segunda-feira, 31 de julho de 2023

A DOCE POLÍTICA DO CINEMA - NÚMERO 19 - ERA UMA VEZ O MACARTHISMO...


“Oppenheimer” e o anticomunismo

             

Por Nilvio Pessanha (1)

Filmes que contam a história da vida ou parte da vida de personagens históricos não possuem uma missão muito simples. Estão sempre tendo de optar em que parte da biografia do vulto histórico pôr o seu foco. A obra se ocupará da vida toda, fazendo alguns recortes? Mas quais recortes fazer? Ou optar-se-á por uma fase específica da biografia do indivíduo? Mas qual seria essa fase? Então, como disse, não é uma missão fácil. Talvez por isso, a maioria das cinebiografias tenha uma narrativa chata, careta. Esse, porém, não é o caso de “Oppenheimer”, novo filme do diretor Cristopher Nolan.

            Em “Oppenheimer”, Nolan acompanha a trajetória de Julius Robert Oppenheimer, o físico que ficou conhecido como o “pai” da bomba atômica. O longa é uma adaptação da biografia homônima escrita por Kai Bird e Martin J. Sherwin e não tem medo de fazer recortes e não focar em momentos e personagens importantes para a vida de Robert Oppenheimer, como sua juventude e seu irmão, respectivamente. Porém o que realmente importa para a trama está lá e muito bem contada, que é o processo de criação da bomba e toda a dualidade de sentimentos enfrentada pelo cientista que, inclusive, é muito bem transposta para a grande tela pela interpretação do excelente ator Cilian Murphy, que o interpreta. As imagens grandiosas que causam todo um impacto visual no público que já conhece outros filmes da filmografia do cineasta estão lá, mas talvez, nesta obra, Nolan trata a imagem de uma forma ainda mais estilizada. A opção por apresentar uma narrativa não linear com três momentos temporais diferentes que se entrelaçam no fim é outro acerto do cineasta que também assina o roteiro.

Algo que também salta aos olhos, ou melhor, aos ouvidos, é o desenho de som do longa e ajuda a criar um tensionamento. A cena do teste da bomba é um exemplo disso. Num primeiro momento a explosão se faz com toda exuberância de imagens que me encantaram e me extasiaram, imagens estas que foram acompanhadas por um quase que total silêncio, por opção estética. O meu encantamento só foi quebrado quando veio o som da explosão acompanhado das imagens do deslocamento de ar oriundo do efeito da bomba. O som me trouxe o terror do poder destrutivo e me fez ver que estava encantado com as imagens de uma explosão de uma arma de destruição em massa. Mas isso se deve ao trabalho de um grande diretor, isso se deve a cinema de qualidade.


      Cristopher Nolan também se mostrou corajoso no tom político que permeia sua obra. “Oppenheimer” mostra claramente a paranoia anticomunista que se apossou dos EUA e de todo o mundo ocidental, não só nos anos de guerra e pós-guerra, mas ainda vigente nos dias atuais. Sem entrar em terreno de spoiler, o terceiro ato do longa se transforma num filme de tribunal, onde Lewis Strauss, personagem de Robert Downey Jr. ganha mais destaque. O foco nesse ato são as duas audiências que ocorrem em tempos distintos. Em uma delas, está sendo decidido se será renovada a credencial de segurança de Oppenheimer. Nesse julgamento vemos o tempo inteiro ser questionado um envolvimento do físico com comunistas. Oppenheimer se mostra durante todo o filme simpático a causas caras aos comunistas como o apoio à luta antifascista na Guerra Civil Espanhola, apoio a causas sindicais, além de ter participado de reuniões com comunistas, mas nunca se filiou ao partido.

            Toda a perseguição a Oppenheimer e a forma como isso foi aceito pela sociedade estadunidense mostra o tamanho da paranoia anticomunista que, claro, foi promovida pelas autoridades ultrarreacionárias da nação símbolo do imperialismo. Oppenheimer se mostra, no filme, um homem que tem preocupações humanistas – apesar de ter criado a arma de destruição mais poderosa do planeta –, se mostra um ferrenho opositor do fascismo, se mostra um cara leal ao seu país; porém nada disso foi suficiente para fazer com que fosse admirado, fosse minimamente respeitado pelas autoridades do seu país.

E nós, brasileiros, sabemos bem onde essa histeria em torno do medo do fantasma do comunismo pode levar. Sabemos quão danosa ela pode ser para a nossa tacanha democracia. Recentemente, em uma entrevista no canal no YouTube da Uol, o presidente do Supremo Tribunal Militar disse, respondendo a uma pergunta sobre o distanciamento dos militares em relação ao presidente Lula, que antigamente ser de esquerda era visto como ser comunista, mas hoje não. Disse também que o Lula nunca foi comunista. Enfim, deixou claro que os militares ainda permanecem com a paranoia anticomunista na cabeça, a ponto de alguns se associarem a fascistas para tramarem golpe de estado. Assim foram as autoridades estadunidenses, retratadas no filme, que muitas vezes mostravam mais preocupação com os comunistas do que com os nazistas.

            Resumindo, o que Cristopher Nolan nos mostra numa obra com imagens grandiloquentes, com uma tensão que se constrói a partir design de som e de uma ótima trilha, é que você pode ser alguém sensível a causas de interesse da classe trabalhadora, você pode ser alguém que se coloca radicalmente contra o fascismo, você pode ser um cientista brilhante e se afirmar o tempo inteiro como fiel ao seu país, no entanto se há algo que te associa à ideologia comunista, será tratado como um pária, como um traidor.

 


[1] Nilvio Pessanha é professor da rede pública e cocriador dos podcasts Cine Trincheiras e Trincheiras da Esbórnia.

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