sábado, 30 de março de 2024

ESPECIAL - 1964/2024 - NÚMERO 06

Tropas do Batalhão Anhangüera REC-TC marcham de volta para a capital, após mobilização no dia 31 de março de 1964, dia do golpe militar

Foto: Acervo Estadão / Estadão

1964: A luz da longa duração

Pacelli H S Lopes

 

          Em 31 de março de 2024, o Golpe Civil-Militar de 1964 fará 60 anos. Diante das atuais disputas narrativas, é crucial para nós, historiadores, reafirmar a importância de não analisar fatos históricos isoladamente, para evitar um mundo despolitizado.

          Por essa razão, é necessário conectar a curta duração dos fatos de 1964 a média e longa duração que constituem a história nacional. Precisamos refletir: Como o ano de 1964 se liga a 1822, 1889 e a 1930? Algumas ações dos atores envolvidos nos antecedentes que levaram a 1964 e nas suas consequências nos permite compreender os vestígios da longa duração?

          Em um percurso tortuoso para nossa república chegamos aos idos de 1964. Nos primeiros anos do governo militar a conclusão que se poderia ter era que a nossa predileção pela revolução passiva terminou. Isso ocorreu devido à reforma liberal dentro do Estado, que valorizava o mercado em vez do setor público, procurou despolitizar a economia e abandonar uma política externa independente. Outra conclusão possível, no caso da observação se restringir aos primeiros anos do regime, é a de que a tradição ibérica teria chegado a seu fim.

          A antítese do regime surgiu de sua própria modernização conservadora, incitando estudos e necessidades para superar o autoritarismo, visando a restauração da democracia. A superação do regime ditatorial não foi resultado de revolução armada, mas sim de negociações entre vários atores, através de uma frente ampla, culminando no retorno da democracia.


Escolhemos analisar a vida de Afonso Arinos de Melo Franco[1] que durante sua trajetória demonstra como a longa duração, esse tempo lento e quase imperceptível é um imperativo nas nossas vidas. Nascido em Belo Horizonte em 27 de novembro de 1905, Arinos faz parte de uma linhagem consagrada de políticos e intelectuais brasileiros.

          Destacou-se como professor de história e direito constitucional em várias universidades. Trabalhou no Banco do Brasil, foi Ministro das Relações Exteriores em 1961 e Diretor do INDIPO na Fundação Getúlio Vargas. Além disso, atuou como deputado e senador em diferentes períodos.

          Interessamo-nos pelas posições políticas do ator de tradição ibérica no século XX. Cofundador da UDN e autor do manifesto inaugural, este criticou fortemente o Estado Novo. Em 1947, opôs-se à cassação dos mandatos do PCB, contrariando a maioria da UDN.

          Este foi contra a eleição de Juscelino Kubitschek, já o seu apoio a Jânio Quadros o permitiu alçar a posição de Ministro das Relações Exteriores. Como ministro, ele promoveu uma nova política externa brasileira. Abandonou o alinhamento automático com o bloco ocidental e defendeu o restabelecimento de relações com países socialistas, além do reconhecimento do governo de Fidel em Cuba.

          Ele condenava o colonialismo, defendia novas relações com África e Ásia e apoiava a desnuclearização. Depois da renúncia presidencial, retomou o cargo de senador e apoiou o movimento civil-militar de 1964, posteriormente, participou da fundação da Arena. Contudo, mudou sua posição após o AI-2. Em 1966, decidiu não buscar a reeleição. Como último ato, pediu uma reforma constitucional e sugeriu a adoção do parlamentarismo em 1971.

          Este criticou fervorosamente o Ato Institucional n.º5 (AI-5), considerado por ele como o maior exemplo de autoritarismo na história do país. Durante os anos 80, ele se empenhou em pesquisas voltadas para os problemas nacionais e defendeu mudanças democráticas. Apoiou Tancredo Neves, tornou-se senador da Assembleia Nacional Constituinte e se sobressaiu ao organizar trabalhos e defender o parlamentarismo.

          Hoje infelizmente a crise da democracia não assola só o nosso país, ela está alastrada por várias partes do globo. Porém, para entendermos o tamanho da nossa crise republicana teremos que compreender a história nacional, bem como, olhar a história pós — constituinte de 1988. A importância da longa duração e da conexão de 1964 a outros eventos históricos é salutar para nossa democracia.

          É vital que conservadores e progressistas entendam a história política e social do Brasil, em particular o evento de 1964, para evitar associação com grupos antidemocráticos, independentemente do matiz político. A vida do conservador Afonso Arinos de Melo Franco evidencia a persistência da cultura política udenista em Minas Gerais, que favorece candidatos outsiders em eleições recentes. Contudo, o equilíbrio do fiel da balança reside no conservadorismo republicano. Assim, não precisamos esquecer ou reescrever ao sabor das ideologias a história nacional, empenhamos sim, por aprender com 1964 e tornar perene e fortalecida uma cultura política para uma frente ampla e democrática.



[1] CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL. Afonso Arinos de Melo Franco. In: _____. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Disponível em: <https://www18.fgv.br/CPDOC/acervo/dicionarios/verbete-biografico/afonso-arinos-de-melo-franco> Acesso em: 28 mar. 2024.


sexta-feira, 29 de março de 2024

ESPECIAL - 1964/2024 - NÚMERO 05

Os 60 anos do Golpe de 1964 e a leitura do mundo real

Marcio Junior[1]

Para o saudoso Mestre Raimundo Santos.

 

Era 2019 quando estive sentado diante de Raimundo, meu orientador à época e com quem costumava almoçar com frequência, ele compartilhou algumas memórias de Golpes de Estado que, enquanto brasileiro, acompanhou. Segundo ele, o Golpe Militar no Brasil, em 1964, terminou por levá-lo a, com visual limitado da posição em que estava, em cima do muro da casa onde viveu em Santiago, o bombardeio ao Palácio de La Moneda, o da Presidência Chilena, que deu início ao regime autoritário naquele país. O Golpe no Chile completou 50 anos no ano passado enquanto o nosso completa 60 anos neste. Nosso país vizinho, talvez com maior dificuldade do que nós, também precisa ainda lidar com as consequências do acontecido lá.

Este exemplo biográfico ganha mais peso quando nos vemos agora, em 2024, em um mundo em que, além de não termos - a quatro anos - mais Raimundo, não temos também boa parte dos frágeis alicerces que o mundo de 2019 ainda procurava se sustentar e que a pandemia de COVID-19 fez questão de acelerar seus fins. Para além daqueles que se foram pelas complicações da convalescência causada pelo vírus durante a emergência sanitária (que não vitimou o Mestre), esta também levou diversos elementos que compunham o modo de vida de muitos no Brasil.

Desta, se mostra um cenário sombrio de falência educacional e empregatícia, resultando em falta de perspectivas sobretudo para a juventude, principalmente no que diz respeito aos seus futuros. Esta, que termina por cair nas armadilhas da percepção de que bastaria o apetite individual (envolto de uma profissão de fé relativa à formas de socialização que cada vez mais se fortalecem dentro e fora das Igrejas Evangélicas) para não apenas sobreviver, mas sim viver com máxima abundância afim de satisfazer ao máximo seus impulsos, sofreu uma queda brusca ao se deparar com uma realidade que, a rigor, revela que não há salvação enquanto não haver política feita a partir do bom diagnóstico das circunstâncias, habilidade que Maquiavel chamou atenção.

Com a publicação de A Revolução Brasileira em 1966, Caio Prado Junior (autor de predileção de Raimundo, junto com Habermas) buscou fazer um balanço crítico das forças de esquerda na conjuntura de 1964. Já em plena ditadura, Caio Prado Junior fez um balanço da fácil derrota da democracia naquele momento, na medida em que busca, de forma programática, dar um sentido prático à uma interpretação do processo de longo curso brasileiro, marcado por uma formação que dispôs os trabalhadores rurais como núcleo impulsionador das transformações sociais e, portanto, as forças produtivas que, pela sua face moderna advinda da nossa escravidão, deveriam ser incorporadas ao capitalismo afim de se fazer uma modernização de tipo diverso à aquelas ditadas pelo passado colonial ainda vivo.

Desta interpretação deriva a orientação em direção a um desabrochar das forças trabalhadoras tendo como principal via a dos sindicatos rurais, com apoio do regramento presente no Estatuto do Trabalhador Rural (sancionado em março de 1963), na medida em que a universalização dos direitos sociais seria o instrumento correto para responder a uma realidade cujo diagnóstico não seria a da luta pela terra, interpretação advinda da compreensão da história brasileira que via o homem rural do país enquanto um ator de tipo anacrônico.

A falta de aderência à realidade de tal programa foi, na interpretação de Caio Prado Junior, fundamental para a derrota da democracia em 1964. Este programa haveria de se revelar irrealista enquanto não percebia, no processo de longa duração em curso, a modernização ocorrendo ao nosso modo e demandando que este modo fosse interpretado por ele mesmo, e não na importação de modelos externos enquanto base para a formulação de programas partidários.

Ler é uma atividade que tem, como condição mínima para ser bem-feita, a devida contextualização no tempo e no espaço. Dito isso, sempre é de interesse dos derrotados avaliar em que pé ficou a conjuntura, o que passa pela compreensão dos erros cometidos e de como superá-los. Essa perícia básica, que está entre as habilidades necessárias ao ator que deseja definir a vitória e a derrota da grande política, tem nos faltado mais do que nunca. Novamente estamos diante de entendimentos que estão pouco alicerçados na realidade objetiva; O estudo histórico, e não só, de 1964 passa, também, pela compreensão de que, por mais dolorosas e áridas que tenham sido as suas consequências, devemos aprender com ele. Como dar conta de tal tarefa em plena falência de uma educação que nada indica que ressuscitará?



[1] - Doutorando em Ciências Sociais em Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade pela UFRRJ, Consultor Educacional da Teia de Saberes e responsável pelo Treinamento e Desenvolvimento Profissional da Cedae Saúde.

ESPECIAL - 1964/2024 - NÚMERO 04


Sessão da Câmara dos Deputados negou autorização para que Márcio Moreira Alves (MDB) fosse processado por injúria às Forças Armadas, em 12 de dezembro 1968 | UPI

“60 não é meia dúzia”[1]: conciliar não é esquecer ou se submeter

Alexandre Vinicius Nicolino Maciel

 

Em primeiro de abril de 1964 foi deflagrado no Brasil um golpe de Estado que depôs o  presidente João Goulart. A partir desse golpe, executado pelos militares, mas orquestrado em conjunto com diversas classes civis, o Brasil mergulhou numa ditadura cruel que matou, torturou, sequestrou, exilou e limitou vidas e trajetórias. Durante 21 anos o Brasil teve como presidentes generais do exército que foram eleitos de forma indireta, num período eleitoral no qual o Brasil tinha somente dois partidos, Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido governista, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que representava uma oposição consentida. No jargão mais popularesco, eram os partidos do “Sim” e do “Sim, Senhor”, indicando que a oposição clara e manifesta ao regime de forma institucionalizada, inexistia.

É importante reforçar que no mesmo período em que a ditadura brasileira se desenrolava, alguns vizinhos sul-americanos também passavam o mesmo drama. Nutridos pela dinâmica estadunidense da Doutrina de Segurança Nacional e pelas dinâmicas geopolíticas da Guerra Fria, Argentina (1966-1970 e 1976-1983), Chile (1973-1990), Paraguai (1954-1989), Peru (1968-1980) e Uruguai (1976-1983) também sofreram com regimes de exceção marcados por muitas mortes, torturas, prisões e desaparecimentos. A comparação entre esses regimes de modo algum pode reduzir o caráter ditatorial de uma ou outra experiência, ou ainda, considerar que algum regime, por ter um número menor de mortes causadas pelo Estado, se abrisse a possibilidade de ser classificado como ditabranda, como já fizeram com o regime brasileiro em algumas oportunidades.[2] Esse tipo de eufemismo reverbera o modo pelo qual os arquitetos do golpe o tratam desde a execução do movimento. A Revolução de 64, dada em 31 de março, nas palavras deles, buscou expurgar do Brasil as células que tornariam o país uma “Grande Cuba” e teoricamente, reforçou que nas palavras deles, não matou tanto opositor assim, pois “ao terminar a ditadura, a cultura como um todo (professores, mídia, literatura, filosofia, ciências humanas, artes, os principais partidos políticos) se revelou completamente de esquerda.”[3]

Ulisses Guimarães (MDB) enfrenta os cães na Ditadura Militar

Em nível acadêmico os debates sobre o período já se encontram consolidados. Inúmeros trabalhos acadêmicos já exploraram, e continuam a explorar o alargamento da ditadura para além da política institucional e dos atos repressivos, debatendo a atuação dos golpistas na música, na TV, nos esportes, na educação e em outros contextos sociais. Todavia, é preciso pensar no como a população em geral vê o período da ditadura, ainda mais num contexto de ebulição política e clamor constante por intervenções militares por partes de ditos conservadores (golpistas). Não raros são os vídeos dos acampados nas portas de quartéis que conclamam a volta dos militares ao poder.

Esse modo deturpado de ver história pode ser visto também como uma herança do nosso processo de redemocratização. Como dito acima, no mesmo período em que sofríamos com a nossa ditadura, o Cone Sul da América Latina era um laboratório vivo da crueldade. É também num período similar que esses mesmos países retomam a democracia e aqui é necessário exercitar o método comparativo. Alguns processos de são vistos pela historiografia como processos realizados por rupturas, já o processo brasileiro é estabelecido por pactos.[4] Esse tipo de acordo permitiu que os militares e entes públicos e privados que se favoreceram da ditadura, continuassem livres e poderosos. Fato visível dessa força é o tão falado artigo 142 da Constituição Federal, que supostamente permitiria a intervenção militar.

Deputado Alencar Furtado (PR) cassado em 1977 quando era líder da Bancada do MDB
Seu filho foi assassinado em campanha no ano de 1978
Faleceu em 2021 aos 95 anos

Assim, é preciso que os debates sobre a ditadura empresarial-militar no Brasil ultrapassem os espaços acadêmicos e se tornem comuns nos espaços públicos do país. É preciso desnaturalizar a ideia de que os militares salvaram o país do comunismo e que na “época deles” não havia corrupção. Inúmeros estudos já comprovaram o contrário, mas eles precisam chegar à base da sociedade. Para além, disso, utilizando-se dos pilares estabelecidos pela Justiça de Transição[5] é preciso avançar em políticas públicas de memória e Justiça. Assim, é preciso que o Estado se pronuncie em questões acerca da ditadura e possibilite a criação de espaços de memória, tal quais outros países possuem. Não em tom de revanchismo, mas em busca de memória e justiça. Os sessenta anos do golpe nos recordam que é preciso avançar, mas não esquecer. Pois, conciliar não é o mesmo que esquecer ou se submeter.



[1] O título faz referência ao evento organizado pelo instituto Coalizão Brasil em referencia aos 60 anos do golpe de 1964.

[2] LIMITES a Chávez. 2009. Folha de S. Paulo, Editoriais, 17 fevereiro 2009. Disponível em : < https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1702200901.htm >. Acesso em: 9 julho 2020.

NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da História do Brasil. São Paulo: LeYa, 2009. [recurso digital]

[3] PONDÉ, Luiz Felipe. Guia politicamente incorreto da filosofia. São Paulo: Leya, 2012. 232 p [recurso digital]

[4] FRIDERICHS, Lidiane Elizabete. Transição democrática na Argentina e no Brasil: continuidades e rupturas. AEDOS, Porto Alegre, v. 9, nº. 20, p. 439-455, Agosto, 2017.

[5] A justiça de transição é composta por quatro elementos ou pilares. São eles: (1) o direito à memória e à verdade; (2) as reformas institucionais; (3) as reparações simbólicas e financeiras; e (4) a responsabilização por atos praticados no período autoritário.

quinta-feira, 28 de março de 2024

ESPECIAL - 1964/2024 - NÚMERO 03


Um tanque de guerra do Exército em frente ao Palácio da Guanabara no Rio de Janeiro em 8 de abril de 1964 (Foto: Arquivo/Estadão Conteúdo) 

1964 e a “bestialização” carioca

Em memória ao centenário de Lindolpho Silva

Vagner Gomes de Souza

 

1964 marca um profundo impacto para a antiga sede da Assembleia Constituinte de 1823, 1891, 1934 e 1946. Seu esvaziamento político institucional se aprofundou sob os parâmetros da perseguição política que muito atingiram cariocas e seus residentes como a memória do chamado “Massacre de Manguinhos” nos faz lembrar[1]. O Rio de Janeiro formado como a cidade da consolidação da unidade nacional em suas linhas tortuosas e ibéricas se abriu para uma “americanização” de seu subúrbio transformado num “Novo Oeste” americano ao Sul do Equador. Na expansão da ocupação do espaço urbano desordenado sob a égide de uma modernização conservadora muito de perversão do americanismo assolou a nossa cultura carioca.

A falta de autonomia da antiga capital do Império e da República não impediu que houvesse uma vida dinâmica se fizesse perceber nas favelas no pré-1964 com a dinâmica disputa política pela organização de seus moradores entre setores da Igreja Católica e os comunistas. As principais favelas cariocas, sob nossa medida, estavam se transformando com uma semelhança a longa disputa política entre a democracia cristã e os comunistas italianos essa é nossa hipótese que justifica as intervenções urbanas das chamadas “remoções” que fizeram emergir os conjuntos habitacionais de Vila Kenedy e Cidade de Deus.

A cultura do samba carioca no período anterior a 1964 estava em grande conflagração diante de inúmeros exemplos de agremiações com inserção de componentes com militância no PCB e que foram perseguidos ou se afastaram no decorrer da ditadura militar. O mesmo ocorreu no meio sindical carioca com a intervenção do Governo Federal em inúmeros sindicatos aonde podemos mencionar o antigo Sindicato dos Urbanitários do Rio de Janeiro que guardou uma marcante presença na participação e organização do comício de 13 de março de 1964.

Esses exemplos demonstram que a inserção da política não se limitava as fronteiras de uma classe média carioca e universitária. Nos distantes bairros de Campo Grande, Santíssimo e arredores, então Zona Rural da Guanabara, as mobilizações dos sitiantes e posseiros se faziam no intuito de organização dos trabalhadores rurais sob a liderança de um quadro dirigente do PCB, porém com muitas fontes que demonstram lideranças locais que submergiram ao silêncio talvez do medo[2]. Aliás, seguindo a nossa hipótese anterior, havia uma articulação entre os setores rurais do PCI e PCB acompanhado por Lindolpho Silva[3]. Assim, a chamada “grilagem” na atual Zona Oeste carioca ganhou mais força nos tempos da Ditadura Militar transformando a região num amplo espaço de nova orientação política. Os ventos da modernização conservadora fez emergir uma sociedade carioca “bestializada”.

Consequentemente, diante das investigações sobre o assassinato de uma Vereadora e seu motorista no ano de 2018, há muito dessa sociedade que se fez emergir como “besta-fera” diante da “bestialização” até na formulação de políticas daqueles que se encontram na chamada esquerda carioca muito prisioneiras das imagens sem perceber que o Rio de Janeiro é um mundo político das mediações. Um “coronelismo contemporâneo” de lideranças políticas decadentes diante do fator religioso do neopetencostalismo.

1964 fez com que tenhamos uma sociedade aliada a esse processo de política degenerativa, pois o “mercado do crime” que no seu mutiverso tem o “mercado da fé”. A representação da política democrática se faz pelo espelhamento com um uma estranha desconfiança das instituições e maior individualização das manifestações políticas hipermodernas. As mobilizações sociais foram capturadas por um “mercado do identitarismo” que criou uma “reserva de cargos comissionados” a militância política desconectada com os cariocas do dia a dia. Formando um “vazio político” ocupado pelas forças políticas reacionárias uma vez que as análises daquilo que chamam esquerda carioca parecem moldadas na “Ágora da Praça São Salvador ouvindo uma Mafalda”.

Não se percebeu que 1964 fez emergir um laboratório do pinochetismo no submundo do crime desde com suas chacinas executadas por agentes do Estado. O Rio de Janeiro é a hiperatividade do neoliberalismo. Sociedade pura na matriz do interesse individual. A ideia de Estado se foi no “chaguismo” ao mapear politicamente o universo da cidade. A fusão, implementada na Ditadura, esvaziou ainda mais a vida política do Rio de Janeiro pois se fez na égide do clientelismo e com as ações do “Mão Branca” na Baixada Fluminense. Faltam mais estudos recentes no mundo acadêmico fluminense sobre esse processo.

Logo, o bolsonarismo não é nada no Rio de Janeiro e paradoxalmente ele é tudo, pois ele se alimenta desse esvaziamento da política na sua postura antipolítica. Portanto, para ficarmos num problema de comportamento político que nos interessa, se a família Brazão é mais uma no mosaico da Zona Oeste carioca, o “caso do Bairro de Campo Grande” é a demonstração de que a hipótese do “lulismo”, segundo André Singer, se tornou uma pura noção conceitual, pois os interesses se uniram aos intermediários que de “Escritório do Crime” alimentam o “Escritório do Voto”. 




[1] O Massacre de Manguinhos foi um caso de expurgo político ocorrida no então Instituto Oswaldo Cruz (IOC) - hoje unidade técnico científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - durante a ditadura militar brasileira. Dez cientistas do IOC/Fiocruz foram cassados em 1º de abril de 1970 com base no Ato Institucional n.º 5 (AI-5).

[2] Voz Operária, Edição 213, 1953, página 8. https://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=154512&pagfis=2416 Consultado em 28 de março de 2024.

[3] Cf. https://journals.openedition.org/nuevomundo/69678 (Consultado em 28 de março de 2024).




quarta-feira, 27 de março de 2024

ESPECIAL - 1964/2024 - NÚMERO 02

60 anos do Golpe Militar 

Giovana Freire, Valença-Rj

1964 poderia ser o primeiro ano do voo de um Conde Chileno[1], sinceramente nunca foi apenas um regime. Um golpe articulado pelas diretrizes da época que resultou em mais ou menos 434 pessoas mortas ou desaparecidas, fora as que foram torturadas ou privadas de seus direito diante dessa ferida que segue sem muita reflexão histórica na nossa República Federativa.

Em nossa pesquisa, relembremos o relatório “Brasil: Nunca mais”[2] que enumerou pelo menos 1918 prisioneiros políticos que testemunham terem sido brutalmente torturados entre (1964-1979), este documento -  elaborado sob apoio da CNBB - descreve duzentas e oitenta e três diferentes formas de torturas utilizadas pelos militares durante a ditadura.

Além de ler e estudar sobre, fui atrás de pessoas que viveram durante tal regime, ouvi relatos de pessoas próximas, e infelizmente só após essas pesquisas veio ao meu entendimento que sou neta de um jovem nascido em 1953 que tinha 11 anos quando tudo começou e sou filha de uma criança que tinha 8 anos quando a ditadura acabou.

Tendo por início da derrubada do então presidente João Goulart em menos de um mês do Comício da Central do Brasil (13 de março de 1964). Provavelmente, foi um fato história de nossa democracia pouco se estuda. Além disso, poderemos mencionar como relevante que o Marechal Humberto Castelo Branco ter sido decisivo na articulação de um Golpe com apoio de civis.

Portanto, que tais desvios da trilha democrática nunca mais se repitam. Ainda mais diante do que foi o 8 de janeiro de 2023 com a tentativa desastrosa e criminosa dos apoiadores  do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro[3], nem tão pouco a pouco estudada depredação de 24 de maio de 2017  em que o vandalismo imperou em alguns Ministérios do Governo precedente ao de Bolsonaro o que motivou ao presidente temer a solicitar a convocação de forças do Exército[4]. A complexidade do tema se refere a intuição do protagonismo militar um ano antes da questionável intervenção na Segurança Pública do Rio de Janeiro. As palavras de ordem “Intervenção Militar Já” e “Diretas Já” pouco sentido se faz sem uma melhor pesquisa das fontes primárias em questão.

Infelizmente mesmo após tanto anos do 1964 nada foi devidamente feito para reparação de tais fatalidades impostas. Vivemos e ignoramos todo o ocorrido desse capítulo obscuro da história brasileira. Como uma jovem nascida 17 anos após 1985 eu nasci dezessete anos após o (fim da Ditadura Militar), todas as vezes que eu ouvi a respeito  ao tema era ou com ar de desdém, ou com dores e medo da época. Por anda o papel dos intelectuais sobre o tema na Educação Básica?

Nossa Constituição de 1988 deve ser de fato um marco e não apenas mais um alvo de novos golpes, queimas, torturas, massacres e chacinas violentas ao povo Brasileiro. Eu sei que sou jovem mais como uma pessoa que está graduando para lecionar, gostaria que todos os ensinamentos fossem expostos de maneira nítida e clara.

Que nossos posicionamentos políticos não sejam mais vendas, mas que sejam pontes que todo o extremismo e radicalismo sejam “vacinado” e erradicado de nosso país. Tempos de moderação aprendendo com o passado nosso passado, os mortos tem mais conhecimento do que os vivos diria uma percepção de um livro sobre o golpe de Napoleão III. Então, não vamos nos esquecer dos que morreram por não aceitarem a nossa República a ser fazer na Cidadania.

Sejamos todos uma nação instruída, para não nos permitir cometer os mesmo erros e passar pelas mesmas situações que como diz em nossa bandeira que haja “Ordem e Progresso” e que Deus abençoe o Brasil; não só hoje como nossa pátria amada sempre e, amém!

segunda-feira, 25 de março de 2024

ESPECIAL - 1964/2024 - NÚMERO 01

1964: seis décadas depois

John Lennon

  

Ao optar pelo silêncio oficial, sobre uma reflexão dos 60 anos da ditadura militar ou cívico-militar, sobrou para os autores políticos, formadores de opinião, especialistas no mundo universitário, estudantes, seja lá quem for, é de suma importância falar sobre 1964. É de se assustar pelo tal silêncio, do Governo com disposição para se desalinhar no anacronismo histórico no uso da expressão do Holocausto na acertada crítica a ausência de um cessar fogo nos conflitos em Gaza que está a tirar vidas de inocentes.

O silêncio é uma perda de oportunidade para expor aos mais jovens o que foi essa época dura, aonde a censura, autoritarismo reinava. A ausência da memória da História é um ponto que desafia a nossa Democracia. Como explicar a um jovem, que com o seu celular, tem total liberdade, para opinar, fazer perguntas, pesquisar, e se expressar, o que de fato rolou em 64?

Para os nascidos nos anos 90 já é de grande dificuldade tal assunto, quem dirá para essa geração que nasceu no berço da tecnologia. Porém a história está aí, não tem como fugir. Esses jovens que viram o que foi 2022 estão reféns de uma polarização avaliam o passado com linhas tortuosas.

O que deixou marcado para a história brasileira nesses anos turbulentos, foram as práticas de torturas, mortes, perseguição, opressão, mas outras marcas não se apagam, a geração artísticas, a própria Igreja, estudantes, imprensa, intelectuais, entre outros, fizeram uma pressão para as Diretas já, deixando um legado que hoje se pode ter essa liberdade.

Tanto em 1964 quanto em 2022 houve uma presença de setores religiosos favorável a uma ditadura, ou seja, sair da trilha democrática para reintroduzir os passos conservadores. Contudo, muitos se arrependeram por apoiar o Golpe 64 uma vez que as forças conservadoras se distanciam das forças reacionárias. Observo, o mesmo fenômeno na atualidade aonde muitos se desligando da polarização, porém não encontrando acolhida nas forças centristas por inúmeros motivos.

Portanto, as lições dos tempos contemporâneos, fazendo um paralelo entre os 21 anos de Ditadura Militar e os tempos atuais, é que para se construir uma Frente que se encaixam todos que está disposto a virar essa página de anos turbulentos, isso inclui todas as alas, seja os conservadores em suas diversas matrizes, a direita democrática, os setores empresariais, que fogem de um radicalismo, que muitos abraçaram a necessidade de uma estabilidade política sem a necessidade de uma “política do espetáculo”. Caso não faça uma reflexão do passado, a derrocada da Democracia é logo ali. Temos os sinais das forças obscuras rodeiam a Democracia. Testemunhamos o retorno do Trumpismo nos EUA com o eleitorado hispânico e negro omisso ou aderindo e a Argentina com Milei apresenta índices de aprovação acima de 50%.

E com tal polarização, não ganhamos nada, só a radicalização que ganha espaço, dado que a antipolítica é um argumento que se pega e espalha rápido, há sempre um fantasma a ser enfrentado, e o nosso é a Ditadura Militar, que tem que ser sempre lembrado, como anos turbulentos.

sábado, 16 de março de 2024

SÉRIE ESTUDOS - AGUARDANDO O OTIMISMO DA VONTADE


Mega-Tretas


Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Mega-ameaças: dez perigosas tendências que ameaçam nosso futuro e como sobreviver a elas, do turco Nouriel Roubini. Tradução de Maria de Fátima Oliva do Couto; Revisão técnica de Andreia Marques Duarte. São Paulo: Crítica, 2023.

 

Quando em 2010 foi publicado A grande aposta, de Michael Lewis onde ele mostra que pouquíssimos tinham visto o que se passara nos anos anteriores e foram incapazes de prever a crise de 2008. Dado esse número ínfimo de pessoas que viram o que se aproximava, nada tem de surpreendente que não estejamos mais bem preparados do que agora.

Nouriel Roubini foi um dos poucos que conseguiu ter emitido avisos terríveis, em 2006, de que o mercado hipotecário subprime nos EUA era um acidente à espera de acontecer o pior e que quando a bolha arrebentasse estaríamos num mundo de dor. Ele ganhou o apelido de “Dr. Destino”. Roubini faz isso diversas vezes, embora prefira descrever-se como “Doutor Realista”. E em Mega-ameaças ele está de volta.

Mas não há nada remotamente alegre em suas advertências. Ele vê sérios problemas pela frente. As dez tendências distintas que ele identifica podem parecer um pouco megalomaníacas. Só que não. Começa com o rápido crescimento da dívida, que, após uma pausa pós-crise, recuperou-se com força, estimulada pela flexibilização quantitativa. Isto leva a uma discussão sobre a instabilidade financeira, da qual a dívida é uma das causas. Nesta mistura entra o envelhecimento da população, que pesa sobre o crescimento da produtividade e sobre as finanças públicas, cria-se uma bomba-relógio demográfica. As responsabilidades com aposentadorias e pensões revelar-se-ão um enorme problema para os governos num futuro próximo.

Passando das finanças para a política, Roubini acredita que a globalização está, na melhor das hipóteses, em compasso de espera. Ele não é tão pessimista como alguns outros, que veem barreiras comerciais a serem erguidas por todo o lado, mas o cenário mais otimista é o da “desaceleração”. A política chinesa mudou claramente, e não no bom sentido. Temos de reconhecer que a China está no caminho para se tornar a potência dominante mundial.

Ele acrescenta as alterações climáticas a este complexo de problemas. Os que negam as alterações climáticas têm explorado incertezas marginais na comunidade científica para resistir a uma ação eficaz e colocar-nos no caminho equívoco de um aumento de temperatura de pelo menos dois graus. O impacto será devastador.


Este pode parecer um território familiar, mas Roubini acrescenta outro ingrediente preocupante: a inteligência artificial (IA). A IA tornará muitos, muitos trabalhadores dispensáveis. Um pequeno número de trabalhadores de grande conhecimento no topo da pilha sobreviverá à revolução da IA. A maioria dos outros não tem as competências necessárias para competir, pelo que o desemprego e a desigualdade de rendimentos seguiram aumentando acentuadamente.

Os dez fenômenos interagirão claramente entre si. Roubini tenta esboçar o futuro que resultará. É uma visão dantesca. A inflação fará subir as taxas de juros, o que levará as economias à recessão e conduzirá à “Grande Crise da Dívida Estagflacionária”. Este será o pior período de estagflação que o mundo já viu. Ele não concorda com as previsões de aterrisagem suave apresentadas pela Reserva Federal (FED) dos Estados Unidos da América (EUA). A realidade estará em algum lugar entre um pouso forçado e um acidente de pista em grande escala.

E isso é apenas o começo dos nossos problemas. O persistente déficit comercial dos EUA e a forma como os EUA transformaram o dólar em arma, através de sanções e outros meios, resultarão no fim da hegemonia financeira norte-americana. A introdução da moeda eletrônica pela China acelerará o seu declínio e os EUA enfrentarão uma aliança entre a China, Rússia e o Irã, e muitos outros países que aderirem a ela. Outras crises serão precipitadas por este coquetel. A Itália pode ir à falência, levando ao colapso a união econômica europeia. Enfrentamos uma viagem acidentada numa noite muito escura.

Então, o que deve ser feito? Os últimos capítulos de Roubini são cuidadosamente singelos. Ele sugere que os investidores devem aumentar a proporção dos seus ativos detidos em dinheiro. Isso faz sentido, mas não vai impedir o aquecimento do planeta. A mudança tecnológica pode ajudar, mas as tecnologias que podem retardar o aquecimento global parecem ainda estar muito distantes. A renda básica universal poderia ser uma resposta à corrosão da IA, mas apenas se conseguirmos fazer com que a economia seja sustentável. Enquanto isso, fechar as escotilhas pode ser o melhor que podemos fazer.

Roubini é sempre provocativo e instigante. Mega-ameaças têm ambas as características em abundância. Ele tem menos segurança na Europa do que nos EUA. Mesmo assim ele mostra que o populismo anti-UE e anti-Euro não está aumentando. As sondagens têm dito o contrário, e o flerte da Sra. Le Pen e da Signora Meloni com as políticas anti-Euro não duraram muito. As últimas sondagens mostram que o apoio público ao Euro está no seu nível mais elevado.

Mas estas são queixas. A principal tese de Roubini, de que temos vivido acima das nossas possibilidades, confortados por uma visão de mundo Panglossiana, que precisamos mostrar seus pés de barro. Afinal, ele já esteve certo antes e nada nos aponta o contrário agora.

 

14 de março de 2024



[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.




terça-feira, 12 de março de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 035 - CHEGA SURPREENDER

O resto é engodo

Vagner Gomes de Souza

 

Quem vai ter um “papo reto” com a juventude? A quatro anos do anúncio da pandemia da COVID 19 pela OMS ainda muito temos que falar sobre o segmento da juventude que estaria na faixa de 16 a 34 anos. Nos primeiros momentos, tinha-se a ilusão que esse segmento estaria imune de níveis de letalidade. Apesar de muitos esforços em contrário, foi um segmento que pouco se apercebeu do que estava a ocorrer ao seu redor com as devidas exceções e aos casos de lutos familiares.

Uma parte desses jovens perderam momentos de convívio escolar num processo que impactou o desempenho escolar de muitos. Há um escandaloso “silêncio” sobre crianças e adolescentes que são analfabetos, ou seja, temos uma situação muito grave na educação. Não satisfeitos com isso, a implementação de uma reforma no ensino médio seguiu suas trilhas diante de alunos que estavam sem aulas no ensino fundamental. Escolhas ainda são feitas por jovens que consideram que copiar trechos de um artigo seria estar expressando opinião. Temos um exército de copiadores como nos antigos mosteiros da Idade Média.

Aliás, é essa a sensação que muitos educadores percebem ao vivenciar o dia a dia escolar. Aulas de Ciências reduzidas ou sem conexão com o ensino de humanidades nos faz testemunhar jovens que não validam a importância da vacinação. O negacionismo da ciência dos setores extremados é compactuado pelos defensores de uma austeridade educacional com ajustes na grade curricular. A vida está muito pior para os jovens e acham que os estudos de Projeto de Vida seriam a melhor saída. Provavelmente, para as editoras que já vendem livros com para essa inovadora disciplina. Na Ditadura Militar, período que um em cada 10000 jovens não saberá definir o que foi esse momento da história brasileira, tinha Moral e Cívica e OSPB como se fosse a solução para formatar a sociedade de crescimento econômico, mas de profunda concentração de renda.


A concentração da riqueza é a marca de nossa modernização. Crescemos ainda hoje para além das previsões, porém não é para todo esse mundo paradisíaco da prosperidade. Não teremos prosperidade diante de um quadro de “morte” do emprego como vemos emergir das seguidas revoluções industriais. Hoje estamos numa transição que causa esse incômodo social que explica em muito as figuras extravagantes que aparecem no cenário político com grande simpatia entre o eleitorado da juventude. Afinal, fazer uma política pública voltada para os jovens não é como se fosse fazer um “pé de meia”. O que virá depois?

Sabemos que a leitura está cada vez mais perdendo espaço na humanidade. No nosso país, até aqueles jovens que gostam e amam os livros veem suas vidas podadas por uma ausência de uma Política Cultural que abra espaços para a leitura. Ler e compartilhar livros com aqueles que não podem ler. Uma ideia simples, mas temos um arquipélago de Editais de Cultura formando “caixotes identitários”. Editais para aqueles que tenham condições de fazer prestação de contas, ou seja, um conhecimento acima do adequado ou que contrate especialistas. E os livros possivelmente a compartilhar não gera um cargo comissionado sequer.

Cobramos a distância da juventude da prática e valorização da democracia. Tememos que tenhamos um “ovo da serpente” a se chocar. Mas, o que as forças do campo democrático tem feito para fazer um “papo reto” com esse segmento? As chamadas juventudes partidárias faliram com os atores políticos pois servem para renovar quadros de assessorias parlamentares ou de alguns órgãos do executivo. Temos uma Secretaria Nacional da Juventude que se silencia diante da falência da educação. Talvez achem que os jovens apareçam pelo número de likes marcadas por “bolhas” de si. Sejamos francos. Não há um sorriso para nossa juventude.

Se me vierem com números da Conferência Nacional da Juventude, muito facilmente se pode dizer que no “socialismo real” os números maravilhosos eram sempre divulgados. E, em 1989, de que lado estava a juventude do Leste Europeu? Fez seu salto para a abertura do capitalismo e entramos nos estagnados anos 90. Os jovens foram se envelhecendo e se entregando a uma “guerra de narrativas” se afastando da sua própria realidade. Individualização cada vez mais marcante e os atores pretéritos da juventude com “Escola de Líderes” de gabinetes. Então, um choque de realidade se fez presente no século XXI. Esse século que ainda não trouxe um momento de bons ares para a humanidade. Do fundamentalismo islâmico a outros que vieram a se somar. A juventude mundial cada vez mais se deixou levar por uma teia da morte.

A Inteligência Artificial é uma realidade cada vez mais próxima e há um ano alguns jovens ainda riam quando qualquer educador lhe dissesse que ela viria para ficar em suas vagas de emprego. A precarização do trabalho ainda é uma fase de transição para o fim desse universo para muitos, porém ainda querem nos colocar num debate sobre o “decolonial”, o “biopoder” ou outros devaneios. Na verdade, o silêncio dessa juventude agudiza o tema da democracia ainda mais diante do envelhecimento da população.