1964:
A luz da longa duração
Pacelli H S Lopes
Em
31 de março de 2024, o Golpe Civil-Militar de 1964 fará 60 anos. Diante das
atuais disputas narrativas, é crucial para nós, historiadores, reafirmar a
importância de não analisar fatos históricos isoladamente, para evitar um mundo
despolitizado.
Por
essa razão, é necessário conectar a curta duração dos fatos de 1964 a média e
longa duração que constituem a história nacional. Precisamos refletir: Como o
ano de 1964 se liga a 1822, 1889 e a 1930? Algumas ações dos atores envolvidos
nos antecedentes que levaram a 1964 e nas suas consequências nos permite
compreender os vestígios da longa duração?
Em
um percurso tortuoso para nossa república chegamos aos idos de 1964. Nos
primeiros anos do governo militar a conclusão que se poderia ter era que a
nossa predileção pela revolução passiva terminou. Isso ocorreu devido à reforma
liberal dentro do Estado, que valorizava o mercado em vez do setor público,
procurou despolitizar a economia e abandonar uma política externa independente.
Outra conclusão possível, no caso da observação se restringir aos primeiros
anos do regime, é a de que a tradição ibérica teria chegado a seu fim.
A
antítese do regime surgiu de sua própria modernização conservadora, incitando
estudos e necessidades para superar o autoritarismo, visando a restauração da
democracia. A superação do regime ditatorial não foi resultado de revolução
armada, mas sim de negociações entre vários atores, através de uma frente
ampla, culminando no retorno da democracia.
Escolhemos analisar a vida de Afonso
Arinos de Melo Franco[1] que
durante sua trajetória demonstra como a longa duração, esse tempo lento e quase
imperceptível é um imperativo nas nossas vidas. Nascido em Belo Horizonte em 27
de novembro de 1905, Arinos faz parte de uma linhagem consagrada de políticos e
intelectuais brasileiros.
Destacou-se
como professor de história e direito constitucional em várias universidades.
Trabalhou no Banco do Brasil, foi Ministro das Relações Exteriores em 1961 e
Diretor do INDIPO na Fundação Getúlio Vargas. Além disso, atuou como deputado e
senador em diferentes períodos.
Interessamo-nos
pelas posições políticas do ator de tradição ibérica no século XX. Cofundador
da UDN e autor do manifesto inaugural, este criticou fortemente o Estado Novo.
Em 1947, opôs-se à cassação dos mandatos do PCB, contrariando a maioria da UDN.
Este
foi contra a eleição de Juscelino Kubitschek, já o seu apoio a Jânio Quadros o
permitiu alçar a posição de Ministro das Relações Exteriores. Como ministro,
ele promoveu uma nova política externa brasileira. Abandonou o alinhamento
automático com o bloco ocidental e defendeu o restabelecimento de relações com
países socialistas, além do reconhecimento do governo de Fidel em Cuba.
Ele
condenava o colonialismo, defendia novas relações com África e Ásia e apoiava a
desnuclearização. Depois da renúncia presidencial, retomou o cargo de senador e
apoiou o movimento civil-militar de 1964, posteriormente, participou da
fundação da Arena. Contudo, mudou sua posição após o AI-2. Em 1966, decidiu não
buscar a reeleição. Como último ato, pediu uma reforma constitucional e sugeriu
a adoção do parlamentarismo em 1971.
Este
criticou fervorosamente o Ato Institucional n.º5 (AI-5), considerado por ele
como o maior exemplo de autoritarismo na história do país. Durante os anos 80,
ele se empenhou em pesquisas voltadas para os problemas nacionais e defendeu
mudanças democráticas. Apoiou Tancredo Neves, tornou-se senador da Assembleia
Nacional Constituinte e se sobressaiu ao organizar trabalhos e defender o
parlamentarismo.
Hoje
infelizmente a crise da democracia não assola só o nosso país, ela está
alastrada por várias partes do globo. Porém, para entendermos o tamanho da
nossa crise republicana teremos que compreender a história nacional, bem como,
olhar a história pós — constituinte de 1988. A importância da longa duração e
da conexão de 1964 a outros eventos históricos é salutar para nossa democracia.
É vital que conservadores e progressistas entendam a história política e social do Brasil, em particular o evento de 1964, para evitar associação com grupos antidemocráticos, independentemente do matiz político. A vida do conservador Afonso Arinos de Melo Franco evidencia a persistência da cultura política udenista em Minas Gerais, que favorece candidatos outsiders em eleições recentes. Contudo, o equilíbrio do fiel da balança reside no conservadorismo republicano. Assim, não precisamos esquecer ou reescrever ao sabor das ideologias a história nacional, empenhamos sim, por aprender com 1964 e tornar perene e fortalecida uma cultura política para uma frente ampla e democrática.
[1] CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
DO BRASIL. Afonso Arinos de Melo Franco. In: _____. Dicionário
Histórico-Biográfico Brasileiro. Disponível em:
<https://www18.fgv.br/CPDOC/acervo/dicionarios/verbete-biografico/afonso-arinos-de-melo-franco>
Acesso em: 28 mar. 2024.
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