quinta-feira, 19 de maio de 2011

VOTO - AMÉRICA LATINA


A dialética sem síntese peruana

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
 O Premio Nobel de Literatura de 2010 deu sua opinião sobre resultado do primeiro turno das eleições presidenciais no Peru, disputado em 10 de abril. Para o escritor peruano Mario Vargas Llosa o segundo turno, que ocorrerá em 5 de junho, “a escolha será entre o câncer e a AIDS”.
Exageros de rompante não são boas bússolas para o voto pois hoje ao declarar seu apoio a Ollanta Humala não sabemos para qual das patologias anteriormente evocadas por ele para caracterizar as candidaturas que se enfrentam se optou.
Seja qual for, o que importa agora é lidar com duas candidaturas que têm biografias políticas controversas. Ollanta Humala, que obteve 31,69% dos votos, é um ex-oficial do Exército que em 2000 liderou um, ainda não estudado, levante militar contra Alberto Fujimori. Seu irmão Antauro Humala, hoje preso, foi protagonista de outro evento similar, cinco anos mais tarde. Em 2006, Ollanta Humala também vencera o 1º turno das eleições presidenciais e perdeu o 2º por margem pequena para Allan Garcia. Keiko Fujimori, com 23,55% dos votos no primeiro turno, é filha de Alberto Fujimori. Na presidência, entre 1990 e 2000, seu pai ganhou fama por supostamente estabilizar a economia e derrotar o Sendero Luminoso, mas também por não observar o estado democrático de direito, desrespeitar os direitos humanos, corromper e se deixar corromper. Hoje está na cadeia, para cumprir uma sentença de 25 anos. A única hipótese, que já se aventou, do não cumprimento da pena é dele ser indultado por Keiko, se eleita presidenta.
Desta forma, o que cabe é entender os resultados do primeiro turno das eleições peruanas. Produtor de commodities, em especial minérios, com as contas públicas enxutas (com todas as conseqüências que isso implica e que vamos expor) e um ambiente de negócios favorável aos investimentos dos gamonales (para usarmos uma expressão do ensaísta peruano José Carlos Mariátegui, em sentido lato) e dos estrangeiros, essas classes tem-se beneficiado grandemente do apetite insaciável da China por esses produtos.
Daí ser relativamente simples explicar o porque do eleitorado peruano, que vendo uma economia com crescimento “exuberante”, dê a maioria dos votos a candidatos que representam sinais não idênticos de insatisfação.
Primeiro, é preciso lembrar que até recentemente, apesar do surto repentino de crescimento econômico, o Peru apenas havia recuperado a riqueza perdida dos gamonales e dos estrangeiros no período do grande declínio econômico, entre 1979 e 1993, ou seja: em 2005 a renda per capita peruana ainda era menor do que a verificada no início daquele período.
Segundo, os benefícios do crescimento recente não são distribuídos. Exemplo: na região serrana, a pobreza se manteve e em níveis superiores a 60% da população. Não por acaso, foi nelas que Ollanta Humala colheu as suas votações mais expressivas, embora tenha sido bem votado também nos bairros populares da periferia de Lima e neles só perdendo para Keiko Fujimori.
A dificuldade de distribuir os frutos do crescimento tem várias causas. De um lado está a estrutura da economia, que em nada mudou, a despeito do crescimento. Dito de outra maneira: inexiste a possibilidade de se pensar em justiça distributiva na realidade peruana.
A isso se soma a debilidade do Estado peruano, que segue como comitê executivo dos gamonales e dos estrangeiros. Pior ainda: com uma política restritiva frente aos gastos públicos (8% do PIB, no quase findo governo Allan Garcia, conforme o Panorama Social da América Latina de 2010, produzido pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe - CEPAL) e junte a isso uma carga tributária irrisória (menos de 20% do PIB).
A análise da realidade peruana, para voltarmos a falar com Mariátegui, explica tudo. Vejamos esse diagnostico associado ao desempenho dos candidatos. Sob esse aspecto decisivo, Ollanta Humala sobressaiu-se. De um lado, dissociou-se de Chávez e associou-se a Lula, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Fórum São Paulo. Apresentou-se como candidato do diálogo político e da pacificação social. Não se espantem pois o slogan é esse mesmo: “Humala paz e amor”. Faz juras à liberdade de imprensa e ao dispositivo da Constituição que proíbe a recandidatura presidencial.
De outro, crítico do status quo, conseguiu expor o caráter social e geograficamente excludente da política econômica - à luz de uma “nova agenda”, voltada para os mais jovens e o futuro, com ênfase em temas como educação, democratização da internet, inovação e criação de empregos. Seguindo o exemplo brasileiro contemporâneo, para falarmos com Caio Prado Jr., adotou a retórica americanista, tal como hoje se escuta com Dilma e Cristina Kirchner.
Em que pese o provável sucesso eleitoral, a fórmula encontrada é cheia de zonas cinzentas e ambigüidades. Tal como aconteceu e acontece no Brasil, Ollanta Humala não tem programa político. A retórica vazia das ideologias cheias de devaneios é a demonstração cabal da dialética sem síntese peruana.
Daí nada se coadunar com os ideais das promessas da democracia. E, quiçá, se alguma idéia oriunda da usina intelectual deste país, talvez essa a de peruanicemos al Perú, siga sendo a que melhor possibilite sua reinserção no mundo, também globalizado, do século XXI.

Rio de Janeiro, 12 de maio de 2011


[1] Ricardo José de Azevedo Marinho é professor de História, Sociologia e Filosofia da UNIGRANRIO.