1964
e a “bestialização” carioca
Em memória ao
centenário de Lindolpho Silva
Vagner Gomes de
Souza
1964 marca um profundo
impacto para a antiga sede da Assembleia Constituinte de 1823, 1891, 1934 e
1946. Seu esvaziamento político institucional se aprofundou sob os parâmetros
da perseguição política que muito atingiram cariocas e seus residentes como a
memória do chamado “Massacre de Manguinhos” nos faz lembrar[1]. O
Rio de Janeiro formado como a cidade da consolidação da unidade nacional em
suas linhas tortuosas e ibéricas se abriu para uma “americanização” de seu
subúrbio transformado num “Novo Oeste” americano ao Sul do Equador. Na expansão
da ocupação do espaço urbano desordenado sob a égide de uma modernização
conservadora muito de perversão do americanismo assolou a nossa cultura
carioca.
A falta de autonomia da
antiga capital do Império e da República não impediu que houvesse uma vida
dinâmica se fizesse perceber nas favelas no pré-1964 com a dinâmica disputa
política pela organização de seus moradores entre setores da Igreja Católica e
os comunistas. As principais favelas cariocas, sob nossa medida, estavam se
transformando com uma semelhança a longa disputa política entre a democracia
cristã e os comunistas italianos essa é nossa hipótese que justifica as
intervenções urbanas das chamadas “remoções” que fizeram emergir os conjuntos
habitacionais de Vila Kenedy e Cidade de Deus.
A cultura do samba
carioca no período anterior a 1964 estava em grande conflagração diante de
inúmeros exemplos de agremiações com inserção de componentes com militância no
PCB e que foram perseguidos ou se afastaram no decorrer da ditadura militar. O
mesmo ocorreu no meio sindical carioca com a intervenção do Governo Federal em
inúmeros sindicatos aonde podemos mencionar o antigo Sindicato dos Urbanitários
do Rio de Janeiro que guardou uma marcante presença na participação e
organização do comício de 13 de março de 1964.
Esses exemplos
demonstram que a inserção da política não se limitava as fronteiras de uma
classe média carioca e universitária. Nos distantes bairros de Campo Grande,
Santíssimo e arredores, então Zona Rural da Guanabara, as mobilizações dos
sitiantes e posseiros se faziam no intuito de organização dos trabalhadores
rurais sob a liderança de um quadro dirigente do PCB, porém com muitas fontes
que demonstram lideranças locais que submergiram ao silêncio talvez do medo[2].
Aliás, seguindo a nossa hipótese anterior, havia uma articulação entre os
setores rurais do PCI e PCB acompanhado por Lindolpho Silva[3].
Assim, a chamada “grilagem” na atual Zona Oeste carioca ganhou mais força nos
tempos da Ditadura Militar transformando a região num amplo espaço de nova
orientação política. Os ventos da modernização conservadora fez emergir uma
sociedade carioca “bestializada”.
Consequentemente, diante
das investigações sobre o assassinato de uma Vereadora e seu motorista no ano
de 2018, há muito dessa sociedade que se fez emergir como “besta-fera” diante
da “bestialização” até na formulação de políticas daqueles que se encontram na
chamada esquerda carioca muito prisioneiras das imagens sem perceber que o Rio
de Janeiro é um mundo político das mediações. Um “coronelismo contemporâneo” de
lideranças políticas decadentes diante do fator religioso do
neopetencostalismo.
1964 fez com que
tenhamos uma sociedade aliada a esse processo de política degenerativa, pois o
“mercado do crime” que no seu mutiverso tem o “mercado da fé”. A representação
da política democrática se faz pelo espelhamento com um uma estranha
desconfiança das instituições e maior individualização das manifestações
políticas hipermodernas. As mobilizações sociais foram capturadas por um
“mercado do identitarismo” que criou uma “reserva de cargos comissionados” a
militância política desconectada com os cariocas do dia a dia. Formando um “vazio
político” ocupado pelas forças políticas reacionárias uma vez que as análises
daquilo que chamam esquerda carioca parecem moldadas na “Ágora da Praça São
Salvador ouvindo uma Mafalda”.
Não se percebeu que
1964 fez emergir um laboratório do pinochetismo no submundo do crime desde com
suas chacinas executadas por agentes do Estado. O Rio de Janeiro é a
hiperatividade do neoliberalismo. Sociedade pura na matriz do interesse
individual. A ideia de Estado se foi no “chaguismo” ao mapear politicamente o universo
da cidade. A fusão, implementada na Ditadura, esvaziou ainda mais a vida
política do Rio de Janeiro pois se fez na égide do clientelismo e com as ações
do “Mão Branca” na Baixada Fluminense. Faltam mais estudos recentes no mundo
acadêmico fluminense sobre esse processo.
Logo, o bolsonarismo
não é nada no Rio de Janeiro e paradoxalmente ele é tudo, pois ele se alimenta
desse esvaziamento da política na sua postura antipolítica. Portanto, para
ficarmos num problema de comportamento político que nos interessa, se a família
Brazão é mais uma no mosaico da Zona Oeste carioca, o “caso do Bairro de Campo
Grande” é a demonstração de que a hipótese do “lulismo”, segundo André Singer,
se tornou uma pura noção conceitual, pois os interesses se uniram aos
intermediários que de “Escritório do Crime” alimentam o “Escritório do Voto”.
[1]
O Massacre de Manguinhos
foi um caso de expurgo político ocorrida no então Instituto Oswaldo Cruz (IOC)
- hoje unidade técnico científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - durante
a ditadura militar brasileira. Dez cientistas do IOC/Fiocruz foram cassados em
1º de abril de 1970 com base no Ato Institucional n.º 5 (AI-5).
[2] Voz Operária, Edição 213, 1953, página 8. https://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=154512&pagfis=2416
Consultado em 28 de março de 2024.
[3]
Cf. https://journals.openedition.org/nuevomundo/69678
(Consultado em 28 de março de 2024).
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