quarta-feira, 29 de julho de 2020

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DO CIDADÃO CARIOCA - 2

Delírio do Carioca

Por João Sem Regras

 

Peço licença ao leitor para relatar um delírio que me passou antes de deixar essa vida terrena. Sei que não sou o primeiro a relatar tamanha façanha. Brás Cubas foi o pioneiro a contribuir aos curiosos da ciência. Todavia, meu delírio acompanha os sinais de desencarnação da minha cidade (Rio de Janeiro). Se você não é forte o suficiente para ler estórias de terror, saiba que lerá nas próximas linhas a mais pura narração de fenômenos mentais que se encaixam com as perdas da economia carioca. Mas espero que a sua curiosidade lhe faça ler para, quem sabe mudar aquilo que está adoecendo a sociedade carioca. Tudo se passou em minha cabeça em minutos, mas eu pude ver os anos “correrem” em minha frente.

Na figura de um escravo de ganho a mendigar na frente de uma Igreja do século XIX fui ganhando forma para encarar uma cidade de negros invisíveis para um conjunto de serviços públicos. As moradias estão desorganizadas há tempos desde muitos séculos e a cidade é um tabuleiro para os interesses imobiliários. Foi o que ouvi no meio de meus delírios quando a voz de uma rainha Jinga assumia a fisionomia de uma arquiteta que cheguei a ver na TV, mas esqueci de seu nome, pois a música do vizinho atrapalhou que eu melhor compreendesse como se chamava. Um vizinho confinado coloca Benito di Paula para atrapalhar eu ouvir aquela mulher.

Logo depois foi o momento de entrar numa trilha temporal que pensei que me levaria aos tempos da fundação de Estácio de Sá. Porém, fui parar no meio de uma viagem para um tempo mais recente. Nas ruas estudantes andavam para pedir ao Prefeito o passe livre nos ônibus para que todos pudessem ir estudar. A educação estava numa Greve de meses, pois não havia pagamento dos salários. Era a falência do Rio de Janeiro numa gestão de um Engenheiro nacionalista que chegou a ser Senador. Pensava que ali seria o momento em que a cidade se danou de vez. Na verdade, foi o ponto de partida para uma sequencia de gestões que primaram pelo ajuste financeiro das contas públicas. Uma ratazana passa em meus pés e pode se fazer ouvir.

- Esse não é ainda o momento da morte da cidadania carioca.

Insinuei que poderia ter sido coisa do “chaguismo” que sempre foi o “boi de piranha” na apresentação da política clientelista. Ou seriam outros “ismos” que povoam a cultura política carioca. Muito, melhor foi fechar meus olhos e deixar que o tempo brincasse em minha mente nas aparições de Carlos Lacerda, Negrão de Lima, José Frejat, Marcelo Alencar e tantos outros que ainda estão vivos por aí. Sinceramente, o Rio de Janeiro sempre foi mais uma “Babilônia” que o Éden. Contudo, poderíamos ver até a tenda de Abraão onde hoje fica uma Catedral de uma igreja evangélica na Avenida Dom Hélder Câmara. E os “cavalos corredores” chacinaram os indefesos ao lado da Igreja da Candelária. As mães de Acari e sua dor. Enchentes e desabamentos. Tamanha dor para se relatar e que relembrar me fez perder o fôlego mesmo não podendo mais respirar. Quem respira nas linhas do BRT? Quem respira no interior dos trens da SUPERVIA? Que situação se vive nas linhas de metrô? Todos dias os trabalhadores clamam: “Não consigo mais respirar.”

Caiu se na minha frente a imagem do caos. Um momento tenebroso que se abriu há poucos anos quando os cariocas achavam que podiam deixar qualquer “aventureiro” chegar a governança municipal. Abriu-se uma Bíblia como se fosse a “Caixa de Pandora” e a experiência de laboratório de 2016 expôs o quanto estamos prisioneiros de uma entidade que alimenta universos paralelos e se aliam as “forças ocultas” que se vincularam a diversos empreendimentos. Desabam os prédios da Muzema diante de meus olhos. Desejava ser apenas um pesadelo como outros, mas estava a compreender que a cidadania carioca estava sem viver. A ratazana interviu outra vez.

- Não te assustes com aquilo que consumado está. Viva na busca de uma saída.

- Viver? – perguntei eu, estava claro a quem derrotar.

Diante de minha interrogação as imagens se misturaram num mosaico de forças políticas sem a “grandeza política” de fazer um programa de unidade. Tudo fragmentos para fragmentos realimentar. Como viver politicamente assim? Imagina tu leitor como é doloroso ver toda uma cidade morrer como fonte de dinâmica social, pois os interesses de uma “casta” se impôs na vida pública. Controla as vias públicas em muitas comunidades. Negocia a vida e faz da informalidade um viés que alimenta um baixo clero da política carioca. Pudera eu ser um italiano daquela grande ilha. Isso mesmo um siciliano comprometido com o bem comum. Mas estou nesse turbilhão olhando para o turbilhão de vocês. Os olhos do delírio ensinam a fazer a grande política para qualquer disputa eleitoral. Um relâmpago cortou esse meu delírio. A minha atenção era para que pudesse deixar algum sinal para os que ainda caminham sob essa terra nas garras de um bloco eleitoral reacionário. Encaro a realidade que se aproxima e alerto para que haja um buraco da agulha em que as alianças precisam atravessar. Ou a colheita do mal se confirmará em 2022.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 11


Uma Receita para o Bolo
Por Vagner Gomes de Souza 

A vida só é possível
reinventada.

Cecília Meireles


Uma análise política poderia surgir de um simples bate papo com um confeiteiro. Não se surpreendam pois Lênin falava dos cozinheiros em O Estado e a Revolução (agosto de 1917) com outros objetivos. Digamos que estaríamos a pensar a partir de uma provocação feita pelo Professor Luiz Werneck Vianna no artigo “Falta uma Geringonça à Brasileira” na Revista Eletrônica Insight Inteligência (link para consulta https://insightinteligencia.com.br/falta-uma-geringonca-a-brasileira/ ). Adiantemo-nos em dizer que numa análise de conjuntura não há “receita de bolo”, mas mencionaremos alguns ingredientes políticos e possíveis atores importantes na formação de uma consequente frente democrática contra esse já mencionado na crônica werneckiana fascismo tabajara.

Vivemos um momento de muitos jovens que estão “sufocados” pela percepção de que a “Pandemia” representa a possibilidade do cancelamento de sua existência social no futuro próximo. A política se vinga contra os cartazes do “ninguém me representa” uma vez que somente a representação política cria canais de dialogo na sociedade para enfrentar essa grave crise. Pensemos numa juventude em que a desigualdade nos estudos se aprofundou nesse momento e estamos sob a ameaça da precarização dos empregos com os atalhos ultraliberais na proposta da “Carteira Verde e Amarela”. Contudo, falta o bom exercício da memória na política para perceber, repetindo o nosso mestre das Ciências Sociais, que nada que é ruim dura para sempre. Contudo, podem durar muitos anos faltou ele alertar para que as sábias ações do mundo real motivem as decisões políticas do campo democrático.

Nossa vida só não está um maior pandemônio graças ao pacto político celebrado na Constituição de 1988. Não é uma simples referência uma vez que é o Sistema Unificado de Saúde (SUS) que tem impedido uma onda muito maior de óbitos nas grandes cidades. A força da autonomia dos Três Poderes se impôs com um Congresso Nacional (com uma de suas representações mais fracas da história recente da República) buscando saídas e um STF atento a garantia da Democracia. Eis que essa fronteira inibiu as forças políticas que desejam refundar nosso país sob a marca do ultraliberalismo de viés americano.

Essa refundação impõe muitos sacrifícios às camadas populares uma vez que a capacidade de mobilização dos trabalhadores está a muito tempo reduzida por inúmeros fatores. Por outro lado, muitos sujeitos políticos levantam bandeiras fragmentárias num eterno mosaico das ruas de 2013. As ruas ainda não assumiram os corredores das instituições políticas e isso se faz ainda pelos atores políticos questionados há quase uma década. Portanto, é tempo de “reinvenção” das antigas receitas que nos fizeram sair de duas ditaduras (1930 – 1945 e 1964 – 1985) nessa trajetória de modernização conservadora no Brasil.

Não se fez uma leitura da “modernização sem moderno” (outra vez, Werneck Vianna) que nos trouxe a essa situação. Todavia, muito sabemos o quanto a ausência de um “centro político” forte está colocando a esquerda num gueto eleitoral no qual não terá condições de sair. Na verdade o “emedebismo” foi um movimento muito maior que uma interpretação que o associe ao “presidencialismo de coalização”. Trata-se de uma vértebra da articulação política da possível relação entre a democracia de massa e a democracia representativa.

Então, comecemos essa receita assumindo que um pouco de MDB não faz mal a ninguém ainda mais nesses tempos em que a proteína é vital para produção de anticorpos ao autoritarismo. A necessidade da disciplina parlamentar de um DEM é muito importante. Além disso, o PSDB de seus “pais fundadores” fez emergir muitos quadros intelectuais espalhados em muitas outras agremiações (PDT, REDE, CIDADANIA, PSB, etc.). De fato, falta essa convocatória ao espírito de democrático nacional que Ciro Gomes mobiliza e se percebe no PCdoB “raiz”. Por fim, a base social do PT é muito coesa e não se pode estar isolada seja chic ou de forma brega dessa “Geringonça”. Mas, ainda falta a sensibilidade de um Chef Gourmet na política brasileira para que toquemos essa “jangada de pedra”.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DO CIDADÃO CARIOCA

 
 
Velório de Machado de Assis
 
Memórias Póstumas do Cidadão Carioca
(Quase ficção e Quase Análise de Conjuntura)
Por João Sem Regras 
Esse é um ensaio que dedico ao “bolsominion” que primeiro celebrou sobre as frias carnes do cadáver do jeito de ser do carioca. Uma saudosa lembrança para aquele que poderia me acusar de ser um plagiador de um escritor do século XIX e muito citado pelos ativistas do movimento negro. Não serei eu um rebelde as tentações de assumir os diversos modismos, porém eis que estou no lugar de fala de um defunto diferente daquele servidor público de Salvador que ao beber da água berrou.
Não tive tempo de ler as considerações de Silvio Almeida sobre meu inacabado estudos sobre Guerreiro Ramos, pois tinha que me dirigi ao fiel leitor dessa jornada que confesso haver escrito essa quase análise de conjuntura como quase ficção uma vez que a política carioca vive (ou estaria morta!?!) sem a reinvenção. Não tenho ilusão em ser lido por mais de 100 leitores. Nem ficarei em lágrimas por ter cinquenta, e quando muito, cinco. Cinco? Simplesmente cinco delirantes leitores “encaixotados” aos sábados em imagens desse aplicativo chamado Zoom.
Tratemos de perceber que a reinvenção da política democrática no Rio de Janeiro se distancia em muito da construção coerente de uma unidade. Não que sejamos iludidos por acordos de “cotovelo” diante dessa pandemia que mata minha cidade aos poucos. A “carioquice” está adoecida por esses insanos contágios com esses germes mercadológicos que redesenharam e aprofundaram a desigualdade sutil nesse cenário que a tampa desse caixão agora me impede ver.
Contudo, eu ainda espero conquistar as simpatias dos formuladores de opinião do campo democrático carioca (ainda existiria isso!?!) evitando mencionar nomes de pré-candidaturas para o próximo mandato a Prefeitura local. O melhor remédio na análise seria não apontar o melhor nome, mas sim chamar a atenção que faltam quadros dispostos a formular melhores saídas políticas com inclusão social nesse pandemônio que está a cidade com banhistas de praia fazendo Henry David Thoreau soltar sorrisos onde estou.
Aprendi com o ilustre escritor que nasceu no Morro do Livramento que é melhor não explicar o processo extraordinário com quais essas linhas estão a serem lidas. Seria curioso, porém não atingiria o objetivo que é alertar para o fantasma que ronda as eleições cariocas que seria a “volta da antipolítica”. Ela coloca essa máscara hegeliana para se prevenir do debate das coisas reais que os números do COVID19 soterram os números orçamentários para a próxima gestão. A cidade adoecida em sua vocação cultural e turística enfrenta inúmeros desafios que não podem ser apenas solucionados por um apertar de botão da “máquina weberiana”.
A “máquina weberiana” é muito bem vinda nessa racionalização do modo de ser carioca. Entretanto, sugerimos que os “apertos” continuarão por muito tempo se a cada “aperto de botão” não seguir um diálogo com a sociedade para que tenha dimensão das dificuldades e dos limites. Essa cidade que sempre amei não está precisando só de uma liderança, mas também está refém de um empobrecimento nas articulações da política. E sem a grande política o “vírus da antipolítica” surpreende qualquer piloto num avião em meio às turbulências.
Exercitei meu inglês para conversar com o John Maynard Keynes sobre os desafios das comunidades da periferia carioca. Sendo um Lord inglês, ele muito falou da antiga fábrica têxtil de Bangu e dos desafios de um crescimento econômico numa cidade de serviços aglomerada em diversificadas iniciativas de transportes urbanos questionados. Há vida política (essa é a palavra) no mundo do além. Estou temendo que a política carioca não expresse mais sua vitalidade que precisa se fazer pelos articuladores do mundo partidário e alimentando o associativismo. Um desafio para os quadros que estariam na “jaula de ferro” do sectarismo ou do ultraliberalismo.
Fazer a unidade do campo democrático em si tudo é um desafio. Se te agradar: corajoso e fiel leitor espera que tenhamos boas novas nos próximos dias. Se não te sensibilizou, espero tenha a certeza que não lhe cobrarei pelos erros que muitos estão a repetir com um mosaico de nomes sem dizer como é difícil aceitar ser apenas um Cidadão Carioca. Portanto, cuidado!