Apagão Educacional
Tiago Martins Simões[1]
Apesar de decorrido já algum tempo
desde o início da pandemia, ainda há que se falar abertamente sobre a crise
educacional. Não é uma crise exclusiva da pandemia porque esta é mais ampla e
porque existe um tanto de mau caratismo em creditar a ela boa parte dos
problemas atuais. De toda forma, ela agrava o problema e cria tantos outros.
Existe algo de muito nítido que a
pandemia revelou, ao menos à maioria dos educadores e estudantes: o ensino
remoto não é e não funciona, nem de perto, como substitutivo ao presencial (não
devemos jamais cair no equívoco de aproximar essa situação ao conceito de
ensino híbrido; são coisas completamente distintas). Quando muito, ajuda a
potencializar uma educação que acontece dentro de algum espaço onde as alunas e
alunos se encontram, quando estes possuem recursos físicos (internet e computador com definições
mínimas) e humanos (alguém com tempo e formação mínima), o que não é a
realidade da maioria dos estudantes brasileiros. Este é um problema que a
pandemia colocou porque, com isso, ela estancou o processo educacional de
milhões de crianças, jovens e adultos.
Outro ponto importante é que a(s) crise(s) possuem efeitos distintos, a depender da região, faixa etária, sistema de ensino, dentre tantos outros fatores. Precisamos resistir e não realizar generalizações sem discutir aspectos regionais e circunstanciais. Ainda não temos um diagnóstico bem definido na política; pelo contrário, existem nuvens de fumaça, quando não há miopia. Mais grave ainda é o fato disso acontecer no nível da gestão educacional.
A começar pela condução do Conselho
Nacional de Educação e do Ministério da Educação, que voltaram suas energias
para salvar os anos letivos, criando continuidades entre os anos de 2020 e
2021. Suas resoluções e pareceres[2]
mencionaram constantemente a avaliação da
aprendizagem das alunas e alunos como critérios norteadores das subsequentes
políticas. Pois bem, as políticas educacionais estão à deriva, tocando o barco
para cumprir a legalidade do currículo, seja em dias ou horas letivas.
Além do problema das matrículas
(democratização do acesso), Anísio Teixeira apontava já em 1952, pela ocasião
de sua posse no INEP[3], a
inadequação da educação pública básica e superior às necessidades do país à
época. Pauta importante e tão cara quanto outras a personagens progressistas,
que fora colocada por ele ao lado de temas estruturantes como o da reforma
agrária. Naquela época já se falava na importância da formação educacional para
processos industriais e tecnológicos. Hoje, vivemos dois fracassos: o de, quase
70 anos depois, continuarmos completamente inadequados às necessidades do país,
inclusive em termos tecnológicos; e o da profunda carência de uma diagnose do
apagão educacional (agravado pela pandemia).
A gestão (não só do Governo Federal)
não está encarando a crise de frente. Abrir escolas sem traçar diretrizes para
a recuperação do déficit de
aprendizagem[4] joga
o problema pra frente que, para muitos, está logo ali (como na questão hodierna
dos alunos e alunas que farão o ENEM ou estão para terminar os segmentos de
ensino). É insuficiente a política de recursos humanos e formativos dos
profissionais (não regulamentação de auxiliares para Fundamental 1;
incompletude da transformação das escolas em turno único/integral e sua
consequente incompatibilidade com a atual carreira de professores de educação
infantil e Fundamental 1 são alguns pequenos exemplos), assim como é
insuficiente o direcionamento da reorganização curricular e da carga horária.
Não há previsão ou orientação da recuperação do déficit (qual déficit?)
dos alunos e alunas mais afetados pelo apagão - eles e elas estão no mesmo bolo
dos demais, e cabe às escolas criarem estratégias a partir de um desenho pouco
favorável, se assim desejarem. A municipalização do ensino, defendida inclusive
por Anísio Teixeira, que também deixou legados como o da educação integral, tem
autonomia para colocar remos contra essa maré liberal. Vai depender de quais
compromissos vão assumir.
1 Professor do Município do Rio de Janeiro - Segmento Fundamental I. Doutor em História pela FGV/CPDOC.
2 Em especial o Parecer CNE/CP N.º 15/2020 do Conselho Pleno Conselho
Pleno do Conselho Nacional de Educação.
3 Teixeira,
Anísio. A Educação e a Crise Brasileira. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. Também
disponível eletronicamente em
http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/discurso2.html.
4O déficit sequer
está sendo revelado - as avaliações diagnósticas do Município do Rio de Janeiro
estão completamente mal calibradas (para baixo) com relação às expectativas de
aprendizagem de suas séries correspondentes, até mesmo se tomarmos como
parâmetro a priorização curricular traçada pela Secretaria Municipal de
Educação.
2 comentários:
Texto pequeno e esclarecedor,muito provocativo e reflectivo.
Anísio Teixeira implantou a Escola Parque da Baha e minha saudosa mãe era da equipe dele. Defendia o é.ensino público de excelência.
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