bem demanda estudar, assim como estudar bem demanda ler, independente do que se estude. Assim, para que a leitura dê certo e o leitor absorva o conhecimento ali contido, ele precisa ter técnica e disposição que só é adquirida com treinamento. Afinal, não é por ser uma atividade que pode ser absolutamente apaixonante, cativante e enriquecedora que ela é desprovida de método.

          Nesse sentido, não podemos pensar a leitura em termos educacionais, onde os alunos estão aprendendo coletivamente nas escolas, sem levarmos em consideração que é necessário alguém que os ensine, objetivamente, como fazer isso. As crianças precisam não apenas saber ler as palavras, mas serem preparadas para atingir algo mais profundo e sofisticado. Vejamos, por exemplo, a leitura de um romance: mesmo que se possa ler uma frase, sua compreensão demanda domínio, inclusive, das figuras de linguagem, recurso semântico que faz parte dos conteúdos já do Ensino Fundamental e, evidentemente, elencado na arquitetura da BNCC. Uma das maiores belezas dos textos de Machado são as suas refinadas metáforas. Como amá-lo sem ter domínio deste recurso?

          Nesse ponto de vista, não estamos bem. A divulgação do resultado do Progress in Internacional Reading Literacy Study, o PIRLS (Estudo Internacional de Progresso em Leitura), nos mostrou. Trata-se de uma pesquisa quinquenal, nesta edição com 57 países participantes que avalia a compreensão de leitura dos alunos do 4º ano do Ensino Fundamental, a partir de amostra. Foi feita aqui sob coordenação do INEP em 2021, segundo ano da pandemia de COVID-19, sendo a nossa primeira participação, o que significa que não temos histórico dessa pesquisa no período anterior à pandemia.

          A medição de proficiência, feita nas línguas vernáculas de cada país (o tema é mais complexo, pois outras sociedades que constituem outros países podem utilizar mais de uma língua para ler, e essas línguas podem variar, inclusive, no espaço) resulta em uma escala de 1 a 1000, tendo o Brasil feito 419, valor considerado, em escala, de nível baixo. Dos 4.941 estudantes avaliados, 38% não conseguia reproduzir um pedaço de informação declarada no texto, ou seja, não dominava a leitura mais básica. Grande parte dos alunos está chegando no 4º ano do Ensino Fundamental sem o conhecimento de leitura que deveria ser adquirido antes, cuja deficiência compromete o conhecimento que podem ter ao longo da vida. 

           Assim, fica um pouco mais clara a tarefa de natureza republicana e democrática que temos pela frente. A perda de gerações de estudantes que a pandemia nos legou se soma à uma situação que já não era boa, e será necessário um esforço enorme para conter os danos que, mesmo com o retorno das crianças às escolas, podem continuar entre nós. Será que temos profissionais de educação, de professores a gestores, em número suficiente, capazes de compreender e responder a este problema de extrema complexidade? Exige trabalho em tempo integral, sem limitação aos muros das escolas e sem aumento de salário por isso. Há coisas que o dinheiro não compra, inclusive o gosto pela leitura e a compreensão ensinada de que ela é necessária para enfrentar a vida.

         



[1] - Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade.

segunda-feira, 5 de junho de 2023

TEXTOS DA JUVENTUDE - VAI NA FÉ PELA DEMOCRACIA


As Trombetas da Frente Democrática diante de Jericho

Por Giovana Freire – Sul do Rio de Janeiro

 

No decorrer dos últimos anos observamos uma “fratura exposta” no segmento religioso evangélico. Provavelmente, seria a visibilidade de diversos discursos de ódio vindouros de muitas denominações que se denominam cristãs quando aos meu ver nem deveriam entrar em um coliseu de ódio no âmbito político a menos que seja para defender suas convicções de doutrina de fé. Lamento que há falas totalmente sem nexo vindo de apoiadores do ex-presidente, causando pânico e repulsão a política em jovens em grande maioria no segmento protestante cristão.

Porém quando falamos em contextos políticos não fechado em apenas uma argumentação sólida, mas sim em uma pluralidade onde “todos, todas e todes” devem ter o mesmo direto de voz e liberdade de expressão.  Vivenciando um atual cenário onde tudo que não se atenda para “orientação política neoreligiosa” numa forma bem leiga designada por quem vos escreve. É considerado discurso de ódio preconceituoso e naturalizam ataques por não ser de alguém da mesma base política ou crédulo religioso que o seu. Na verdade, cresceu entre nosso espaço a mobilização de um discurso de antipolítica muito distante do legado de Martinho Lutero.

Onde as forças retrógradas alimenta um medo sobre uma esquerda como os “cavaleiros do inferno” ou até mesmo os “destruidores das famílias tradicionais conservadoras”. As forças liberais à esquerda vêm com um discurso de forma branda e tentando amenizar os próprios temores e medo de sofrer represálias pelos eleitores do outro lado, que por sua vez são mais eufóricos e “loucos” pelas suas ideias. Aparentemente parece que a cidade de Jericho está sob um cerco aguardando a invasão redentora. Todavia, estamos a sentir a necessidade de abrir caminhos dialógicos com a juventude que se inspire em Martin Luther King Jr.

Já há muito tempo observo minha juventude e irmãos de fé se afastando tanto dos contextos religiosos como dos políticos. Talvez como uma banalização do sistema onde houvesse uma postura autocrata. Sugestões seria que há uma extrema-direita opressora no qual afirma que os jovens, ainda mais os cristãos, devem se portar de maneira neutra, onde todos só têm o direito de falar quando é para defender esses prováveis 49,1% eleitores conservadores.

Nunca me senti totalmente representante por nenhum dos dois lados como uma boa “centrista” diriam alguns, mas por sua vez sinto-me representada numa religião. Tenho anseio por tempos melhores em nossa política nacional, de maneira clara e não opressora que venhamos poder exercer nosso direto de escolha sem um voto por imposição ou até mesmo por constrangimento também, medo imposto pela “anti-imprensa” que distribui Fakenews que só distância e enojam mais os jovens do âmbito político atual.

A juventude está avessa à prática da política Republicana e Democrática, pois os políticos ainda seriam observados como sem legitimidade. Por outro lado, de mãos atadas com medo de uma represália, os jovens que são pertencentes a certas denominações cristãs se calam e consentem, mesmo que direta ou indiretamente seja totalmente contra a forma com que é levada nossa política brasileira. Aonde o Presidente da nação só mereceria respeito se for “aquele que a minha religião elegeu”. Um perigo a se afastar pelo soar das trombetas. De fato, o acesso a verdadeira democracia marcada na carta constitucional de uma maneira totalmente clara nos indicam a importância de nossa pluralidade.

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 016 - A GERINGONÇA DE GUIZOT


 Pintura de Victor Meirelles

A geringonça abrasileirada

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

No Museu Victor Meirelles, em Florianópolis existe uma de suas pinturas muito impressionante que leva o nome A jangada da Medusa. É sem dúvida um estudo da obra-prima inspirada em um naufrágio que comoveu a França no início da Restauração Francesa, que Pierre Rosanvallon apresentou em O momento Guizot.

Foi pintada por Victor Meirelles entre 1857 e 1858 e deriva da tela de 1818 e 1819 de Théodore Géricault, pintor fundamental do romantismo francês.

Em 2 de julho de 1816, a fragata francesa Medusa encalhou e como o número de botes salva-vidas era bem menor que a tripulação (como se daria anos depois com o Titanic), os que não conseguiram ocupar os botes construíram uma grande jangada para se salvar. Após 13 dias de medo e miséria, dos 147 que ocupavam a jangada, apenas 13 sobreviveram, a grande maioria pereceu por descaso e irresponsabilidade.

A aprovação do Projeto de Lei de Conversão Nº 12 na passagem do dia 31 de maio para o 1º de junho, onde foi estabelecida a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, não tem, evidentemente, o drama e a irreversibilidade desse trágico naufrágio.

Muitos democratas não gostaram do resultado porque o considerou distante de certo equilíbrio de forças que teria facilitado o diálogo e o debate visando fortalecer e conformar os princípios pactuados como espinha dorsal da nova administração, de modo a obter uma lei capaz de ser ao mesmo tempo democrática, social, moderna e protetora dos direitos e deveres da república.

Seria um erro, porém, pensar que o resultado daquela aprovação, realizada de forma legítima, coloca o Brasil no quadro de Victor Meirelles, em situação de extremo perigo para a convivência democrática.

Felizmente, o tom tanto do governo da Frente Democrática quanto dos chefes dos partidos do Centrão responsáveis por essa aprovação em suas intervenções após o resultado não teve um caráter apocalíptico e disruptivo quando se referiam ao futuro.

O esforço para continuarmos no esforço para chegar a um acordo razoável sobre a questão governamental e não deve parar por aí e ao projetarmos o que aconteceu devemos vê-lo como uma oportunidade da formulação abrasileirada da "geringonça" que concedeu a Chico Buarque o Prêmio Camões.



Isso requer uma disposição positiva e muito determinada tanto dos envolvidos diretamente que tiveram forte apoio quanto dos que tiveram uma participação indireta, que deve ser expressa na vontade de produzir acordos.

Isso implica a necessidade de os partidos governantes modificarem realisticamente suas aspirações prioritárias na atual correlação de forças. Para isso, o governo deve abandonar sua ambivalência e ambiguidades e jogar a cartada social-democrata e gradual com coragem e, sobretudo com convicção, mesmo quando isso significar fortes tensões com os setores mais obtusos de seus partidários.

A direita tradicional, cujo eleitorado marcou sua posição após a derrota da sua vertigem da tentação radical, embora soe contraintuitivo, deve confirmar uma identidade moderada e não apostar na radicalização, praticando assim uma racionalidade que tira lições do que aconteceram noutras partes do mundo. É claro que o ambiente político negativo que o país viveu acelerou todos os processos em curso.

O desânimo e desconfiança com a política se refletiu como, também, felizmente, afastou os organizadores da antipolítica. É bem verdade também não ter havido tempo para quem, de posições reformistas progressistas, levantasse a necessidade de reformular naquele espaço uma forte vontade de existir em dialogo, sem o qual não tem como dar bons frutos.

Esta última permite uma dupla interpretação, a de quem pensa que é um novo início da centro-esquerda e outra, ainda mais importante, que faz parte do corajoso início de um longo caminho junto com as novas expressões políticas do Centrão para construir esse espaço de reforma que o Brasil tanto precisa.

Naturalmente, em certa esquerda, florescerá o eterno pensamento de que quanto pior as coisas, mais próximo chegará o momento mágico da revolução, o fogo purificador que nos levará a nos submetermos aos seus sonhos, que até hoje, historicamente, sempre terminaram em insuportáveis pesadelos.

Parece que aqueles de nós que passamos anos dizendo, contra todas as probabilidades, que o prudente avanço com o qual construímos a democracia depois da ditadura, com todos os seus limites, não só era a trajetória acertada e é o melhor caminho a seguir. Os rumos em busca ao desejo da perfeição democrática, embora nunca perfeita, dá-se por passos mais sólidos que longos.

Como esse caminho foi perdido 4 anos atrás, há poucas notícias boas e muitas notícias ruins. No final, depois de empurrar tanto o país para a direita, acabou por aparecer uma extrema direita obscura de semblante internacional. Entretanto, isso criou um descontentamento generalizado com os rumos do país, com uma sinalização Duas-Caras, onde ao lado dos que supostamente constroem operam os que destroem que abarrotam o seu próprio governo de reivindicações insatisfatórias e caminhos de desenvolvimento marcados por uma confusa doutrina de quem abunda em emoções e slogans e falta de pensamento.

A mudança de rumo de 2023 não significa abrir mão do horizonte de uma sociedade mais justa, significa fazê-lo com base em amplos acordos. Mas acima de tudo, tendo como prioridade as necessidades da geringonça abrasileirada advinda da Frente Democrática.

Em primeiro lugar, recuperar o que perdemos a segurança dos cidadãos, a paz social, uma convivência ordeira, diga-se de passagem, democrática e baseada em direitos e deveres. Todo o esforço deve ser dedicado a isso, não pode haver Democracia se não houver Estado, se não houver regras e se não for aplicada a força quando for necessário para fazê-las cumprir, no norte, centro e sul do país.

Educação e saúde de qualidade e provisão, trabalho e pensões dignas. A democracia para viver e se desenvolver exige convicção em seus princípios, mas também resultados concretos e estes precisam estar funcionando. Não há outra maneira de reconstruir a confiança. Chega de dar espaços prioritários a besteiras que só respondem a devaneios tribais. Ou nossa democracia é capaz de ser justa e eficiente ou corre o risco de se desgastar, esvaziar-se e definhar.

 

4 de junho de 2023


[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.