sábado, 30 de março de 2024

ESPECIAL - 1964/2024 - NÚMERO 06

Tropas do Batalhão Anhangüera REC-TC marcham de volta para a capital, após mobilização no dia 31 de março de 1964, dia do golpe militar

Foto: Acervo Estadão / Estadão

1964: A luz da longa duração

Pacelli H S Lopes

 

          Em 31 de março de 2024, o Golpe Civil-Militar de 1964 fará 60 anos. Diante das atuais disputas narrativas, é crucial para nós, historiadores, reafirmar a importância de não analisar fatos históricos isoladamente, para evitar um mundo despolitizado.

          Por essa razão, é necessário conectar a curta duração dos fatos de 1964 a média e longa duração que constituem a história nacional. Precisamos refletir: Como o ano de 1964 se liga a 1822, 1889 e a 1930? Algumas ações dos atores envolvidos nos antecedentes que levaram a 1964 e nas suas consequências nos permite compreender os vestígios da longa duração?

          Em um percurso tortuoso para nossa república chegamos aos idos de 1964. Nos primeiros anos do governo militar a conclusão que se poderia ter era que a nossa predileção pela revolução passiva terminou. Isso ocorreu devido à reforma liberal dentro do Estado, que valorizava o mercado em vez do setor público, procurou despolitizar a economia e abandonar uma política externa independente. Outra conclusão possível, no caso da observação se restringir aos primeiros anos do regime, é a de que a tradição ibérica teria chegado a seu fim.

          A antítese do regime surgiu de sua própria modernização conservadora, incitando estudos e necessidades para superar o autoritarismo, visando a restauração da democracia. A superação do regime ditatorial não foi resultado de revolução armada, mas sim de negociações entre vários atores, através de uma frente ampla, culminando no retorno da democracia.


Escolhemos analisar a vida de Afonso Arinos de Melo Franco[1] que durante sua trajetória demonstra como a longa duração, esse tempo lento e quase imperceptível é um imperativo nas nossas vidas. Nascido em Belo Horizonte em 27 de novembro de 1905, Arinos faz parte de uma linhagem consagrada de políticos e intelectuais brasileiros.

          Destacou-se como professor de história e direito constitucional em várias universidades. Trabalhou no Banco do Brasil, foi Ministro das Relações Exteriores em 1961 e Diretor do INDIPO na Fundação Getúlio Vargas. Além disso, atuou como deputado e senador em diferentes períodos.

          Interessamo-nos pelas posições políticas do ator de tradição ibérica no século XX. Cofundador da UDN e autor do manifesto inaugural, este criticou fortemente o Estado Novo. Em 1947, opôs-se à cassação dos mandatos do PCB, contrariando a maioria da UDN.

          Este foi contra a eleição de Juscelino Kubitschek, já o seu apoio a Jânio Quadros o permitiu alçar a posição de Ministro das Relações Exteriores. Como ministro, ele promoveu uma nova política externa brasileira. Abandonou o alinhamento automático com o bloco ocidental e defendeu o restabelecimento de relações com países socialistas, além do reconhecimento do governo de Fidel em Cuba.

          Ele condenava o colonialismo, defendia novas relações com África e Ásia e apoiava a desnuclearização. Depois da renúncia presidencial, retomou o cargo de senador e apoiou o movimento civil-militar de 1964, posteriormente, participou da fundação da Arena. Contudo, mudou sua posição após o AI-2. Em 1966, decidiu não buscar a reeleição. Como último ato, pediu uma reforma constitucional e sugeriu a adoção do parlamentarismo em 1971.

          Este criticou fervorosamente o Ato Institucional n.º5 (AI-5), considerado por ele como o maior exemplo de autoritarismo na história do país. Durante os anos 80, ele se empenhou em pesquisas voltadas para os problemas nacionais e defendeu mudanças democráticas. Apoiou Tancredo Neves, tornou-se senador da Assembleia Nacional Constituinte e se sobressaiu ao organizar trabalhos e defender o parlamentarismo.

          Hoje infelizmente a crise da democracia não assola só o nosso país, ela está alastrada por várias partes do globo. Porém, para entendermos o tamanho da nossa crise republicana teremos que compreender a história nacional, bem como, olhar a história pós — constituinte de 1988. A importância da longa duração e da conexão de 1964 a outros eventos históricos é salutar para nossa democracia.

          É vital que conservadores e progressistas entendam a história política e social do Brasil, em particular o evento de 1964, para evitar associação com grupos antidemocráticos, independentemente do matiz político. A vida do conservador Afonso Arinos de Melo Franco evidencia a persistência da cultura política udenista em Minas Gerais, que favorece candidatos outsiders em eleições recentes. Contudo, o equilíbrio do fiel da balança reside no conservadorismo republicano. Assim, não precisamos esquecer ou reescrever ao sabor das ideologias a história nacional, empenhamos sim, por aprender com 1964 e tornar perene e fortalecida uma cultura política para uma frente ampla e democrática.



[1] CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL. Afonso Arinos de Melo Franco. In: _____. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Disponível em: <https://www18.fgv.br/CPDOC/acervo/dicionarios/verbete-biografico/afonso-arinos-de-melo-franco> Acesso em: 28 mar. 2024.


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