domingo, 15 de abril de 2012

BRASÍLIA 18%


Brasília 18% - Uma lição sobre o “conformismo”
Dedicado ao amigo Pablo Spinelli
De Vagner Gomes de Souza
A história das CPIs sobre investigações acumulam muitas fontes e interpretações nas duas últimas décadas. Por exemplo, um estudo elaborado pelo professor Wellington Oliveira indica o quanto elas produzem gastos e relativos ganhos políticos para a sociedade. A pesquisa analisou 29 comissões criadas na Câmara entre 1999 e 2007 e percebeu que foram gastos 6 bilhões de reais e 67 projetos de lei foram elaborados a partir de seus relatórios, porém nenhum foram aprovados. Da CPI de PC Farias até a provável CPI do Cachoeira uma frase sempre foi citada na imprensa que é atribuída ao Deputado Federal Ulisses Guimarães – ícone da luta pela redemocratização – “Uma CPI sabemos como começa e jamais sabemos como se termina.”
O filme Brasília 18 % (2006) é um possível convite para a interpretação desse fenômeno onde os fatos determinam as ações dos atores políticos em processo de revolução passiva. A ascensão do Governo Itamar Franco abriu caminho para a ampliação da pauta da Igualdade na Campanha de Combate a Fome de Betinho que fazia um convite a participação da sociedade organizada. Ao longo dos anos a luta pela Igualdade foi ganhando dados sociais positivos, mas a solução passou a ser gradualmente uma função estatal nas Bolsas Sociais do Governo. A igualdade social gradualmente foi assimilada como ampliação da capacidade de consumo. Enquanto isso, a ampliação da participação organizada da sociedade foi ficando “desnutrida”.
O personagem Martins Fontes sentencia no filme de Nelson Pereira dos Santos: “Se CPI funcionasse no Brasil, metade dos políticos do Congresso estaria na cadeia”. Uma frase que faz parte de um senso comum do brasileiro médio que ingressou na “fictícia” Nova Classe Média nos últimos anos. Portanto, cada escândalo político é observado como um evento natural da história da corrupção política sem que surjam grandes manifestações. Os “caras pintadas” foram a última onda das manifestações populares do Movimento das Diretas Já. Aos poucos, todos os segmentos da sociedade se identificariam no Governo numa ampla coalizão que vai de grandes burgueses até sindicalistas e movimentos sociais do campo.
O personagem Olavo Bilac num grande silêncio ao longo do filme Brasília 18% recorda o Fabiano de Vidas Secas de Graciliano Ramos. A narrativa dos fatos estão nos relatos dos outros personagens como se o humano fosse a própria neutralidade da ciência. Ciência como vocação e política como vocação é uma inspiração weberiana para esse intrigante Olavo que se encontra numa trama que se assemelha a “jaula de ferro” descrita por Max Weber. As poucas falas no personagem do filme é uma possível referência aos poucos momentos em que a sociedade expõe suas opiniões pelo voto como se fosse assinar um laudo atestando que a democracia não está morta. O roteiro do filme é essa possibilidade de se fazer uma sociologia política sobre a ausência da pressão popular pelo fim da corrupção, o que faz diversos Projetos de Lei ficar estacionados nas gavetas do Congresso Nacional. Além disso, um Governo que é avaliado negativamente em suas ações (segurança, impostos, saúde e educação) garante índices de popularidade confortáveis a Presidenta, pois essa assumiria o símbolo do “super-homem” de Nietzsche como “faxineira” política.
Não há contradição numa expressão de conformismo quando os atores políticos renunciaram levar a pauta dos problemas concretos para o debate. O Poder Legislativo teme ser o espaço do debate político de valores ou programas polêmicos, pois considera que terá prejuízos ou eleitorais (descriminalização do uso das drogas, aborto, união civil de pessoas do mesmo sexo, a homofobia, etc.) ou de apoio no financiamento da campanha (luta pela redução dos juros ao consumidor que atinge aos bancos). Os parlamentares aparentemente comungam de uma prática do desencantamento pela política mesmo estando na instituição que deveria ser o mundo da grande política.
O discurso final do fictício cineasta Augusto dos Anjos que faz uma paródia com os versos de Canção do Exílio expõe o quanto que o caminho democrático está sob uma pressão de exílio interno. Muitos setores de opinião estão exilados nas Universidades deixando a sociedade aprofundando sua característica de conformismo. Aos poucos, a democracia eleitoral rotinizada será apresentada como alto custo para a sociedade onde o STF assume um relevante papel para a defesa do Estado de Direito e a “mãe do PAC” assume uma postura racionalizadora da política com uma tecnocracia em gestação. A democracia política pode estar próxima a realizar sua canção de exilada nessa sociedade do conformismo estruturada num “fascismo de mercado”. Por isso, os exilados da opinião necessitam voltar a ação nas próximas eleições municipais.