sábado, 11 de maio de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 038 - POLÍTICAS PÚBLICAS

Tania Rego - Agência Brasil

Democracia brasileira e diversidade identitária

Julio Lopes[1]

O que impediu que Ministérios orientados para questões de identidades coletivas vulneráveis no Brasil, tais quais os de Cidadania, Mulher, Igualdade Racial, Povos Originários e Cultura, zelassem pelo atendimento direto de idosos em serviços digitais públicos e privados, monitorassem pela paridade feminina nos concursos públicos em geral (incluindo os estaduais e mesmo municipais), regulamentassem as comissões de heteroidentificação racial para cotas populacionais já previstas (como as agora tradicionais universitárias federais), articulassem escoamento de produtos indígenas em feiras livres e de livros (especialmente com temáticas da negritude) para bibliotecas sociais já detectadas em favelas brasileiras ou sequer tenham incentivado à população em geral e por rede televisiva nacional, para a participação eleitoral (facultativa) na escolha dos conselhos tutelares municipais da infância e adolescência? Ou mesmo contribuíssem em destacar, favoravelmente, produtos e serviços de autoestima identitária (como salões de beleza especializados em tranças africanas de cabelos, por exemplo) na reforma tributária que, afinal, é o mote político geral do atual governo?

Foi o predomínio de um viés estreito sobre as pautas identitárias, fundamentais para que a brasilidade se assuma em toda sua diversidade nacional, porque ainda não percebeu que a reversão da exclusão social que caracteriza as identidades coletivas negativamente discriminadas no Brasil implica reverter, por sua vez, as relações sociais excludentes nas quais é cotidianamente produzida. Contrariá-las exige políticas públicas e sociais pela sua reintegração positiva às relações sociais renitentemente seletivas da branquitude, masculinidade, meia-idade, heterossexualidade, etc. É o mesmo viés que subestimou quão importante fora o movimento abolicionista, como ampla confluência nacional que não se limitou à negritude - aliando pretos como Luiz Gama a brancos como Rui Barbosa - com o erro político de desprezar o 13 de maio (dia da abolição legal da escravidão negreira pelo Brasil), como meramente devido à Princesa que decretou seu fim, em vez de ressignificar a data como vitória do abolicionismo brasileiro.

À maior magnitude ministerial, já adotada por qualquer governo federal no Brasil, de sua diversidade identitária pela Presidência da República, ainda precisa lhe corresponder um viés amplo e congruente com a amplitude política governamental da conciliação democrática que orienta o atual Executivo. Que conceba políticas públicas integrativas das identidades coletivas vulneráveis, na sociedade brasileira, garantindo lugares de escuta aos seus lugares de fala e sabendo que o reconhecimento de sua dignidade identitária consiste em relações sociais inclusivas nas quais outrem é integrado, mas sem desintegrar identidade alguma. Pois qualquer uma delas é relacional e, portanto, relativa a outra, cabendo às políticas públicas garantir sua diversidade recíproca.

Neste sentido, exceções positivas governamentais para identidades coletivas vulneráveis, nas quais elas não têm sido estreitamente concebidas em políticas públicas, foi o programa “pé-de-meia” para estudantes concluírem o ensino médio em escolas públicas e o recente agenciamento programado de etnoturismo indígena na Amazônia. A primeira sendo uma política social integrativa da adolescência pobre brasileira e a segunda de fomento para atividades econômicas turísticas que integrariam tribos nativas amazônicas a mercados nacional e internacional, concomitantemente ao seu fortalecimento identitário. Ambas são iniciativas exemplares do viés integrativo que políticas sociais identitárias devem assumir e o empreendimento indígena mencionado já devia inspirar até programas similares de assistência tecno-étnica para quilombos, lhes fomentando visitas turísticas no âmbito da auto-organização de suas festividades rituais.

Embora todas as demais identidades coletivas historicamente vulneráveis continuem necessitando de afirmação social, as das pessoas LGBTQIAPN+ ainda permanecem as menos promovidas no Brasil. Ao ponto de sua discriminação negativa ter problematizado até seu recenseamento nacional completo, durante a última coleta de dados pelo IBGE, através de ações judiciais intolerantes visando excluir as identidades transgêneros e as orientações não-heterossexuais de sexualidade pelas entrevistas. Cuja integração nacional exige, imediatamente e juntamente com o Conselho Nacional de Justiça, um maior monitoramento dos cartórios e incrementar a facilitação de alguns atos civis, específicos e fundamentais até para inserção nos mercados, como a formalização de uniões conjugais, pelas identidades brasileiras LGBTQIAPN+.

Por outro lado, apesar de sua vulnerabilidade individual exigir contínuas adaptações de equipamentos públicos e privados, as identidades coletivas do segmento populacional que porta deficiências individuais (físicas e/ou mentais) foram as de maior avanço, legal e institucional, pela profusão de legislações, especialmente locais, de discriminações positivas compensatórias. Dentre as quais podem ser destacados os Centros de Assistência Psicossocial, cujas atividades por pacientes em sofrimento psíquico já foram até objeto durante programa governamental carnavalesco (“Loucos pela diversidade”), então gerido pelo saudoso Sergio Mamberti dentro do MinC.

Enquanto a autonegação nacional da diversidade social brasileira tem suas tradições machistas, racistas, etaristas, heteronormativas e capacitistas desprezam participações femininas, negras, idosas, homossexuais, juvenis, transgêneros ou portadoras de deficiências individuais, as políticas públicas são mais eficientes quando visam reintegrações sociais delas que sejam inclusivas da pluralidade social e não adstritas somente à identidade coletiva, atualmente e negativamente discriminada. Como os desfiles LGBTQIAPN+ e os feitos durante o Carnaval brasileiro interpelam identidades distintas, tais quais as heterossexuais e brancas, até para aprenderem quanto uma convivência integralmente diversa é mesmo benéfica de todes.



[1] Foi consultor do zoneamento econômico-ecológico de Rondônia, é Pesquisador da Casa de Rui Barbosa e autor de “Brasil: a nação carnavalesca”


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