domingo, 7 de novembro de 2021

BOLETIM ROMA CONECTION/NÚMERO 10 - QUE FAZER COM A EDUCAÇÃO?

Anísio Teixeira


Apagão Educacional

 

Tiago Martins Simões[1]

 

Apesar de decorrido já algum tempo desde o início da pandemia, ainda há que se falar abertamente sobre a crise educacional. Não é uma crise exclusiva da pandemia porque esta é mais ampla e porque existe um tanto de mau caratismo em creditar a ela boa parte dos problemas atuais. De toda forma, ela agrava o problema e cria tantos outros.

Existe algo de muito nítido que a pandemia revelou, ao menos à maioria dos educadores e estudantes: o ensino remoto não é e não funciona, nem de perto, como substitutivo ao presencial (não devemos jamais cair no equívoco de aproximar essa situação ao conceito de ensino híbrido; são coisas completamente distintas). Quando muito, ajuda a potencializar uma educação que acontece dentro de algum espaço onde as alunas e alunos se encontram, quando estes possuem recursos físicos (internet e computador com definições mínimas) e humanos (alguém com tempo e formação mínima), o que não é a realidade da maioria dos estudantes brasileiros. Este é um problema que a pandemia colocou porque, com isso, ela estancou o processo educacional de milhões de crianças, jovens e adultos.

Outro ponto importante é que a(s) crise(s) possuem efeitos distintos, a depender da região, faixa etária, sistema de ensino, dentre tantos outros fatores. Precisamos resistir e não realizar generalizações sem discutir aspectos regionais e circunstanciais. Ainda não temos um diagnóstico bem definido na política; pelo contrário, existem nuvens de fumaça, quando não há miopia. Mais grave ainda é o fato disso acontecer no nível da gestão educacional.



 Um jovem russo em 1887

A começar pela condução do Conselho Nacional de Educação e do Ministério da Educação, que voltaram suas energias para salvar os anos letivos, criando continuidades entre os anos de 2020 e 2021. Suas resoluções e pareceres[2] mencionaram constantemente a avaliação da aprendizagem das alunas e alunos como critérios norteadores das subsequentes políticas. Pois bem, as políticas educacionais estão à deriva, tocando o barco para cumprir a legalidade do currículo, seja em dias ou horas letivas.

Além do problema das matrículas (democratização do acesso), Anísio Teixeira apontava já em 1952, pela ocasião de sua posse no INEP[3], a inadequação da educação pública básica e superior às necessidades do país à época. Pauta importante e tão cara quanto outras a personagens progressistas, que fora colocada por ele ao lado de temas estruturantes como o da reforma agrária. Naquela época já se falava na importância da formação educacional para processos industriais e tecnológicos. Hoje, vivemos dois fracassos: o de, quase 70 anos depois, continuarmos completamente inadequados às necessidades do país, inclusive em termos tecnológicos; e o da profunda carência de uma diagnose do apagão educacional (agravado pela pandemia).

A gestão (não só do Governo Federal) não está encarando a crise de frente. Abrir escolas sem traçar diretrizes para a recuperação do déficit de aprendizagem[4] joga o problema pra frente que, para muitos, está logo ali (como na questão hodierna dos alunos e alunas que farão o ENEM ou estão para terminar os segmentos de ensino). É insuficiente a política de recursos humanos e formativos dos profissionais (não regulamentação de auxiliares para Fundamental 1; incompletude da transformação das escolas em turno único/integral e sua consequente incompatibilidade com a atual carreira de professores de educação infantil e Fundamental 1 são alguns pequenos exemplos), assim como é insuficiente o direcionamento da reorganização curricular e da carga horária. Não há previsão ou orientação da recuperação do déficit (qual déficit?) dos alunos e alunas mais afetados pelo apagão - eles e elas estão no mesmo bolo dos demais, e cabe às escolas criarem estratégias a partir de um desenho pouco favorável, se assim desejarem. A municipalização do ensino, defendida inclusive por Anísio Teixeira, que também deixou legados como o da educação integral, tem autonomia para colocar remos contra essa maré liberal. Vai depender de quais compromissos vão assumir.



1 Professor do Município do Rio de Janeiro - Segmento Fundamental I. Doutor em História pela FGV/CPDOC.

2 Em especial o Parecer CNE/CP N.º 15/2020 do Conselho Pleno Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação.

3 Teixeira, Anísio. A Educação e a Crise Brasileira. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. Também disponível eletronicamente em http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/discurso2.html.

4O déficit sequer está sendo revelado - as avaliações diagnósticas do Município do Rio de Janeiro estão completamente mal calibradas (para baixo) com relação às expectativas de aprendizagem de suas séries correspondentes, até mesmo se tomarmos como parâmetro a priorização curricular traçada pela Secretaria Municipal de Educação.

2 comentários:

Giovana Moura disse...

Texto pequeno e esclarecedor,muito provocativo e reflectivo.

José Ricardo Matos - Contos e Crônicas. disse...

Anísio Teixeira implantou a Escola Parque da Baha e minha saudosa mãe era da equipe dele. Defendia o é.ensino público de excelência.