Democracia
brasileira e diversidade identitária
Julio Lopes[1]
O que impediu que
Ministérios orientados para questões de identidades coletivas vulneráveis no
Brasil, tais quais os de Cidadania, Mulher, Igualdade Racial, Povos Originários
e Cultura, zelassem pelo atendimento direto de idosos em serviços digitais
públicos e privados, monitorassem pela paridade feminina nos concursos públicos
em geral (incluindo os estaduais e mesmo municipais), regulamentassem as
comissões de heteroidentificação racial para cotas populacionais já previstas
(como as agora tradicionais universitárias federais), articulassem escoamento
de produtos indígenas em feiras livres e de livros (especialmente com temáticas
da negritude) para bibliotecas sociais já detectadas em favelas brasileiras ou
sequer tenham incentivado à população em geral e por rede televisiva nacional,
para a participação eleitoral (facultativa) na escolha dos conselhos tutelares
municipais da infância e adolescência? Ou mesmo contribuíssem em destacar,
favoravelmente, produtos e serviços de autoestima identitária (como salões de
beleza especializados em tranças africanas de cabelos, por exemplo) na reforma tributária
que, afinal, é o mote político geral do atual governo?
Foi o predomínio de um
viés estreito sobre as pautas identitárias, fundamentais para que a brasilidade
se assuma em toda sua diversidade nacional, porque ainda não percebeu que a reversão
da exclusão social que caracteriza as identidades coletivas negativamente
discriminadas no Brasil implica reverter, por sua vez, as relações sociais
excludentes nas quais é cotidianamente produzida. Contrariá-las exige políticas
públicas e sociais pela sua reintegração positiva às relações sociais
renitentemente seletivas da branquitude, masculinidade, meia-idade,
heterossexualidade, etc. É o mesmo viés que subestimou quão importante fora o
movimento abolicionista, como ampla confluência nacional que não se limitou à
negritude - aliando pretos como Luiz Gama a brancos como Rui Barbosa - com o erro
político de desprezar o 13 de maio (dia da abolição legal da escravidão
negreira pelo Brasil), como meramente devido à Princesa que decretou seu fim,
em vez de ressignificar a data como vitória do abolicionismo brasileiro.
À maior magnitude
ministerial, já adotada por qualquer governo federal no Brasil, de sua
diversidade identitária pela Presidência da República, ainda precisa lhe corresponder
um viés amplo e congruente com a amplitude política governamental da
conciliação democrática que orienta o atual Executivo. Que conceba políticas
públicas integrativas das identidades coletivas vulneráveis, na sociedade
brasileira, garantindo lugares de escuta aos seus lugares de fala e sabendo que
o reconhecimento de sua dignidade identitária consiste em relações sociais
inclusivas nas quais outrem é integrado, mas sem desintegrar identidade alguma.
Pois qualquer uma delas é relacional e, portanto, relativa a outra, cabendo às
políticas públicas garantir sua diversidade recíproca.
Neste sentido, exceções
positivas governamentais para identidades coletivas vulneráveis, nas quais elas
não têm sido estreitamente concebidas em políticas públicas, foi o programa
“pé-de-meia” para estudantes concluírem o ensino médio em escolas públicas e o
recente agenciamento programado de etnoturismo indígena na Amazônia. A primeira
sendo uma política social integrativa da adolescência pobre brasileira e a
segunda de fomento para atividades econômicas turísticas que integrariam tribos
nativas amazônicas a mercados nacional e internacional, concomitantemente ao
seu fortalecimento identitário. Ambas são iniciativas exemplares do viés
integrativo que políticas sociais identitárias devem assumir e o empreendimento
indígena mencionado já devia inspirar até programas similares de assistência
tecno-étnica para quilombos, lhes fomentando visitas turísticas no âmbito da
auto-organização de suas festividades rituais.
Embora todas as demais
identidades coletivas historicamente vulneráveis continuem necessitando de
afirmação social, as das pessoas LGBTQIAPN+ ainda permanecem as menos
promovidas no Brasil. Ao ponto de sua discriminação negativa ter problematizado
até seu recenseamento nacional completo, durante a última coleta de dados pelo
IBGE, através de ações judiciais intolerantes visando excluir as identidades
transgêneros e as orientações não-heterossexuais de sexualidade pelas
entrevistas. Cuja integração nacional exige, imediatamente e juntamente com o
Conselho Nacional de Justiça, um maior monitoramento dos cartórios e incrementar
a facilitação de alguns atos civis, específicos e fundamentais até para
inserção nos mercados, como a formalização de uniões conjugais, pelas
identidades brasileiras LGBTQIAPN+.
Por outro lado, apesar
de sua vulnerabilidade individual exigir contínuas adaptações de equipamentos
públicos e privados, as identidades coletivas do segmento populacional que
porta deficiências individuais (físicas e/ou mentais) foram as de maior avanço,
legal e institucional, pela profusão de legislações, especialmente locais, de
discriminações positivas compensatórias. Dentre as quais podem ser destacados
os Centros de Assistência Psicossocial, cujas atividades por pacientes em
sofrimento psíquico já foram até objeto durante programa governamental carnavalesco
(“Loucos pela diversidade”), então gerido pelo saudoso Sergio Mamberti dentro
do MinC.
Enquanto a autonegação
nacional da diversidade social brasileira tem suas tradições machistas,
racistas, etaristas, heteronormativas e capacitistas desprezam participações
femininas, negras, idosas, homossexuais, juvenis, transgêneros ou portadoras de
deficiências individuais, as políticas públicas são mais eficientes quando
visam reintegrações sociais delas que sejam inclusivas da pluralidade social e
não adstritas somente à identidade coletiva, atualmente e negativamente
discriminada. Como os desfiles LGBTQIAPN+ e os feitos durante o Carnaval
brasileiro interpelam identidades distintas, tais quais as heterossexuais e
brancas, até para aprenderem quanto uma convivência integralmente diversa é mesmo
benéfica de todes.
[1]
Foi consultor do zoneamento econômico-ecológico de Rondônia, é Pesquisador da
Casa de Rui Barbosa e autor de “Brasil: a nação carnavalesca”
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