quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 25


 Senadores Getúlio Vargas  e Luiz Carlos Prestes  num comício (1947)

Olhai o “chuchu” no campo

Por Vagner Gomes de Souza

 

A história da reconciliação está muito próxima aos princípios do cristianismo anunciados no “Sermão da Montanha” nos quais muitos atribuem o título “Olhai os Lírios do Campo”. Nos anos 30, Érico Veríssimo escreveu um livro em que Olhai os Lírios do Campo atribui ao personagem Eugênio a tensão entre a ambição e a consciência de uma aliança social. A ascensão das camadas sociais deveriam ter “atalhos” numa década posterior a crise de 1929 ou bem aventurados seriam os pobres na Era Vargas.

O Estado Novo (1930 – 1945) foi um período de construção de uma nacionalidade pela via de um programa que se distanciou da possibilidade democrática após 1937 com apoio da grande oficialidade das FFAA (Forças Armadas). Esse eixo programático constitui está no subconsciente da sociedade brasileira na sua formação como Nação. Getúlio Vargas foi, e continua sendo, um personagem controverso em nossa História pelas nuances das alianças de cunho político e social que se fez na garantia, para mencionar um famoso exemplo, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que certa vez foi confundida metaforicamente como o Ato Institucional 5 da Ditadura Militar (1964-1985).

A volta de Getúlio Vargas a presidência da República na vitória eleitoral de 1950 poderia ser atribuída a uma busca de reconciliação nacional que analistas políticos se deixam levar pelo desfecho da tragédia do suicídio. Todavia o programa de um grande salto na economia pela via da industrialização é uma lição quanto ao debate programático nas campanhas eleitorais. Nesse momento as contradições entre as classes dominantes e subalternas foram eclipsadas pelo nacional e pelo popular. A democracia foi deixar de ser uma figuração como programa justamente pelas mãos dos comunistas do PCB, mas somente após 1958.

Isso exposto nos demonstra o quanto as linhas de nossa história política não se fez por linhas retas ou curvas. Nossa vida política está com inúmeros exemplos de ir e vir numa constante ziguezaguear o qual demonstra que ser prisioneiro de narrativas fará de muitos ativistas/militantes mais um           “negacionista” da natureza da Frente Democrática. A ideia de Frente não se aplica aos limites de uma disputa eleitoral, mas se constitui a partir da avaliação de uma conjuntura política. Há diversas naturezas frentistas (Única, Popular, Ampla, de Escquerda, Conservadora, Democrática, etc.) que ganham força na sociedade pela sua base programática.

Uma vez que a face política de uma Frente nasce de um debate de um programa político, as possíveis confusões de nivelações políticas seriam superadas até nas negociações dos atores políticos. Por exemplo, em Política, um diálogo amplo com inúmeros atores políticos não significa ser a realização de uma “Frente Ampla”. O debate “frentista” sem conteúdo programático é apenas uma “sopa de letrinhas” que recai na americanização das disputas eleitorais com cálculos de ganhos ou perdas de votos. Programa e sociedade em segundo plano o que coloca também a Democracia em perigo por mais que se derrote só eleitoralmente um candidato claramente autoritário nas urnas. Uma vitória de uma Frente Política precisa ser uma nova fase no processo político de um país.

Portanto, todos os nomes do campo democrático seriam bem vindos numa Frente Democrática com vistas as Eleições Presidenciais/Parlamentares e Regionais de 2022 no Brasil. A ideia de “Campo Democrático” necessita ter uma fundamentação programática a partir do que se inscreve na Constituição de 1988, o que não implica em simplesmente defender atos revogatórios de Emendas Constitucionais já debatidas e aprovadas. Democratizar não se faz sem exposições de justificativas políticas muito bem fundamentadas. Essa seria o melhor entendimento para que o “Campo” pudesse ter um pouco de “Chuchu”. A “invenção” na política brasileira é uma qualidade que alguns atores políticos souberam conduzir, mas sempre com uma linha programática. Caso contrário a política brasileira continuará na perigosa trilha da negação da política (diálogo/conciliação/reconciliação) que é o antiprograma desse Governo sem gestão.


sábado, 13 de novembro de 2021

POLÊMICA - NICARÁGUA NA COVA DOS LEÕES

O Sorriso do Jaguar

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Em julho de 1986 Salman Rushdie, atendendo a um convite, viaja para Manágua (capital da Nicarágua). Várias semanas depois da viagem, ele ficou tão afetado pelo que vira que não conseguia parar de pensar e de falar sobre a Nicarágua. Como literato a forma de lidar com essa sensação era escrever. E assim nasceu O Sorriso do Jaguar: uma Viagem pela Nicarágua (Editora Guanabara) publicado em 1987.

Para Salman, os melhores momentos ocorreram ao ser entrevistado por Bianca Jagger, uma nicaraguense, para a revista “Interview”. Toda vez que ele se referia a um nicaraguense conhecido, de esquerda ou de direita, Bianca comentava, vagamente, em tom neutro: “Ah, sim, a gente namorou, faz tempo”. Essa era a verdade a respeito da Nicarágua. Era um país pequeno, com uma classe dominante minúscula. Os combatentes, dos dois lados, tinham todos frequentado a escola juntos, eram membros daquela classe dominante e um conhecia a família do outro, ou até, quanto aos Chamorro, vinham da mesma família; e todos tinham namorado uns com os outros. A versão de Bianca dos eventos, não escrita, seria mais interessante (e, com certeza, mais picante) do que a dele.

Por ocasião do lançamento do livro nos Estados Unidos da América, um apresentador de um programa de entrevistas, a quem desagradara sua oposição ao bloqueio contra a Nicarágua e ao apoio de Reagan aos “contras”, que tentavam derrubar o governo sandinista, perguntou-lhe: “Senhor Rushdie, até que ponto o senhor é um inocente comunista útil?”. Com uma gargalhada — o programa era ao vivo —, Salman aborreceu o apresentador mais do que com qualquer outra resposta que tivesse dado. Mas aqui começa o espinhoso problema da definição de crimes e presos políticos.

Na grande maioria dos países onde houve, há ou haverá presos políticos, existem leis que criminalizam certos atos políticos. No México existe, em Cuba idem, e as normas hoje vigentes na Nicarágua punem qualquer conexão com financiamento externo a organizações não governamentais (ONGs), um crime tipificado na lei desse país.

Se voltarmos às ditaduras na Ibero-América nos anos 1970 e 1980 ou às leis — incluindo as de Nuremberg — da Alemanha nazista, veremos que o problema não é o fato de um comportamento político violar a lei ou não, porque as ditaduras tendem a ter leis que proíbem certas atividades políticas, principalmente aquelas que buscam acabar com a ditadura.

Portanto, não é apenas o crime em si que define o caráter do preso político. Um preso também pode pertencer a esta categoria se violou uma lei perfeitamente formulada e/ou cometeu um ato contrário a uma ditadura sem violar nenhuma lei, como aconteceu várias vezes na História. Em outras palavras: a definição de “preso político” é sempre movediça, pois, de acordo com o regime, amplia-se seu entendimento para incluir outras tipificações, quiçá várias, “ad infinitum”.

Nesse sentido, até a imprensa nicaraguense foi, é e será presa politicamente, além de pré-candidatos, estudantes, dirigentes rurais e defensores dos direitos humanos. Tanto ela quanto outros atores podem ou não ter cometido crimes. E aí surge o problema do Poder Judiciário e do devido processo legal com condenações e absolvições. Mas não se pode responder às acusações em liberdade?

Aqui no Brasil se usou de tudo para prender os mandatários eleitos no período 1945-1950, bem como outras pessoas, a despeito da autoridade ter ou não a certeza (outro terreno de difícil sondagem, o que versa sobre a formação da convicção) de que cometeram os crimes de que eram acusadas. Em vez disso, trata-se de razões, motivações e impulsos políticos por parte dos governantes. É por isso que a experiência das eleições nicaraguenses em curso é especialmente escandalosa.

O fato de os juízes terem negado mais de uma vez as fianças da oposição nicaraguense mostra claramente a intenção política de suas prisões, bem como a impossibilidade de estes atos serem corrigidos antes de existirem condições políticas — não jurídicas — para uma retificação. Por isso é que, apesar das ilusões e dos equívocos de certos entusiastas e suas notas sobre o processo eleitoral nicaraguense, está claro que os aspectos jurídicos que o envolvem são praticamente irrelevantes.

O estranho é que um governo desse tipo recorra a tais práticas depois de ter visto o que aconteceu no seu passado. Poucos países na Ibero-América têm um histórico tão longo — a contar do período colonial — de presos políticos. Mas onde manda o capitão não manda o marinheiro. Esta é a Nicarágua de Daniel Ortega: idêntica ou pelo menos semelhante à Nicarágua da grande maioria dos governos daquele país bicentenário.

 

Rio de Janeiro, 11 de novembro de 2021



[1] Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

domingo, 7 de novembro de 2021

BOLETIM ROMA CONECTION/NÚMERO 10 - QUE FAZER COM A EDUCAÇÃO?

Anísio Teixeira


Apagão Educacional

 

Tiago Martins Simões[1]

 

Apesar de decorrido já algum tempo desde o início da pandemia, ainda há que se falar abertamente sobre a crise educacional. Não é uma crise exclusiva da pandemia porque esta é mais ampla e porque existe um tanto de mau caratismo em creditar a ela boa parte dos problemas atuais. De toda forma, ela agrava o problema e cria tantos outros.

Existe algo de muito nítido que a pandemia revelou, ao menos à maioria dos educadores e estudantes: o ensino remoto não é e não funciona, nem de perto, como substitutivo ao presencial (não devemos jamais cair no equívoco de aproximar essa situação ao conceito de ensino híbrido; são coisas completamente distintas). Quando muito, ajuda a potencializar uma educação que acontece dentro de algum espaço onde as alunas e alunos se encontram, quando estes possuem recursos físicos (internet e computador com definições mínimas) e humanos (alguém com tempo e formação mínima), o que não é a realidade da maioria dos estudantes brasileiros. Este é um problema que a pandemia colocou porque, com isso, ela estancou o processo educacional de milhões de crianças, jovens e adultos.

Outro ponto importante é que a(s) crise(s) possuem efeitos distintos, a depender da região, faixa etária, sistema de ensino, dentre tantos outros fatores. Precisamos resistir e não realizar generalizações sem discutir aspectos regionais e circunstanciais. Ainda não temos um diagnóstico bem definido na política; pelo contrário, existem nuvens de fumaça, quando não há miopia. Mais grave ainda é o fato disso acontecer no nível da gestão educacional.



 Um jovem russo em 1887

A começar pela condução do Conselho Nacional de Educação e do Ministério da Educação, que voltaram suas energias para salvar os anos letivos, criando continuidades entre os anos de 2020 e 2021. Suas resoluções e pareceres[2] mencionaram constantemente a avaliação da aprendizagem das alunas e alunos como critérios norteadores das subsequentes políticas. Pois bem, as políticas educacionais estão à deriva, tocando o barco para cumprir a legalidade do currículo, seja em dias ou horas letivas.

Além do problema das matrículas (democratização do acesso), Anísio Teixeira apontava já em 1952, pela ocasião de sua posse no INEP[3], a inadequação da educação pública básica e superior às necessidades do país à época. Pauta importante e tão cara quanto outras a personagens progressistas, que fora colocada por ele ao lado de temas estruturantes como o da reforma agrária. Naquela época já se falava na importância da formação educacional para processos industriais e tecnológicos. Hoje, vivemos dois fracassos: o de, quase 70 anos depois, continuarmos completamente inadequados às necessidades do país, inclusive em termos tecnológicos; e o da profunda carência de uma diagnose do apagão educacional (agravado pela pandemia).

A gestão (não só do Governo Federal) não está encarando a crise de frente. Abrir escolas sem traçar diretrizes para a recuperação do déficit de aprendizagem[4] joga o problema pra frente que, para muitos, está logo ali (como na questão hodierna dos alunos e alunas que farão o ENEM ou estão para terminar os segmentos de ensino). É insuficiente a política de recursos humanos e formativos dos profissionais (não regulamentação de auxiliares para Fundamental 1; incompletude da transformação das escolas em turno único/integral e sua consequente incompatibilidade com a atual carreira de professores de educação infantil e Fundamental 1 são alguns pequenos exemplos), assim como é insuficiente o direcionamento da reorganização curricular e da carga horária. Não há previsão ou orientação da recuperação do déficit (qual déficit?) dos alunos e alunas mais afetados pelo apagão - eles e elas estão no mesmo bolo dos demais, e cabe às escolas criarem estratégias a partir de um desenho pouco favorável, se assim desejarem. A municipalização do ensino, defendida inclusive por Anísio Teixeira, que também deixou legados como o da educação integral, tem autonomia para colocar remos contra essa maré liberal. Vai depender de quais compromissos vão assumir.



1 Professor do Município do Rio de Janeiro - Segmento Fundamental I. Doutor em História pela FGV/CPDOC.

2 Em especial o Parecer CNE/CP N.º 15/2020 do Conselho Pleno Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação.

3 Teixeira, Anísio. A Educação e a Crise Brasileira. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. Também disponível eletronicamente em http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/discurso2.html.

4O déficit sequer está sendo revelado - as avaliações diagnósticas do Município do Rio de Janeiro estão completamente mal calibradas (para baixo) com relação às expectativas de aprendizagem de suas séries correspondentes, até mesmo se tomarmos como parâmetro a priorização curricular traçada pela Secretaria Municipal de Educação.