Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Em muitas ocasiões, os
verões brasileiros trazem a ideia de um devaneio de lazeres, de uma pausa no
cotidiano, em que se esperam dias claros, diversão, leitura para alguns e, em
todo momento, alegrias proximais emocionais. E no Brasil de hoje, viagens
recreativas dentro e fora do país.
De fato o nosso país, que
tem uma grande paisagem natural, costuma mostrar que está natureza variada e
bela não é, como diz o nosso hino nacional com otimismo, “de amor eterno seja
símbolo”, que tem nos faltado esse sentimento, por vezes indo a aspereza, dureza
que franze a testa ao Grande Número, justo nos momentos em que menos queremos:
no verão.
A esse azedume que nunca foi
nosso juntam-se várias pragas e com o aumento do calor que as mudanças climáticas
nos trazem, contando também com a ajuda da negligência, do desleixo e do mal,
surgem chuvas e queimadas gigantescas e letais, catastróficas, para os quais
nunca ninguém está totalmente preparado, a despeito da sua previsão.
É também muito triste quando
perdemos mentes como a do Samuel Pinheiro Guimarães Neto (1939-2024) e a de Luiz
Jorge Werneck Vianna (1938-2024), personagem que a despeito de suas idades
avançadas, continuavam a servir de forma importante a vida democrática do país.
Quando tudo isto se combina,
dores privadas, perdas e choques profundos que servem para nos recordar a
fragilidade da condição humana, o verão torna-se voraz. Mas não só o nosso
verão está sendo tenso, pois enquanto nós estamos no verão, no hemisfério norte
estão em pleno inverno e esse inverno também tem sido dificílimo, mas mais do
que por catástrofes naturais, tem sido por ação humana.
Na verdade, o mundo não vai
bem, estamos chegando ao 1.º ¼ do século XXI com um forte fosso entre o
progresso científico e tecnológico e um esvaziamento da democracia, da
convivência social, da tolerância e da densidade moral.
Vivemos duas guerras
sangrentas, uma causada pela cultura anacrônica czarista cuja ambição cresce
cada vez mais e está pronto para repristinar o poder da Rússia, para semear
cadáveres na Ucrânia e causar a morte dos seus adversários internos.
O conflito entre Israel e o
Hamas surge hoje sem solução, pois ao cruel e inaceitável terrorismo do Hamas
juntou-se uma resposta brutal e desproporcional do grupo da liderança israelita
liderado por Netanyahu, longe em tudo do espírito das bases fundadoras de
Israel.
As vozes que exigem
consideração não são ouvidas, quer venham do Vaticano ou dos EUA, ou de qualquer
outro lugar. Como conseguir um mínimo de acordo entre duas realidades políticas
que negam à outra o direito de existir?
É muito desanimador olhar
para um futuro em que a situação atual poderá não só continuar, mas também
piorar.
Quem em sã consciência consegue
imaginar uma situação como a atual em que, diante do autoritarismo, uma das democracias
mais antiga do mundo fosse governada por Trump?
Os países democráticos e a
comunidade internacional como um todo não podem parar de combater o desânimo,
devem trabalhar por uma solução pacífica e justa para as guerras em curso.
Neste cenário mundial, nós, brasileiros, devemos refletir seriamente sobre como
viver juntos.
É claro que habitamos um
território complexo e que exige muita resiliência, o que nos obriga a ter
instituições fortes e que funcionem.
Não podemos avançar com um
conflito social exacerbado. Com uma visão polar, concebendo o público e o privado,
a criação de riqueza e o bem-estar social como questões avessas. Ao longo desse
caminho tortuoso, o nosso potencial se recolheu.
Os problemas que enfrentamos
inclusive o da segurança pública são muito difíceis de enfrentar, ao mesmo
tempo em que são urgentes e complexos passa pela estrutura urbana e rural da polícia
e da justiça, passa por uma coordenação que não deveria estar sujeita ao
interesse político e imediato.
É importante e louvável a
simbologia republicana demonstrada pela nota de pesar do Presidente Lula com a
perda do ex-Presidente conservador Sebastián Piñera (1949-2024), do Chile, que não
deveria passar despercebida, exceto para aqueles para quem está simbologia não
faz sentido porque não se enquadra no seu fanatismo e mesquinhez.
A oposição faz um mau
trabalho ao se comportar atávica nas suas posições; a negação mútua de “sal e
água” nunca trouxe progresso e coexistência democrática em lugar algum e em
qualquer tempo histórico. É verdade que talvez seja tarde para que esta
abordagem seja ouvida porque o ambiente já começa a ser eleitoral e as eleições
exigem que se destaquem as diferenças, mas os partidos e os candidatos deveriam
aprender a olhar mais de perto as pesquisas de opinião que mostram uma ampla área
a meio-termo no país e que deseja ver avanços, mesmo que paulatinos e não reconstrutivismos
e/ou regressismos.
Quem sabe se o sucesso desta
vez estará do lado de quem fala com sensatez, para o bem do Brasil.
5 de março de 2024
[1] Presidente do Conselho
Deliberativo da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya
Educacional e da UniverCEDAE.
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