História e memória: os 60 anos da Ditadura Militar e as narrativas em disputa
Lucas
Azedias
“A
história é "uma resposta a perguntas que o homem de hoje necessariamente
se põe."” — Lucien Febvre
Debater as rupturas e continuidades políticas de um dos episódios mais tristes da história brasileira parece um contrassenso em um mundo onde os conceitos Ditadura e Democracia bastam para explicar todos os processos históricos estranhos às experiências ocidentais de democracia[1].
A vulnerabilidade conceitual que paira sobre a conjuntura política para além do ocidente é, sem dúvida alguma, digna de observação aos que pretendem enxergar a história através de seus processos, afastando-se desta ótica de esquemas herméticos de interpretação da conjuntura comum aos formadores de opinião que fazem dos meios de comunicação um espaço de instrumentalização de conceitos e narrativas.
Isto posto, é de observar que também paira sobre a conjuntura brasileira uma memória afetiva acerca da presença dos militares no comando do Estado brasileiro quando do golpe que neste ano completa 60 anos de existência. A disputa deste espaço de memória, neste caso, sempre esteve em vias de derrota pelo campo democrático. A rejeição do historiador na figura da autoridade sobre a ciência histórica é também, sem dúvidas, um desafio para este campo.
Desafio maior, talvez, seja para os novos historiadores que vêem suas pesquisas em descrédito fora das bibliotecas empoeiradas da academia. A invalidação da cientificidade das pesquisas destes historiadores age, como consequência, em detrimento da crença de que ter vivido os anos de chumbo legitima inquestionavelmente a experiência da população que compartilha deste estranho afeto. Neste caso, a cobrança pela imparcialidade do historiador quando da análise de um fato é deixada de lado, ao passo que os “sobreviventes da ditadura” não se enxergam como mentes pensantes passíveis de atribuir aos acontecimentos o mesmo viés ideológico que tanto acusam os historiadores. A diferença de ambos, no entanto, não seria moral ou ideológica, mas metodológica.
Diferenças metodológicas à parte, uma coisa é certa: todo discurso é político. A negação de tomar partido em detrimento da neutralidade, comum aos críticos da história enquanto ciência, já é a manifestação do discurso politizado. Ainda assim, é papel do historiador que pensa seu ofício a partir da ética necessária à prática da pesquisa um afastamento emocional de seu objeto, para que metodologicamente lance sobre ele suas indagações e tenha como resultado as respostas que se aproximem ao máximo do que de fato foi a realidade. É pensando nisso que se torna urgente e inadiável a necessidade de cada vez disputarmos a opinião pública sobre temas como este. Deixar que o apagamento histórico, sem compromisso com a verdade e a seriedade da história brasileira, domine os meios de comunicação é um erro que pode voltar a reproduzir ataques como o de 8 de Janeiro.
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Nota do Editor: as imagens do corpo desse artigo foram acessadas ao acessar a interessante reportagem "Os evangélicos e a ditadura militar" de Rodrigo Cardoso na revista IstoÉ, 12 de maio de 2021 o que demonstra a percepção das citadas narrativas entre evangélicos numa intervenção de pesquisador. https://istoe.com.br/141566_OS+EVANGELICOS+E+A+DITADURA+MILITAR/
[1] As experiências Russas e Chinesas são exemplos desta vulgarização conceitual. No Livro China: o socialismo do século XXI, Elias Jabbour e Alberto Gabrielle destacam a forma como o senso comum tem reproduzido um juízo de valor acerca destas experiências ao passo que ignoram a historicidade e as especificidades históricas de cada um deles.
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