segunda-feira, 15 de junho de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 10


A Banalidade do Surreal
Em memória de Hannah Arendt
Por Vagner Gomes de Souza

Há uma fala no filme “Destacamento Blood” de Spike Lee (disponível na NETFLIX) em que um veterano afro americano da Guerra do Vietnã informa para um vietnamita a situação de George Washington ter sido um senhor de escravos. A precisão da informação histórica justificaria a mudança do nome da Capital dos Estados Unidos? Talvez se o pensamento da “Revolução Cultural” renascesse das cinzas do autoritarismo essa ideia poderia ser concebida numa surrealista ideia de reeducação pelo exercício da destruição do espaço público como memória.
Vivemos tempos em que a valorização do conhecimento da história está sendo “aparelhada” pelo julgamento de personagens do passado retirados de seu contexto como se fosse uma sequencia de anacronismos a serviço do sectarismo político. Não adianta alimentar a destruição de estátuas ou sua simples retirada de espaços públicos se os descendentes dos escravos continuam afastados do conhecimento de sua própria História. Aliás, o debate deveria ser porque nossa sociedade banaliza a falta do conhecimento em história ao contrário de sairmos avaliando um “juízo final” sobre o que deveria ser afastado de nossos olhares seja para admirar seu conteúdo artístico, ou seja, para relembrar dos personagens do passado que um dia erraram para o contexto atual.
Os historiadores precisam pesar mais pela ética da responsabilidade do que pela ética da convicção em tempos de extremismos. Derrubar os personagens associados à escravidão em qual temporalidade e em qual tipo de escravidão? Se for toda a escravidão, o que fazer com os vestígios da Grécia Antiga e a saudosa Atenas que cresceu mantida pelo trabalho de escravos. Faremos um “Tribunal da História” em relação as estátuas daqueles que tinham escravos na Antiguidade? Teremos que aplaudir a destruição de alguma estátua dos imperadores romanos por terem sido coniventes com a escravidão? O que dizer das múmias do Egito Antigo encontradas com restos mortais de escravos porque acreditavam na ressurreição dos Faraós? Não alonguemos nas perguntas, pois seriam surreais as respostas do academicismo “neomaoista”.
Muito menos cheguemos aos dilemas históricos religiosos do mundo judaico-cristão desde a passagem do filho de Abraão com uma escrava. Sem citar outros temas controvertidos que a teologia de Jesus Cristo nos ensinaria que se deve atirar a primeira pedra aquele que nunca pecou. Essa passagem não implica em dizer que devemos concordar com as atrocidades do passado, porém devemos compreender melhor como eles se constituíram para não cair numa banalidade do mal. O conhecimento crítico nas mentes da juventude é muito mais saudável para o movimento democrático que alimentar um debate que acabará recaindo numa “sinuca de bico”.
Vejamos o caso dessa passagem abaixo:
"A escravidão caduca, mas ainda não morreu; ainda se prendem a ela graves interesses de um povo. É quanto basta para merecer o respeito."
Ela foi escrita pelo romancista José de Alencar e se encontra em “Cartas a favor da escravidão” em 1867.  Muitos intelectuais cariocas devem saber que Alencar tem uma estátua no Rio de Janeiro. Defenderemos sua retirada e atacaremos os seus livros? Não seria mais interessante para a cidadania brasileira que o conhecimento seja divulgado ao contrário de alimentar uma “caça as bruxas” do anacronismo. Se defendermos que os livros libertam o cidadão da exclusão do saber, por que temer andar com a cédula de um dólar no bolso? Esse é o momento de sugerir novas estátuas para ocupar as ruas e esqueçamo-nos das que nada representam para nossos ideais.

 

quarta-feira, 10 de junho de 2020

ERA UMA VEZ A ANÁLISE DE CONJUNTURA

 
Foto da Edição da Folha de São Paulo de 03 de fevereiro de 2017
Lula recebe visitas no Hospital Sírio Libanês durante a internação de Marisa Letícia
 
Lula e o Centro
Dedicado aos 100 anos do livro “Negrinha”, de Monteiro Lobato
Por Pablo Spinelli
No último domingo a Globonews, ao meio de manifestações que saíram do distanciamento social para a defesa da democracia e contra o racismo, apresentou um debate mediado pela jornalista Míriam Leitão com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e os ex-ministros e ex-candidatos à presidência Marina Silva e Ciro Gomes. O programa, que era previsto para uma hora acabou por se estender e virou duas horas. As reações do campo progressista foram mais manifestas do que do campo reacionário. A pergunta básica tangenciou o porquê de não ter um representante da esquerda, ou mais precisamente, um petista na mesa?
Independente do espaço que petistas históricos ocupam na rede – assim como na jovem CNN Brasil – como em debates aos sábados, a resposta foi dada pelo mais famoso deles, o ex-presidente Lula que escreveu ao jornalista Bernardo Melo Franco, de O Globo, recusando o convite para uma entrevista de uma série com ex-presidentes por conta da adesão das empresas Globo a uma narrativa “golpista” e de “apoio às ações à Lava Jato”. No dia seguinte, a presidente do PT, deputada Gleise Hoffman em entrevista ao UOL, afirmou que o partido não deve subscrever nenhum manifesto pela democracia porque o “PT nasceu na luta pela democracia, na luta dos trabalhadores. O PT não precisa assinar um manifesto para dizer que é a favor da democracia.”
Exposto isso, comecemos pelo começo. A jornalista Míriam Leitão criou problemas para setores da esquerda por conta de sua adesão aos planos econômicos do governo FHC e pelo livro de um de seus filhos à Operação Lava-Jato. A ex-senadora e ex-ministra do governo PT, Marina Silva, é considerada como uma esquerda reformista, moderada ou com uma pauta única que é a ambiental. Ciro Gomes é apontado como um traidor omisso por não ter apoiado o candidato petista em 2018 no segundo turno. O presidente FHC é o pai da “herança maldita”, “privatista”, “neoliberal”. Noves fora, o que resta? A esquerda fica circunscrita a uma hegemonia que é entendida como sinônimo de poder por si mesmo.
As novas gerações ficam vulneráveis a uma panaceia sem qualquer análise crítica e histórica. Míriam Leitão fez parte do PC do B, seu então companheiro fez parte da luta armada e ela foi presa e torturada de forma violenta durante o regime militar. Marina Silva foi uma das fundadoras do PT no Acre, estado com histórico de ação de grileiros, garimpeiros, grandes empresas do agronegócio junto com o esquecido Chico Mendes. Ela comeu o pão que Asmodeu amassou com a então ministra Dilma Roussef por conta de freios que fazia ao projeto desenvolvimentista que era herdeiro de um projeto do presidente Ernesto Geisel. Ciro Gomes, que começou sua carreira na militância estudantil na UNE com a esquerda católica, foi deputado pelo PDS – contrário ao voto para governador e senador pelo seu partido – e fez parte do PMDB que apoiou a candidatura de Tancredo Neves para a primeira presidência após a ditadura militar. FHC teve uma longa trajetória com o campo democrático. Foi companheiro acadêmico de Sérgio Buarque de Holanda e de Florestan Fernandes, fundadores do PT. Participou da reorganização do MDB nos anos 1970 para que se fortalecesse o elo com o novo sindicalismo do ABC paulista liderado pelo Sindicato dos Metalúrgicos. Foi constituinte, um dos autores do agora famoso artigo 142 da nossa Constituição. Ganhou duas eleições no primeiro turno e conseguiu fazer uma das melhores transições da América Latina para seu sucessor, o qual apoiou de forma discreta, ao invés do candidato de seu próprio partido. Foi um defensor do sistema de cotas – que só virou lei em 2012 – que seria uma consequência de suas pesquisas sobre a escravidão que criticaram o “mito da democracia racial”.
Após esses dados históricos, quase “wikipedianos”, cabe a pergunta: esses atores não poderiam falar em conjunto sobre a democracia? Não poderiam defender o Estado Democrático de Direito? Suas biografias não podem ser levadas em consideração ou somente determinado campo pode ter biografias destruídas? Após muitos e muitos anos o ex-presidente Lula, num gesto de grandeza fez algo que lhe é caro, a autocrítica, quando afirmou que errou ao não deixar o deputado Ulysses Guimarães subir em seu palanque e que o seu partido errara ao expulsar três parlamentares que votaram em Tancredo Neves nas eleições indiretas de 1985. Nada poderia ser perfeito, assim, nada foi dito sobre a postura do PT quanto a Constituição de 1988.
O Lula de 2002 foi o do “paz e amor” com ampla cobertura das empresas Globo, onde seu jornal o apelidara de “nosso urso Ted”, uma referência à história da política dos EUA. A sua aliança com o empresariado foi afiançada com o industrial José Alencar, do Partido Liberal, o mesmo do também empresário e ex-candidato à presidência em 1989, Guilherme Afif Domingues que teve como colaborador o economista Paulo Guedes. Lula abraçou Maluf, Collor, Sarney em sua campanha. Tornou-se o Centro político. Gradativamente, encapsulou a sociedade civil no Estado, mas isso é outra história. Fez uma Reforma da Previdência sem ouvir o som das ruas e com uma base parlamentar heterogênea, que ia do PC do B ao PP de Maluf. Passou pelo baque do “mensalão” que foi iniciado pelo seu ex-aliado Roberto Jefferson. Petistas históricos caíram, mas nada recaiu sobre o presidente. O Judiciário lhe foi benigno. A mídia não construiu uma alternativa ao poder e enfrentou em um segundo turno o “picolé de chuchu”. A partir desses movimentos construiu uma teia de proteção social que foi referência e recebeu apoio público de Barack Hussein Obama. Foi uma referência internacional a ponto de se predispor a dialogar com aquele que chamou de “amigo” – isso não é monopólio só de um campo político -, o então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, para fazer a ponte com os EUA. Muitas de suas políticas foram aprovadas na Câmara dos Deputados que era presidida pelo deputado Michel Temer. O sectarismo, a preservação de ideais puros na política, ficou para uma dissidência que organizou o PSOL. Lula finalmente tinha dado a entender que havia lido Maquiavel.
O Lula que ficou, por enquanto, livre, voltou às ruas como uma “ideia”. A ideia banhada em egolatria e que diminuiu o tamanho do PT, refém de políticos que fazem de tudo pela reprodução do poder pelo poder, do orçamento partidário pelo orçamento partidário. Virou um estudo de caso do relançado livro da psicanalista Maria Rita Kehl, “Ressentimento” (Boitempo Editorial, 2020). A sua fala contra setores da mídia não se contrapõem em nada ao atual presidente. Sua postura de ressentido também não o é, assim como só querer falar para iguais ou para os pajens de sempre. A prisão nem sempre faz mal. Gramsci e Graciliano Ramos mostram que da dureza pode se sair maior. Dessa forma, ao invés do “Lula Livre”, deveríamos pedir “Volta Lula”. O Lula da política do centro e não o que faz de si o centro de sua política.


sexta-feira, 5 de junho de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 9


Lula e Guilherme Boulos: duas lideranças populares em tempos de luta contra o autoritarismo no Brasil
 
Repensando a História do Antifascismo lendo Guilherme Boulos

Dedicado à memória de Carlos Lessa

Por Vagner Gomes de Souza

Guilherme Boulos é uma liderança política da esquerda que se consolida no cenário político nacional a partir de uma demanda muito importante em tempos de pandemia do COVID19. O acesso à moradia digna para os trabalhadores brasileiros nos grandes centros urbanos. Sua militância em São Paulo, principal epicentro da aceleração dos casos e óbitos na atual crise sanitária, nos faz refletir sobre um dilema weberiano na política: a ética da convicção e a ética da responsabilidade.

Sua pequena intervenção nas Redes Sociais “Diálogo com Luiz Eduardo Soares” (texto que reproduzo na íntegra na forma que recebi após esse artigo) tenta superar esse dilema em relação as próximas manifestações no domingo de 7 de junho. Seria simplismo uma polarização entre o líder do MTST (“ética da convicção”) e o autor de Elite da Tropa 1 e 2 (“ética da responsabilida”) diante de argumentos que partem de um sentimento comum de oposição a ascensão do tom autoritário do Governo Federal. O diálogo político entre ambos é muito importante porque politiza a natureza do que seria fazer parte de um movimento “antifascista” para além de animar as imagens de perfis nas redes sociais.

 O debate não é novo e a história da luta contra o fascismo sempre esteve aberta a diversas polêmicas sobre a melhor tática a ser feita. Exemplos históricos não faltam como na Guerra Civil espanhola (1936 – 1939) com aqueles que atribuem a derrota para o “franquismo” ao excesso de “moderação” enquanto que outros atribuem ao excesso de “radicalização”. Contudo, não é esse o momento de fazer uma dissertação sobre as teorias políticas que sustentam essa diversidade uma vez que desejo simplesmente me reter aos fatos históricos citados no “Diálogo...” uma vez que minha formação na História me fez repensar sobre os “fatos” ali destacados.

Boulos usa o conceito de “hegemonia fascista” que se afirma nas ruas e fez referência ao “Camisas Negras” na Itália e as milícias hitleristas na Alemanha. Aparentemente, um leitor desavisado e “sem História” deduziria que não houve manifestações de rua (em contexto diversos de estar numa Pandemia). Há inúmeras manifestações antifascistas nas ruas da Itália e nas ruas da Alemanha. Elas foram derrotadas. Por quê? Nesse ponto, ficou meu incômodo como educador na área de História uma vez que sabemos que uma interpretação sempre pode levar a conclusões distintas dependendo de como a narrativa ocorre. Ao jovem que me viesse perguntar em aula sobre essas considerações, eu sugeriria a leitura do romance histórico do volume 1 de M – O filho do século de Antonio Scuratti. E deixemos Lições sobre o Fascismo de Palmiro Togliatti para um momento mais denso no debate das ideias.
A escolha de citações de fatos históricos para argumentação da política faz parte dessas minhas advertências, pois a falta de um contexto na narrativa pode deixar o “fato” circulando como as órbitas das ilusões. Vejamos as referências relativas a História do Brasil sobre temas que são muito pouco aprofundados nos livros didáticos que nossos jovens tem acesso. E faço essa observação, pois a luta antifascista deve sensibilizar a juventude. Ela é longa e árdua. Então, temos uma referência ao movimento integralista de Plínio de Salgado (um intelectual do movimento modernista e que sempre se demonstrou “homem de Partido”). Então lemos: “Poderia ter sido assim com os integralistas de Plínio Salgado no Brasil se os comunistas não o tivessem enxotado das ruas.” Essa referência deve ser relativa a Batalha da Praça da Sé em 7 de outubro de 1934. Não nos ateremos a diversidade de “paternidades” da liderança da contramanifestação uma vez que o movimento antifascista tinha três vertentes organizadas em São Paulo naquele tempo. Simplesmente questionamos os motivos de o Integralismo continuar sendo tolerado por Getúlio Vargas. A esquerda que foi praticamente massacrada nos anos 30 desde 1935 como poderia ler em Memórias do Cárcere de Graciliano Ramos.

 
Manifestação Integralista na Praça Tiradentes - Curitiba - 1937
 
 
Foi o Estado Novo, inaugurado pelo autogolpe de 11 de novembro de 1937 como consequência de uma reação ao “fantasioso” Plano Cohen redigido por um capitão integralista com nome Olímpio Mourão Filho, que tirou os integralistas das ruas em 1938 após o fracassado levante de maio. Os fatos históricos lamentavelmente foram esses. Mesmo com o fim da Ação Integralista do Brasil (AIB), Plínio Salgado tentou negociar um acordo com Vargas até ser preso e exilado em 1939 para Portugal. Um detalhe que foge um pouco da temporalidade, porém sugere um curioso olhar para algumas capitais brasileiras. Nas eleições presidenciais de 1955, Salgado foi último colado no total de votos, mas foi o mais votado em Curitiba. Uma interessante e curiosa coincidência na história ziguezagueante da política do Centro Sul.

Em seguida, há duas referências às tentativas de atentados feitas pela chamada “linha dura” dos setores militares. Em primeiro lugar, o caso PARA SAR em 1968 que seria o planejamento de uma onda de atentado simultâneo que incluiria a explosão do gasômetro de São Cristóvão. Em seguida, o atentado do Riocentro (1981) que vitimou um Capitão e um Sargento que usava o codinome de “Agente Wagner” na continuidade de uma escalada de atentados que ocorriam naquele período. As lembranças dessas “provocações” da extrema-direita na história recente do país ficaram soltas diante da falta do contexto histórico de como as forças democráticas reagiram em momentos diversificados e com nuvens da censura e autocensura dos meios de comunicação. Há de comum nessas provocações, ressaltadas os muitos detalhes conjunturais, o objetivo de impedir a política de Frente Democrática. Portanto, esse é ponto em que a estratégia política se reforça na ampliação da frente antifascista para sufocar as aventuras extremistas. Seria incorreto insinuar que fazer parte do MDB na Ditadura Militar fosse inibir as manifestações nas ruas. Elas ressurgiram no final dos anos 70 graças a vitoriosa política de frente nas eleições de 1974. Contudo, esse é outro ponto para repensar em outro momento, pois a lição da História se alonga e intelectuais como o Carlos Lessa sempre nos ensinaram a nunca recuar na frente ampla na luta pela democracia. Por isso, esse artigo é dedicado em sua memória.

Banca de Jornal incendiada por extremistas de direita
 

ABAIXO o texto de Guilherme Boulos que foi analisado no artigo
Boulos: DIÁLOGO COM LUIZ EDUARDO SOARES - Tenho muito respeito por Luiz Eduardo, um intelectual de primeira linha e uma figura humana extraordinária. Como ele, tenho grande preocupação com a ascensão do fascismo bolsonarista e não considero as liberdades democráticas simples formalidades. Foram conquistadas com sangue e luta de toda uma geração de brasileiros. Mas discordo em relação às manifestações de domingo. O que vimos na semana passada, puxado por torcedores organizados, foi um passo fundamental na resistência ao fascismo: a demonstração de que a rua não é deles. Não basta sermos maioria na sociedade. Não basta assinarmos manifestos unitários, que julgo importantes, aliás subscrevi todos. Mas a hegemonia fascista, mesmo minoritária, se afirma nas ruas. Foi assim com os Camisas Negras de Mussolini e com as milícias hitleristas. Poderia ter sido assim com os integralistas de Plinio Salgado no Brasil se os comunistas não os tivessem enxotado das ruas. Se normalizamos gente defendendo AI-5 e agredindo opositores, jornalistas e enfermeiras em praça pública, daqui a pouco não teremos condições de dar as caras. Sei que a questão não é simples. Além do mais, estamos em meio a uma pandemia. Mas na conversa entre os organizadores da manifestação do próximo domingo, ao menos em São Paulo, haverá um enorme esforço para manter o distanciamento e as precauções sanitárias. O Povo Sem Medo organizou uma brigada de saúde para isso com centenas de voluntários. O MTST vai distribuir 4 mil máscaras na Avenida Paulista, feitas pelas cooperativas de costureiras do Movimento. A orientação da organização do ato será uma manifestação pacífica e de inibir infiltrados. Claro que sempre há um risco. Devemos fazer de tudo para minimizá-lo. Mas, convenhamos, o outro lado não precisa de pretextos nossos para endurecer. Se ficarmos parados tampouco temos qualquer garantia. Eles sempre produziram os próprios pretextos. Lembremos do Rio Centro, em 1981, quando oficiais do Exército contra a democratização iriam explodir bombas no festival do Dia do Trabalhador para culpar a esquerda. Não funcionou por imperícia. Ou do plano de explodir o gasômetro de São Cristovão, em 1968, em nome dos comunistas, só evitado pela denúncia de um oficial da Aeronáutica. É a velha tática que os nazistas inauguraram no incêndio do Reischtag. Bolsonaro avança na escalada autoritária. Sei dos riscos, mas não creio que se deixarmos as ruas para eles estaremos impedindo essa marcha. Por isso, o MTST e o Povo Sem Medo estarão nas ruas no domingo. E eu também estarei lá.