sexta-feira, 5 de junho de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 9


Lula e Guilherme Boulos: duas lideranças populares em tempos de luta contra o autoritarismo no Brasil
 
Repensando a História do Antifascismo lendo Guilherme Boulos

Dedicado à memória de Carlos Lessa

Por Vagner Gomes de Souza

Guilherme Boulos é uma liderança política da esquerda que se consolida no cenário político nacional a partir de uma demanda muito importante em tempos de pandemia do COVID19. O acesso à moradia digna para os trabalhadores brasileiros nos grandes centros urbanos. Sua militância em São Paulo, principal epicentro da aceleração dos casos e óbitos na atual crise sanitária, nos faz refletir sobre um dilema weberiano na política: a ética da convicção e a ética da responsabilidade.

Sua pequena intervenção nas Redes Sociais “Diálogo com Luiz Eduardo Soares” (texto que reproduzo na íntegra na forma que recebi após esse artigo) tenta superar esse dilema em relação as próximas manifestações no domingo de 7 de junho. Seria simplismo uma polarização entre o líder do MTST (“ética da convicção”) e o autor de Elite da Tropa 1 e 2 (“ética da responsabilida”) diante de argumentos que partem de um sentimento comum de oposição a ascensão do tom autoritário do Governo Federal. O diálogo político entre ambos é muito importante porque politiza a natureza do que seria fazer parte de um movimento “antifascista” para além de animar as imagens de perfis nas redes sociais.

 O debate não é novo e a história da luta contra o fascismo sempre esteve aberta a diversas polêmicas sobre a melhor tática a ser feita. Exemplos históricos não faltam como na Guerra Civil espanhola (1936 – 1939) com aqueles que atribuem a derrota para o “franquismo” ao excesso de “moderação” enquanto que outros atribuem ao excesso de “radicalização”. Contudo, não é esse o momento de fazer uma dissertação sobre as teorias políticas que sustentam essa diversidade uma vez que desejo simplesmente me reter aos fatos históricos citados no “Diálogo...” uma vez que minha formação na História me fez repensar sobre os “fatos” ali destacados.

Boulos usa o conceito de “hegemonia fascista” que se afirma nas ruas e fez referência ao “Camisas Negras” na Itália e as milícias hitleristas na Alemanha. Aparentemente, um leitor desavisado e “sem História” deduziria que não houve manifestações de rua (em contexto diversos de estar numa Pandemia). Há inúmeras manifestações antifascistas nas ruas da Itália e nas ruas da Alemanha. Elas foram derrotadas. Por quê? Nesse ponto, ficou meu incômodo como educador na área de História uma vez que sabemos que uma interpretação sempre pode levar a conclusões distintas dependendo de como a narrativa ocorre. Ao jovem que me viesse perguntar em aula sobre essas considerações, eu sugeriria a leitura do romance histórico do volume 1 de M – O filho do século de Antonio Scuratti. E deixemos Lições sobre o Fascismo de Palmiro Togliatti para um momento mais denso no debate das ideias.
A escolha de citações de fatos históricos para argumentação da política faz parte dessas minhas advertências, pois a falta de um contexto na narrativa pode deixar o “fato” circulando como as órbitas das ilusões. Vejamos as referências relativas a História do Brasil sobre temas que são muito pouco aprofundados nos livros didáticos que nossos jovens tem acesso. E faço essa observação, pois a luta antifascista deve sensibilizar a juventude. Ela é longa e árdua. Então, temos uma referência ao movimento integralista de Plínio de Salgado (um intelectual do movimento modernista e que sempre se demonstrou “homem de Partido”). Então lemos: “Poderia ter sido assim com os integralistas de Plínio Salgado no Brasil se os comunistas não o tivessem enxotado das ruas.” Essa referência deve ser relativa a Batalha da Praça da Sé em 7 de outubro de 1934. Não nos ateremos a diversidade de “paternidades” da liderança da contramanifestação uma vez que o movimento antifascista tinha três vertentes organizadas em São Paulo naquele tempo. Simplesmente questionamos os motivos de o Integralismo continuar sendo tolerado por Getúlio Vargas. A esquerda que foi praticamente massacrada nos anos 30 desde 1935 como poderia ler em Memórias do Cárcere de Graciliano Ramos.

 
Manifestação Integralista na Praça Tiradentes - Curitiba - 1937
 
 
Foi o Estado Novo, inaugurado pelo autogolpe de 11 de novembro de 1937 como consequência de uma reação ao “fantasioso” Plano Cohen redigido por um capitão integralista com nome Olímpio Mourão Filho, que tirou os integralistas das ruas em 1938 após o fracassado levante de maio. Os fatos históricos lamentavelmente foram esses. Mesmo com o fim da Ação Integralista do Brasil (AIB), Plínio Salgado tentou negociar um acordo com Vargas até ser preso e exilado em 1939 para Portugal. Um detalhe que foge um pouco da temporalidade, porém sugere um curioso olhar para algumas capitais brasileiras. Nas eleições presidenciais de 1955, Salgado foi último colado no total de votos, mas foi o mais votado em Curitiba. Uma interessante e curiosa coincidência na história ziguezagueante da política do Centro Sul.

Em seguida, há duas referências às tentativas de atentados feitas pela chamada “linha dura” dos setores militares. Em primeiro lugar, o caso PARA SAR em 1968 que seria o planejamento de uma onda de atentado simultâneo que incluiria a explosão do gasômetro de São Cristóvão. Em seguida, o atentado do Riocentro (1981) que vitimou um Capitão e um Sargento que usava o codinome de “Agente Wagner” na continuidade de uma escalada de atentados que ocorriam naquele período. As lembranças dessas “provocações” da extrema-direita na história recente do país ficaram soltas diante da falta do contexto histórico de como as forças democráticas reagiram em momentos diversificados e com nuvens da censura e autocensura dos meios de comunicação. Há de comum nessas provocações, ressaltadas os muitos detalhes conjunturais, o objetivo de impedir a política de Frente Democrática. Portanto, esse é ponto em que a estratégia política se reforça na ampliação da frente antifascista para sufocar as aventuras extremistas. Seria incorreto insinuar que fazer parte do MDB na Ditadura Militar fosse inibir as manifestações nas ruas. Elas ressurgiram no final dos anos 70 graças a vitoriosa política de frente nas eleições de 1974. Contudo, esse é outro ponto para repensar em outro momento, pois a lição da História se alonga e intelectuais como o Carlos Lessa sempre nos ensinaram a nunca recuar na frente ampla na luta pela democracia. Por isso, esse artigo é dedicado em sua memória.

Banca de Jornal incendiada por extremistas de direita
 

ABAIXO o texto de Guilherme Boulos que foi analisado no artigo
Boulos: DIÁLOGO COM LUIZ EDUARDO SOARES - Tenho muito respeito por Luiz Eduardo, um intelectual de primeira linha e uma figura humana extraordinária. Como ele, tenho grande preocupação com a ascensão do fascismo bolsonarista e não considero as liberdades democráticas simples formalidades. Foram conquistadas com sangue e luta de toda uma geração de brasileiros. Mas discordo em relação às manifestações de domingo. O que vimos na semana passada, puxado por torcedores organizados, foi um passo fundamental na resistência ao fascismo: a demonstração de que a rua não é deles. Não basta sermos maioria na sociedade. Não basta assinarmos manifestos unitários, que julgo importantes, aliás subscrevi todos. Mas a hegemonia fascista, mesmo minoritária, se afirma nas ruas. Foi assim com os Camisas Negras de Mussolini e com as milícias hitleristas. Poderia ter sido assim com os integralistas de Plinio Salgado no Brasil se os comunistas não os tivessem enxotado das ruas. Se normalizamos gente defendendo AI-5 e agredindo opositores, jornalistas e enfermeiras em praça pública, daqui a pouco não teremos condições de dar as caras. Sei que a questão não é simples. Além do mais, estamos em meio a uma pandemia. Mas na conversa entre os organizadores da manifestação do próximo domingo, ao menos em São Paulo, haverá um enorme esforço para manter o distanciamento e as precauções sanitárias. O Povo Sem Medo organizou uma brigada de saúde para isso com centenas de voluntários. O MTST vai distribuir 4 mil máscaras na Avenida Paulista, feitas pelas cooperativas de costureiras do Movimento. A orientação da organização do ato será uma manifestação pacífica e de inibir infiltrados. Claro que sempre há um risco. Devemos fazer de tudo para minimizá-lo. Mas, convenhamos, o outro lado não precisa de pretextos nossos para endurecer. Se ficarmos parados tampouco temos qualquer garantia. Eles sempre produziram os próprios pretextos. Lembremos do Rio Centro, em 1981, quando oficiais do Exército contra a democratização iriam explodir bombas no festival do Dia do Trabalhador para culpar a esquerda. Não funcionou por imperícia. Ou do plano de explodir o gasômetro de São Cristovão, em 1968, em nome dos comunistas, só evitado pela denúncia de um oficial da Aeronáutica. É a velha tática que os nazistas inauguraram no incêndio do Reischtag. Bolsonaro avança na escalada autoritária. Sei dos riscos, mas não creio que se deixarmos as ruas para eles estaremos impedindo essa marcha. Por isso, o MTST e o Povo Sem Medo estarão nas ruas no domingo. E eu também estarei lá.


segunda-feira, 25 de maio de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 8

 

 
O Deputado e seu Casaco de Soldado Raso

Por Vagner Gomes de Souza
 
O filme 1917 é uma lição para aqueles que ainda não compreenderam o perigo que se avizinha na conjuntura nacional. Em plena campanha militar das trincheiras os alemães aguardam que os soldados ingleses ataquem para cair numa “armadilha”. Dois jovens soldados recebem a missão de alertar seus “camaradas” de farda da emboscada. Nesse filme aprende-se que o tempo é o inimigo. Um aprendizado que está presente na tradição política de um líder político russo que aparentemente lideraria uma Revolução naquele mesmo ano.
Essa referência a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) é muito importante para que contextualize aquilo que Eric Hobsbawn mencionou como o marco do início da “Era dos Extremos” que levou a profundas perdas para o campo democrático no século passado. Essa referência ao historiador inglês está nesse momento muito em voga diante do “chamado” feito pelo Deputado Federal Marcelo Freixo (PSOL/RJ) pela unidade do campo democrático desde seu afastamento da disputa eleitoral da Prefeitura carioca para se inserir num debate mais amplo desse processo.

Cena do filme 1917
 
O Deputado abriu “mão” de sua candidatura há dez dias com uma Nota em que aludia erros da esquerda no entendimento do que seja esse momento. Em entrevista ao Jornal O Globo o mesmo parlamentar citava alguns exemplos de ausência de desprendimento político de atores políticos cariocas para que se haja a abertura de um diálogo mais amplo no campo democrático. Na sequência, veio a público o artigo “Democracia Urgente” em que os limites do pensamento iluminista seriam apresentados como um obstáculo a ser ultrapassado. Uma atitude corajosa para uma liderança da esquerda que já defendeu que as eleições cariocas seriam a “Primavera dos Povos”. Pelo contrário, o Rio de Janeiro é a “trincheira” das forças políticas “termidorianas” com os “45 cavaleiros húngaros” em franca atuação na política.
Acompanhar esse “aggiornamento” político e intelectual do Professor Marcelo Freixo é muito gratificante para aqueles que sempre defenderam a necessidade de uma Frente Democrática (nada de Frente de Esquerda com disfarce de Frente Ampla em minha opinião) para derrotar o projeto de poder representado pelo Presidente da República. Entretanto, nosso Deputado parece que está pregando num deserto de ideias e lideranças políticas que ainda analisam os impactos da retirada da candidatura dele como um “bingo” eleitoral. Parece que a esquerda carioca também toma “cloroquina” numa fé no fortalecimento institucional associado a conquista de cadeiras para a Câmara de Vereadores.


Cena do filme O Resgate do Soldado Ryan
 
O casaco das ideias de Marcelo Freixo está no campo de batalha sem que haja uma postura dos partidos políticos para repensar a tática política aderindo de fato a estratégia da Frente. Todos querem a UNIDADE do campo progressista que não cresceu um milímetro desde a derrota política de 2018 para juntos caminharem para uma nova derrota. Essa é a realidade que se deve expor para muitos companheiros que não desejam abaixar o tom político em nome da Frente Democrática, pois desejam manter seu espeço num “cercadindo” no berço da esquerda infantil. Não vemos nenhuma atitude ousada para pegar o casaco do soldado raso para começar a fazer a Grande Política. Aparentemente há um silêncio combinado para que ninguém tenha que assumir a responsabilidade resgatar os diversos jovens (como se fossem Soldados Ryans) que caíram nas redes da extrema-direita principalmente nos bairros populares.
As bancadas de vereador em primeiro lugar? Melhor que a esquerda carioca deixe isso claro para os eleitores como uma opção em dar um passo adiante no legislativo municipal para recuar mais dois passos nas eleições de 2022 sob o perigo de termos a ascensão exponencial do autoritarismo. A prioridade deveria ser derrotar o principal aliado do “bolsonarismo” no Rio de Janeiro, mas ninguém parece estar levando a sério o alerta do Deputado.


terça-feira, 12 de maio de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 7



A Fortaleza Narrativa de Bolsonaro

Dedicado à memória de Flávio Migliaccio
Por Vagner Gomes de Souza

Há dois meses muitos Governadores e Prefeitos adotaram medidas de distanciamento social para reduzir o impacto da pandemia do COVID19 no sistema público de saúde. O temor de um colapso generalizado da saúde sensibilizou muitos brasileiros naquilo que poderia representar um momento de unidade nacional. Contudo, já destoando com o então Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, a Presidência da República começou uma gradual narrativa de minimizar a situação da crise de saúde diante do perigo de um caos econômico social a ser gerado pela paralisação da economia.
Muitos ingênuos analistas que acreditaram num Presidente mais próximo da “ética da responsabilidade” no decorrer de um mandato presidencial ao contrário do Deputado de Extrema-direita de uma “ética da convicção” se viram decepcionados, pois não teriam ainda percebido que a “alma” da gestão de Bolsonaro é a política ultraliberal do Ministro da Economia Paulo Guedes. O silêncio do Ex-ministro Sergio Moro relativas aos Decretos dos Governadores e Prefeitos sugere que a fratura do núcleo governista ocorreu nesse processo em que o mandatário federal faz a escolha de uma política econômica em nome dos “empresários da morte” que marcharam em direção a uma constrangedora reunião com o Presidente do STF.
A crise da Pandemia seria acompanhada pelo aprofundamento da crise econômica (não esqueçam que o PIB de 2019 foi menor que o de 2018 mesmo com as liberações do FGTS). Ninguém poderia contar com a opção de um Presidente “cruzadista” medieval. Um cavaleiro que vestisse a “armadura” de uma narrativa de defender empregos sem nunca convocar a sociedade para um “pacto social” em favor da ampliação do investimento público no pós-pandemia. Muito pelo contrário, a gestão do Ministério da Economia foi “covarde” (na falta de um termo mais acadêmico) ao propor um auxílio emergencial no valor de R$ 200 (a ampliação para as faixas de 600 e 1200 foram resultados da atuação do Congresso Nacional que emergiu como uma instituição relevante apesar da baixa qualidade de muitos de seus integrantes).
 


Além disso, o Ministro da Economia se preocupou com insinuações de um novo “funcionário público” marajá com a geladeira lotada de alimentos sem dar alternativas para que os Governadores e Prefeitos façam uma gestão da crise com maior folga orçamentária. Enquanto isso aumentava o desemprego e o Governo Federal (com certeza com orientação do Ministro Ultraliberal) encaminhou a MP da redução da jornada de trabalho com redução salarial e não criou uma linha de crédito em condições de beneficiar os micros, pequenos e médios empresários. Um profundo silêncio sobre a eminência da precarização do mercado de trabalho à medida que a narrativa continuava na “tecla” da defesa da economia. Uma economia que já estava muito desigual não se pode defender. Deveria começar a adoção de uma nova política econômica o que implicaria numa outra “alma” para governar.

 O ultraliberalismo de Paulo Guedes não se sente maculado com as políticas de ampliação de assistência social uma vez que elas contribuem para a desorganização da classe trabalhadora. A política econômica ultraliberal não tolera é o investimento público que organize a expansão econômica menos dependente do sistema financeiro. Portanto, os analistas de plantão da política nacional cometem um equívoco ao avaliarem que Paulo Guedes caia por qualquer ampliação do chamado “assistencialismo”. Muito pelo contrário. Essa seria a linha de argumentação para aprofundar as chamadas reformas econômicas. Nesse sentido, a ascensão dos grupos políticos do “Centrão” não seria uma contradição no quadro da política federal. De onde surgiu o Senhor Presidente? Quem o levou para a boa prática de frequentar os templos religiosos como “burgos” eleitorais? Quem é Onix Lorenzoni? Aliás, o “Centrão” tem seu DNA também na gestão do “malufismo” em plena Ditadura Militar muitas vezes apresentada como refratária as práticas da corrupção.


A fortaleza narrativa do Jair Messias Bolsonaro segue mobilizando a grande cavalaria medieval da elite econômica dos ultraricos com apoio de uma ampla margem de “escudeiros” à margem das relações sociais de produção por causa do “mito”, que uma parcela de intelectuais de esquerda teria vendido para um segmento liberal mais progressista, da chamada “nova classe média”. De fato, emergiu uma “ralé social” ressentida em diversos aspectos (incluindo o psicossexual) que se alimentou na desqualificação da política e de uma postura de desmoronamento da muralha do “centrismo político democrático”. A crítica ao “presidencialismo de coalizão” nasceu na academia que hoje é tachada de “comunista” pelo bolsonarismo ideologizado. Diante disso, o caminho a se construir é para que haja uma repactuação das forças de esquerda com o campo do “centro político” já na apresentação de alternativas para as classes populares nesse grave crise que enfrentamos.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

RIO DE JANEIRO E A COVID19 - Entrevista com o Professor Marcelo Burgos


 Rio de Janeiro atravessa uma profunda crise no combate a pandemia da COVID19. Diante da omissão do Governo Federal, o colapso da saúde pública é um problema que poderá proporcionar outras ondas de crises. A hegemonia do conservadorismo e das posições de extrema-direita desorganizam as ações em defesa das populações mais vulneráveis. Portanto, há a necessidade de termos intelectuais refletindo e atuantes para a melhor intervenção dos atores políticos na superação democrática desse momento. Portanto, a seguir, teremos uma  entrevista como professor Marcelo Burgos (PUC – RJ) que, pela segunda vez em dois anos, atende positivamente aos desafios de nosso BLOG VOTO POSITIVO.
O professor Marcelo Burgos é Doutor em Sociologia pelo IUPERJ (1997) e tem trabalhado em pesquisas de sociologia urbana, com ênfase em territórios segregados e periféricos. Exerce docência na PUC-Rio de janeiro. Está na linha de frente na apresentação e acompanhamento de Plano de Ação para o Enfrentamento da Covid nas Favelas.
 
1)      Estamos em meio a uma crise apocalíptica da saúde pública no Rio de Janeiro relacionada a “Pandemia do COVID19”. No seu entender, como as comunidades periféricas vem enfrentando essa situação?
Do jeito que podem! Na verdade, se considerarmos somente a cidade do Rio de Janeiro e suas mais de 700 favelas, o que se observa é uma mobilização de suas lideranças e organizações comunitárias, em busca de cestas básicas e outros insumos, cada qual mobilizando suas próprias redes de apoio. O poder público municipal não tem colaborado na organização e otimização de esforços e recursos, e isso gera sobre trabalho, desperdício e o que é mais grave, desigualdades também quanto ao acesso a esse tipo de apoio social, já que as favelas mais centrais acabam sendo mais contempladas. Onde existem organizações comunitárias mais estruturadas, como é o caso da Redes da Maré, tenta-se fazer um trabalho mais abrangente, de assistência social, gestão da informação e de apoios mais focalizados. Mas é pedir muito dessas organizações que façam um trabalho que precisaria ser, no mínimo, mais compartilhado com o poder público.
 
2)      Qual sua avaliação sobre a atuação dos gestores públicos (Governos Federal, Estadual e Municipal) no atendimento das demandas das comunidades periféricas no combate ao COVID19? O que falta ser feito?
O governo federal está quase completamente paralisado pela desorganização do Ministério da Saúde, especialmente após à demissão de Mandetta. Os recursos inicialmente prometidos pela pasta não estão chegando; por outro lado, a disponibilização da renda mínima de R$600 está demorando a contemplar justamente os segmentos mais vulneráveis, para não falar que o acesso a esse recurso tem sido ele próprio gerador de contaminação.
Quanto ao governo estadual, tem tido uma atuação mais estruturada, mas ainda sinto falta de uma concertação mais forte e organizada com os municípios da região metropolitana, incluindo é claro a capital. Sei que essa é uma construção difícil mas seria fundamental o estado chamar para si essa responsabilidade. Além disso, acho que o estado deveria elaborar algum tipo de programa de renda mínima para os moradores mais pobres da região metropolitana. Quanto ao município, tem sido muito pouco responsivo. Dele dependem os serviços de atenção primária de saúde e a assistência social, e para nenhuma das duas áreas foi realizado um plano capaz de proteger esses serviços e esses profissionais, em especial nas áreas mais populares da cidade. O resultado está aí, postos de saúde e UPAs  entrando em colapso, e muitos profissionais doentes. Quanto a outras ações que poderiam mitigar o cenário de colapso e de crise social e de confiança, até onde sei, a única iniciativa da Prefeitura foi o programa de hospedagem em hotéis para indivíduos considerados dos grupos de risco. Mas a iniciativa não tem sido senão muito parcialmente utilizada, não alcançando o impacto social que poderia ter.
3)      O Prefeito Marcello Crivella teve novas adesões de vereadores a bancada de seu partido, Republicanos, para a disputa eleitoral municipal. Essa adesão política sugere que a política eleitoral está deslocada da realidade dos problemas das camadas populares?
Infelizmente, ao que tudo indica, parte da máquina pública da prefeitura está fortemente capturada exclusivamente pelo cálculo eleitoral e pelo projeto da reeleição do atual prefeito, não sendo capaz de perceber que estamos diante de uma iminente tragédia humanitária, de que o quadro de Manaus já é um alerta. Nossa situação exigiria, ao contrário, um poder público realmente preocupado em participar de forma ativa na coordenação, organização e execução de ações voltadas especialmente para as populações mais pobres. Pois o Rio é uma cidade muito complexa, e se não forem consideradas as especificidades de suas favelas, e de seus bairros populares, não teremos feito o necessário para evitar uma catástrofe ainda maior. É por isso que nos mobilizamos, na criação de uma rede envolvendo lideranças comunitárias, universidades e a FIOCRUZ. E a partir dessa mobilização elaboramos um Plano de Ação para o Enfrentamento da Covid nas Favelas. O Plano foi entregue no dia 1º de maio, às secretárias de saúde do estado e do município, e no dia 4 de maio foi objeto de uma reunião com diversos parlamentares da ALERJ, capitaneados por seu presidente, André Ceciliano e pela Deputada Renata Sousa. O documento já é de domínio público, e seu principal objetivo é o de aglutinar forças na defesa da criação de um gabinete de crise reunindo estado, município, organizações comunitárias, universidades e entidades de classe e científicas, sempre com o respaldo técnico da FIOCRUZ. 
4)      Como estaria a atuação das Igrejas Evangélicas nas comunidades periféricas no combate ao COVID19? O “fundamentalismo neopentecostal” ganhou ou perdeu força?
Difícil avaliar. Acho que não tenho fundamento para responder a essa pergunta. A única pista que temos é a de que, se assumimos que a zona oeste tem sido uma área de forte predominância do neopentecostalismo e que muitos de seus bairros têm sido campeões na disseminação da covid, isso sugere que muitas dessas igrejas possivelmente não devem estar trabalhando de modo mais intensivo a necessidade de distanciamento social, entre outras medidas preventivas. Sabe-se, inclusive, que muitas seguem fazendo cultos. E aqui, o alinhamento com o bolsonarismo pode estar sendo o fator determinante. Infelizmente, um presidente irresponsável como este que temos faz um enorme estrago na vida de pessoas que estão muito sujeitas às redes de sustentação de seu projeto, que no Rio articula algumas igrejas neopentecostais a grupos de milicianos, fortemente dominantes em vastas regiões da Zona Oeste. A mesma hipótese valeria para regiões da Baixada Fluminense como Caxias, por exemplo, que se apresenta como a região com maior percentual de letalidade nesse momento.
5)      O Rio de Janeiro é uma das Capitais mais atingidas com números de casos e óbitos por COVID19. Mesmo assim a “família Bolsonaro” aprofunda uma atuação de negação da situação com o famoso “E daí?”. O Senhor acha que essa postura renderá muitos votos nas próximas eleições municipais?
Como respondi anteriormente, antes de pensar nos votos, estou pensando no estrago que essa postura tem feito na defesa da vida. Quanto ao impacto eleitoral, não tenho como prever, e acho que ninguém tem, qual será o efeito eleitora dessa estratégia criminosa. Uma coisa é certa, ela isola muito seu eleitorado, e vai tornando seus seguidores membros de bandos. Isso faz lembrar em muitos aspectos a forma como Hitler se relacionava com seus seguidores antes de chegar ao poder.
6)      Diante desse cenário político, como avalia a tentativa de aproximação entre o PSOL e o PT para uma disputa eleitoral para a Prefeitura carioca? Haveria chances para uma candidatura mais ao centro político?
Não me considero um analista político, até porque não estudo a fundo uma série de questões relacionadas à aritmética da competição política. Mas vejo a aproximação dos dois partidos como um movimento importante, no sentido de aglutinar forças. O ideal, porém, seria que esse arco fosse mais amplo, envolvendo outros partidos do campo democrático. Com a adesão de Crivella ao bolsonarismo, houve uma federalização às avessas da eleição, e o Rio será muito provavelmente o epicentro da disputa em torno do projeto nazista dos Bolsonaro. E parte importante desse processo deve ser o do reconhecimento que a questão das milícias é muito fortemente uma questão municipal, pois boa parte dos serviços que ela controla são da alçada do prefeito. Isso significa que precisamos encarar essa eleição carioca como um momento decisivo na luta contra nazismo (em sua versão miliciana), o que também significa que, caso vitoriosa, poderá dar lugar a um projeto de cidade ungido pelos melhores ideais contidos em nossa Carta de 1988.
 
 
 
 
 

 

quarta-feira, 22 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 6

 
 
A GERAÇÃO 2.O E O NEGACIONISMO DA CIÊNCIA
 
Por Vagner Gomes de Souza
 
Há uma cena na série MADIBA (disponível na GLOBOPLAY) em que Nelson Mandela e seu irmão de adoção Justiça sentam para ouvir os mais velhos sobre acontecimentos do passado. Provavelmente isso teria acontecido nos anos 30 pois Mandela é de 1918. Essa é uma passagem que demonstra o quanto havia uma geração de jovens ao redor do mundo que se formava ouvindo a experiência do passado mesmo que estivesse sentada num banco rodeado de extrema pobreza. O Breve Século XX foi moldado pela intervenção de muitos sujeitos históricos que herdaram a crença no progresso científico do século XIX seja para o bem ou para o mal.
 
O desfecho vitorioso do capitalismo com o fim da Guerra Fria em 1991 abriu um "vazio" na formulação da análise da política uma vez que essa seria compreendida como algo que atrasasse os avanços da circulação dos interesses individuais. O individualismo alimentou avanços tecnológicos e uma globalização sem o exercício da solidariedade social. A economia se libertando cada vez mais das instituições e decisões da política. Gradualmente os atores políticos moldados na modernização do capitalismo após a vitória antifascista da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945) foram sendo negadas com tamanha radicalidade.
 
 Uma proliferação de entidades, bandeiras e sujeitos sociais sem articulação com o mundo da política uma vez que tudo seria uma falta de sentido com as novas tecnologias. Novas tecnologias sem que a juventude tivesse oportunidade de reconhecer na disciplina do estudo como a ciência foi acumulando seu conhecimento uma vez que ter acesso a tecnologia seria apenas ter acesso a uma mercadoria. A tecnologia "coisificou" o conhecimento científico ao passo que estar acessado nas redes sociais seria uma forma mais presente do que estar conectado com as iniciativas de debate da realidade. O mudo da realidade dramaticamente se deslocou nesse contexto diante da virtualidade vivida por uma geração nascida a partir do 2000.
 
As crianças foram impactadas pelos "smartphones" e inúmeras mudanças na rotina da sociedade viabilizou cada vez mais a circulação do mercado pela via da globalização da revolução dos interesses. Aos poucos o vazio pela não saber ouvir as experiências do passado permitiu a proliferação de manifestações psicológicas deprimentes numa juventude que abraçou o "aqui e agora". O presentismo como negação do passado auxiliou na emergência de abordagens "revisionistas" sobre doutrinas autoritárias do século XX. Assim, o nazifascismo teve suas linhagens flexibilizadas ou até mencionadas como posturas da esquerda. Muitos jovens justificaram a ideia de Ditaduras Militares necessárias na América Latina no contexto da Guerra Fria. Além de outros jovens alimentarem a ideia de que a população do continente africano seja vitimizada. Esses são alguns tristes exemplos discursivos dessa geração 2.0 que cresceu a cada ano de BBB em nosso país.
 
Uma vez que os conhecimentos das Ciências Humanas foram relativizadas diante da negação de assumir compromissos com a participação política o que requereria o exercício da memória e a sensibilidade em aproximar pontos de vistas as vezes discordantes. A "juventude android" foi cada vez mais fragmentada seja à direita ou seja à esquerda num processo de alimentação da antipolítica que é base da polarização. O vazio do conhecimento alimentou uma militância digital que não é sustentada na leitura. Nem cobremos a leitura dos clássicos e muito menos a leitura de qualquer produção literária desde que não seja os livros de fantasia, os tons cinzentos e outras vertentes nascidas do Youtube. Assim foi fácil surgir uma personalidade como Olavo de Carvalho e outras manifestações mais digitais do que de leitura.
 
Não é estranho que a liberdade de consumo pelo livre acesso das tecnologias tenha feito o molde de muitos jovens que negam o conhecimento científico uma vez que já teriam problemas na formação com a matemática e a interpretação de textos. Chegar a afirmação de que a "Terra é Plana" é apenas a "ponta" do Iceberg de uma refundação de uma mentalidade feudal com inúmeros aparelhos tecnológicos usados para alimentar a monetarização da vida. Então, o enfrentamento de um momento histórico como a PANDEMIA ocorre com muitos jovens negando as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) pois nem teriam a percepção do que seria essa instituição. A Democracia é apenas um detalhe que incomoda muitos da geração 2.0 e seguimos com um território fértil para as manifestações de fundamentalismo no campo religioso.
 
Até aqui, parece que estamos em rota de colisão com uma parede num veículo em alta velocidade. As dificuldade para fazer os jovens lerem é tamanha diante da facilidade das Lives patrocinadas pelo grande capital. Por outro lado, o ativismo não pode ser simplesmente negar o diálogo com outras forças da política uma vez que alimenta mais a antipolítica. A tarefa é árdua pois não era essa a promessa que o livre mercado tinha feito. Então, estamos diante dos perigos da emergência de uma escalada autoritária e nacionalista que poderá ser abraçada pelos negacionistas da ciência. Portanto, não podemos deixar de reunir nossas forças ao lado da solidariedade e da luta pelas vidas. Temos que reinventar nossas atitudes para que não tenhamos um cenário com mais desigualdade social e mais precarização do mundo do trabalho pelo uso das tecnologias. Urge que a juventude passem a sentar diante da herança que não renunciamos. 


terça-feira, 14 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 5

 

O Tempo, a Disciplina e o Ator na Política

Dedico esse artigo a memória de Daniel Azulay e Moraes Moreira
 
Por Vagner Gomes de Souza
 
 
"Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência"
 
Paciência - Lenine
 
 
Uma "quarentena" que se alonga por mais de quarenta dias é um desafio para uma sociedade que nasceu sob a égide da cultura renascentismo. O liberalismo sempre esteve dúbio em nossa sociedade a medida que dialogava com as práticas autoritárias. O tempo ganha cada vez mais uma exigência na observação dos fatos que nos apresentam. A Pandemia está impondo que uma grande parcela da nossa geração tenha que lidar com os limites. Estamos enfrentando uma mudança que abre o cenário mundial para uma profunda crise sistêmica. As alternativas que se avizinham não são as melhores para aqueles que defendem o pensamento democrático uma vez que a integração mundial está sendo questionada pela velocidade com o qual o "vírus" se espalhou.

 
O mercado deseja que tudo caminhe como antes desde que a sociedade seja mais controlada por uma intervenção estatal na sociedade. Nosso tempo na política precisa de uma vocação para que a juventude pense os horizontes do futuro de uma forma que imponha uma disciplina para que a ciência não seja mais deixada em segundo plano assim como a participação política. Assim, a lição de um pensador Sardo (Gramsci) sobre a obediência de uma disciplina pela hierarquia como forma de saber enfrentar uma disciplina sem autonomia. O exercício consensual da disciplina precisa ser uma tarefa das instituições juvenis para pensar os novos tempos. Porém, temos os indicadores de uma juventude alheia a buscar as lições da memória nas sugestões de Walter Benjamin.
 
Houve um "balão de ensaio" na referência aos "Campos de Concentração" e na proposta de um Prefeito em colocar idosos moradores das favelas em hotéis (afastados de seus familiares) concentrados, o que é questionado por especialistas uma vez que os dados europeus sugerem que a concentração da população mais vulnerável ao "vírus" simplesmente aumenta o perigo da letalidade. O "ovo da serpente" está sendo chocado apesar de muitos atores políticos do campo democrático se deixar levar pela narrativa pautada pelos "negacionistas" da ciência. Nunca podemos esquecer que quanto pior sempre será pior para as classes subalternas. Portanto, esse é tempo de se manter disciplinado no discurso da solidariedade e compaixão.
 
Há a ausência de uma ator para alinhar as forças democráticas pelo mundo. Não temos mais uma visão que deixa conduzir pelas orientações políticas nacionais em ligação com o cenário mundial. A Espanha é uma referência distante de "A Casa de Papel" para muitos jovens. A Itália seria onde deveria estar jogando o jovem promissor Vinícius Junior. A juventude precisa sentar diante de seus aparelhos de smartphone para enfrentar esse vazio da política democrática que impõe uma revisão sobre o que foi a opção política de 2018. A explosão do sistema político brasileiro e de tantos outros países cobra uma necessidade de reagrupamento com setores liberais progressistas, grupos democratas do cristianismo e as vertentes do socialismo com seus valores humanos e democráticos.
 
A lição é árdua assim como se manter no "casulo" das residências produzindo com textos, opiniões e leituras. Não podemos ter espaço para mais fragmentação pois o peso das mãos de Hobbes está ao nosso redor. Um mar de possibilidade precisam ser construídas para que as vidas sejam poupadas diante dos limites de atendimento do Sistema Unificado de Saúde. Usem as redes sociais para dialogar e intervir pelo bem comum. O ator vai surgir pois é uma necessidade para enfrentar essa situação de falta de valores humanos. Aliás, para não deixar de mencionar de forma explícita uma indignação desse simples autor de poucos leitores, não podemos conviver com um Ministro da Economia que é restritivo nos gastos públicos nesse momento de calamidade na saúde. Sugerir o veto ao auxilio aos Estados e Municípios é o mesmo que estar pedindo que desligue os respiradores nos Hospitais para economizar luz sem pensar nas vidas. Não merecemos o cidadão que tem a foto ilustrando esse artigo. Espero que o leitor tenha compreendido o sentido de minha mensagem.


quinta-feira, 9 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 4

 
Cena do filme Os 12 macacos - Bruce Willis e Brad Pitt
 
O Ator, o Tempo e o Exército dos 12 Macacos
Por Vagner Gomes de Souza
 
Seria pedagógica nesses tempos de “Pandemia” a visita a “baú” da produção cinematográfica para pensar o quanto um filme sobre a distopia poderia dar sentido aos ensinamentos sobre a análise de conjuntura. O silêncio dos especialistas em relação ao filme Os 12 Macacos não nos é estranho uma vez que o herói é um presidiário que vem de um futuro no qual a humanidade quase pereceu diante de um vírus mortal e todos poucos sobreviventes vivem em quarentena nos subterrâneos.
Os 12 Macacos foi dirigido por Terry Gilliam que se graduou em Ciências Políticas antes de se destacar como cineasta relevante onde citaríamos para o filme Brazil – O Filme e A Fantástica Aventura do Barão Munchausen. Por isso, pensamos em analisar o tema da relação Ator e Tempo na política com referências a esse filme de 1995. Muitos militantes nem tinham nascido quando esse filme foi lançado mas fica aqui o convite para que aprendam nele a análise da conjuntura.
O filme desenvolve sua ficção com a “viagem” do tempo o qual os cientistas do futuro são determinados ao justificar o início da “praga” que assolou a humanidade na ação do Exército dos 12 Macacos. O roteiro indica e sugere que o “salvador” do futuro tenha que seguir as sugestões dos “técnicos” da ciência. Nada como ver no filme um anseio pela livre arbítrio no personagem James Cole (Bruce Willis) que na primeira viagem para o passado acaba internado numa clínica psiquiátrica no ano de 1990. Uma inspiração do conto de Machado de Assis, O Alienista, o qual tem inúmeras sugestões sobre a ideia de controle social e as teses sobre a loucura para o cenário político brasileiro.
Os cientistas do futuro corrigem a dose na viagem do tempo e então há um novo momento na narrativa do filme. Revela-se o fundador do Exército dos 12 Macacos como o filho de um virologista e questionador das pesquisas científicas de seu pai com o uso de animais. Jeffrey Goines (Brad Pitt) é o personagem que antecipou muito de uma geração fragmentada na análise da conjuntura. Não se iludam com o seu desempenho, pois trata-se de uma “ilusão” daquilo que seria o essencial na análise. Então, vivemos um pouco disso quando há um Complexo de Cassandra diante daqueles que não perceberam o tamanho da crise econômica que se abriu para o capitalismo.
As injeções monetárias feitas pelo Estado ainda não garantiu que a “mão invisível” do mercado está há tempos contaminada pelo vírus da desigualdade. O tempo de 1995 seria o tempo da Globalização sob a égide do aprofundamento das alternativas liberais na economia. A socialdemocracia aderindo a linha da chamada “terceira via” e todos achando que o problema seria outro. O filme nos sugere que não é o louco do Exército dos 12 Macacos o principal adversário e nesse momento a metáfora recai para outros lunáticos em voga nos tempos contemporâneos. O perigo está em outro lugar e a ausência de um Ator é um incomodo nesse momento.


quarta-feira, 8 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - Número 3


 

O Leviatã não é uma sombra

Por Vagner Gomes de Souza
 
 
Os caminhos e descaminhos do liberalismo brasileiro não se faz eficiente diante do medo. Um liberalismo fraco na sua defesa da Democracia. Seus defensores extremados citam Adam Smith sem lembrar a origem filosófica do escocês. A filosofia política está ao nosso redor para o desespero daqueles que desejavam um mundo simplificado em números. E eis que um matemático e filósofo ganha força na conjuntura política brasileira. Muitas vezes Thomas Hobbes é mencionado nesses "Cadernos da Quarentena" como uma lembrança do quanto a ferida do capitalismo financeiro está exposta. A alternativa da centralização da economia e da política nunca esteva na sombra na História do Brasil. Dom Pedro II, Getúlio Vargas e o regime militar brasileiro (1964 - 1985) dialogaram com o Leviatã.
 
O ultraliberalismo está incomodado diante dessa realidade. Por outro lado, a Esquerda ainda não se adiantou aos indicadores de terríveis sombras que se avizinham para as instituições democráticas. Muitos ainda não "leram" as referências aos militares no tema do hobbesianismo a moda tupiniquim? Nesse ponto, a intervenção militar na Segurança Pública do Rio de Janeiro foi um laboratório para perceber o quanto a legitimidade da sociedade se fez construir com apoio forte da mídia. Foi em 2018 que a sociedade civil se viu colocada numa "quarentena" na formulação de alternativas democráticas pois se deixou levar por uma "colcha de retalhos" de movimentos/coletivos que esvaziaram ainda mais o peso do ator político.
 
A ausência de um ator viabiliza a ocupação desse "vazio" por figuras que, em tese, emergem fora do sistema político. A natureza hobbesiana no cenário político fluminense fez emergir um Ex-Juiz com uma fisionomia de Professor de Home Office, mas que venceu com os votos da antipolítica mesmo que sua atual gestão seja a continuidade de uma "velha política" do chamado chaguismo. E o Leviatã do Rio de Janeiro se faz um possível modelo para esse momento de enfrentamento de uma "pandemia" e da maior recessão econômica de nossa história.
 
A juventude que se alinhou ao "anarcocapitalismo" é um exemplo do quanto a globalização se fez nas mentes depressivas da polarização. Por outro lado, a juventude no campo da esquerda está "mofada" pelo "sebastianismo" e sem conexão com as leituras. Na "jaula de ferro" do desencantamento weberiano emergiu um "pós-esquerdismo" de viés autoritário na padronização de uma militância deslocada das classes trabalhadoras. O Hobbes se alimenta dessa natureza de guerra que esses jovens se deixaram conduzir nas redes sociais. Então, como se poderia superar esse dilema?
 
"Virtú" é a força de buscar dar um sentido para a política. Nesse ponto é importante reconhecer a importância de que um "ator" articule os desejos espalhados na sociedade. Portanto, as instituições democráticas não podem ser deixadas ao sabor de um debate de normas jurídicas uma vez que há sempre a "invenção" na política com P maiúsculo. Contudo, ela se fará presente com o entendimento de que um Estado de Bem Estar Social se fez necessário na ampliação dos parâmetros da Carta Constitucional de 1988. O STF não se silenciou sobre os direitos dos trabalhadores. Onde está a centro-esquerda? Não se pode esquecer que o tempo de fazer acontecer implica em enfrentar uma tradição autoritária que dialoga com a nossa elite econômica. A sombra está para além do mito da caverna de Platão. 

terça-feira, 7 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 2

 
 
A AUSÊNCIA DO ATOR POLÍTICO NA VELOCIDADE DOS FATOS
 
Por Vagner Gomes de Souza
 
 
Foi uma segunda feira típica de uma sociedade civil que está em "quarentena" e alimenta uma tradição do sebastianismo português. A destruição dos partidos políticos pela Operação Lava Jato não tirou de cena a vida política, porém a antipolítica não criou uma geração disposta a fazer uso da direção da providência. Assim, o mundo do medo alimentado pelo pensamento centralizador do pensador Thomas Hobbes ganhou uma grande ressonância aos herdeiros das eleições de 2018 o qual o medo era viramos uma Venezuela ou uma Cuba. A triste situação da saúde pública fez do medo da sociedade "aquartelada" algo mais visível.
 
Entretanto, de uma "medo" para outro "medo" eis as narrativas políticas em voga nesse momento quando os números de desemprego começam a subir em exponencial. Onde foram parar as forças inovadoras do aprofundamento do liberalismo. Locke é hoje se esconde em um processo sem atores políticos. O fortalecimento do Estado de Bem Estar Social se faz sem um programa ou sinceras convicções diante de grupos políticos alheios ao debate democrático.
 
Isso é tudo resultado dos fatos políticos que se avolumam sem que a política encontre uma linha política que lhe ofereça a "virtú". Na ausência do Ator Político, a religião e as forças armadas ganham espaço no cenário da conjuntura. De uma lado a convocação de um Jejum Nacional alimenta uma base de ressentidos. De outro lado, a raiz do positivismo estaria se refundando nas forças armadas. Onde se encontra o centro político? A falta de uma resposta para essa pergunta impõe o quanto a velocidade dos fatos poderiam levar as instituições democráticas para uma fratura.
 
Há um falso dilema que uma militância de esquerda se impôs para não observar que o problema principal é a economia. Trata-se de pensar no Impeachment ou mobilizar pela renúncia. Como fazer mobilização sem o povo ocupar as ruas. A Esquerda não é a Live de Jorge e  Mateus para mobilizar segmentos plurais. Portanto, fazer política impõe analisar a ação e o tempo. A paciência é muito importante nesse momento de "quarentena" pois a democracia atravessa um momento de grande teste. Sair da principal preocupação da população só alimenta a polarização. Tudo em seu tempo e com uma ampla mesa de negociação.
 
Diante do exposto, não podemos nos silenciar diante da sanha do sistema financeiro em lucrar com a crise da Pandemia. Esse é o ponto a ser denunciado diante das posturas do Ministro da Economia Paulo Guedes que nunca ocupou aquela cadeira para atender a classe trabalhadora seja formal ou informal. Um funcionário dos Grandes Bancos no Governo Federal que deveria ter sua permanência questionada. Diante de sua paralisia, resta ao Congresso Nacional formar um Programa de Reestruturação da Economia que deve ir além da aprovação da PEC do "Orçamento de Guerra". Mesmo que os atores políticos ainda estejam ausentes, na precisão, os "sapos" pularão da planície.
 
 
(NOTA: não deixe de ler o artigo anterior e de compartilhar esse!!!)

domingo, 5 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 1


A Crise e a Ausência do Ator

Por Vagner Gomes de Souza
 

Nos dias atuais a grande certeza que nos apresenta na conjuntura nacional é a dificuldade da organização de um ator político do campo progressista para reorganizar o campo democrático brasileiro. A sociedade está desperta pelas ações centralizadoras nas orientações para o enfrentamento da “Pandemia”. Os ensinamentos de Thomas Hobbes em O Leviatã permitem dizer que não há uma crise moral e intelectual do pensamento que fundamentou a vitória eleitoral de um “free rider”  da antipolítica. Isso exposto, não há indícios de que tenhamos uma fácil avenida em favor das forças democráticas.

As massas populares estão diante de uma grave crise econômica social que aprofunda a tendência da concentração de renda. Diante desse alinhamento social dos “descamisados” com as vertentes hobbesianas não se pode perder tempo com análises políticas focadas na figura do chefe do Executivo Federal. Nunca a frase “È a economia estúpido!” foi de tamanha aplicação para os passos que deveriam ser seguidos pelas forças democráticas. A oportunidade de termos uma forte intervenção do Estado na economia deve ser pactuada para beneficiar aqueles que menos têm ao contrário de garantir os níveis da desigualdade social.

Entretanto, vivemos a ausência de atores políticos com lideranças que saibam fazer a conexão entre sociedade, Parlamento e segmentos intelectuais. Uma vez que a continuidade da armadilha da polarização colocou uma parte da militância da Esquerda sob o “dilema do prisioneiro” ao qual contribuem indiretamente para o fortalecimento da base política do mandatário nacional. Poucos percebem que há uma agregação de uma “ralé” de segmentos sociais diversificados a partir do ressentimento. Então, a aposta do Presidente em aprofundar a recessão econômica o exime da mesma pela denúncia antecipada aos Governadores de São Paulo e Rio de Janeiro (apresentados como oportunistas e traiçoeiros).

Cada semana descoordenada na economia por um Ministro que tem sua raiz no neoliberalismo a recessão será ainda mais radicalizada. As massas populares estariam entregues a sua própria sorte, pois as medidas sociais são de natureza compensatória. As classes subalternas ainda podem se vir realinhadas pela refundação do “jacobinismo florianista”. Por outro lado, o constitucionalismo em leitura “positivista” só sufoca as alternativas políticas. A linha a análise de conjuntura na superestrutura estaria sufocando as nossos passos pelo olhar na estrutura. Esse é o momento de fazer de fato uma Frente que permita uma intervenção democrática do Estado na economia no qual todos devem ser convidados a mesma mesa de unidade.

Contudo, onde está o “sapo” para pular diante da necessidade de uma política econômica mais favorável aos setores populares. Não podemos nos deixar ficar sob a captura da pauta liberal pragmática que simplesmente se deixa levar por uma alternativa em cálculos eleitorais. O ponto é ampliação dos gastos públicos para minorar os graves efeitos recessivos. Na ausência de um ator político, o sebastianismo político de nossa cultura ibérica se alimenta de outros personagens que emergiram do “baixo clero” ou das “casernas” dos quartéis. As instituições democráticas passam por um grave momento é não seriam os atalhos do positivismo constitucional que permitiram a acolhida dos segmentos populares. Para enfrentar Hobbes, sigamos o ensinamento de Maquiavel que diz “Eu creio que um dos princípios essenciais da sabedoria é o de se abster das ameaças verbais ou insultos.”

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

OSCAR 2020 - Entrevista com o crítico de cinema Pablo Spinelli

1) Quais suas impressões em relação aos filmes indicados para a competição do Oscar 2020?
Creio que a dimensão da derrota da sua política nos anos do atual presidente dos EUA tenha tido reflexo na escolha da Academia. O cinema é uma das manifestações mais importantes da e sobre a sociedade, logo, os olhares sobre os comportamentos e ações dos atores políticos repercutem nas telas nos mais diversos filmes. É muito verdadeira a afirmação da baixa representatividade de negros – ou afrodescendentes – e de mulheres, assim como de mulheres negras nas indicações e premiações. Eram homens brancos votando em brancos. Agora, sendo uma reunião de indústrias, é romântico achar que fossem fazer algo diferente. Com a emergência de mulheres e negros no mundo, o cinema, que é a arte mais globalizada após a música, precisava recuperar uma fatia do mercado que estava se transferindo para games e o streaming. A “netflixização” do mundo trouxe a necessidade de oferecer outros produtos, além da pressão de jovens atores, roteiristas, diretores que conseguiram mais espaço em produções independentes. Dessa forma, Pantera Negra, Spike Lee, “Corra!”, a atriz que faz uma rainha em um triângulo mais ou menos amoroso com outras duas mulheres em “A Favorita” e outros foram indicados ou ganharam. Agora, há de se ver se há uma tendência em ter que indicar ou se há uma escolha pelas suas qualidades. Premiar um ator ou atriz para “ficar bem na foto”, como diziam os jovens, é algo muito ruim se não houver continuidade ou apoio em sua carreira. Veja o caso do Cuba Gooding Jr. ou o veterano Louis Gosset Jr (que foi resgatado pela série “Watchmen”). Por sua vez, há um Denzel Washington e um Sidney Poitier, um Alfonso Cuarón. Lembro-me que houve uma pressão de grupos LGBT contra “O Silêncio dos Inocentes” porque o filme demonizava o homossexual e diziam que fariam uma exposição de artistas “dentro do armário”. Era um recado para a atriz do filme, Jodie Foster. As mulheres americanas se calaram diante dessa pressão. A mesma atriz que havia ganhado um Oscar vivendo uma jovem emancipada em “Acusados”, filme hoje esquecido e que tinha duas atrizes que se assumiram como lésbicas anos depois. Tudo isso para dizer que o Oscar esse ano está mais plural, mas menos identitário. Quanto mais humano, maior será o alcance da proposta de inclusão. Os democratas dos EUA mostraram sinais disso na apertada disputa essa semana em Iowa nas primárias presidenciais. A sua inconclusão mostra o quanto ainda há de se capinar sentado para deslocar a pauta do ”meu direito” para a pauta do “nosso emprego”, “nosso país”, “nosso meio ambiente”, “nossas crianças” etc.
 
2) Em relação a categoria de melhor filme, a ausência de “Dois Papas” se justifica? Aliás, não seria o filme esquecido para 2020?
Pode ser que Parasita tenha ocupado esse espaço. A Academia, pensando na receita de sua indústria e das salas de cinema optou a repetir uma fórmula de décadas atrás, que é a abertura de mais de cinco indicações à categoria de Melhor Filme. O curioso é que além de não detalhar os critérios para um ano ter sete ou nove, acaba por querer nos fazer de “trouxa” ao colocar filmes de heróis ou que tenham potencial de levar público no cinema. Acredito que poderia ter investido no último “Vingadores”, mas ganharam de presente “Coringa”. O filme “Dois Papas” não é um filme de Oscar, mas de Festivais que primam por um determinado estilo de cinema. As indicações que recebeu são uma prova de sua força, pois é quase um teatro filmado que teve como força os seus diálogos e o talento de seus atores. Na minha opinião, “Nós” e “O Farol” foram os mais esquecidos pela academia.

 
Jodie Foster - Filme "Acusados"
 

 
3) O Senhor concordaria com aqueles que apostam na vitória de “1917” na categoria de melhor filme?

Acredito que sim. Não por conta dos prêmios que recebeu pelo mundo afora, mas pela sua mensagem atemporal. É um filme de síntese da vida, não só da guerra. Estamos ali, no filme de um descendente de portugueses. Temos uma música que sintetiza o filme cuja letra diz que temos é que levantar, sacodir a poeira e dar a volta por cima. Temos fracassos e obstáculos, mas temos que ter coragem e fé. O deserto pode demorar, a trincheira pode ter a crítica roedora dos ratos, mas em algum momento as coisas mudam. Essa é a força do filme. Não é uma apologia ao individualismo, pelo contrário, há solidariedade, cooperação e ao fim mostra a importância de estar vivo para a família. Era um filme para a esquerda brasileira trabalhar em cada esquina, em cada luta para reagrupar suas forças na sociedade, mas ela opta em desprezá-lo e ficar no estéril dilema pós-moderno da análise do discurso. Há de se mencionar a força de “O irlandês” e o que tem para nos dizer. Hoffa era um sindicalista que se corrompeu para garantir direitos da sua categoria, foi preso, tentou voltar ao poder, fez tudo o que podia para ter o que teve. Esse sindicalista americano que é um exemplo da ascensão e queda de nossos ex-sindicalistas não é pauta da esquerda, para uma autocrítica ou para resgatar o “espírito” de uma época, o “Welfare State” americano. O que escutamos é que o filme é longo demais. “E o vento levou”, “O Senhor dos Anéis”, “Harry Potter”, não são? Agora, apesar de seus méritos, “O Imigrante” perde para “1917” porque esse é mais universal, volto a insistir.

 Cena do filme "1917"
 


4) Na sua opinião, “Parasita” seria a “grande aposta” para a categoria melhor filme estrangeiro?
É, sem dúvida. Um roteiro muito bem feito, uma atuação que oscila entre os exageros e os detalhes de forma estudada, um diretor que sabe o que está fazendo. Mais uma perda da esquerda brasileira. Como um filme da Coreia do Sul, um dos paraísos terrestres dos neoliberais dentro e fora do governo; exemplo de sucesso educacional, segundo o então candidato Jair Messias, retrata a pobreza, inclusive de valores; a luta de classes? O filme tem a cara da América do Sul. Só que é Coreia do Sul, não a do Norte! É o Chile asiático e não a Venezuela oriental! E não se faz nada com isso? Nesse ponto, a esquerda americana acertou porque escolheu o filme pelo tema da universalidade, não porque é asiático. Assim como 1917 trata de uma guerra mundial. A globalização tem que ser vista por outros olhos. O internacionalismo só pertenceu a dois grupos. Os cristãos e os comunistas. Parasita nos provoca a agir.
5) Na concorridíssima categoria melhor atriz, como você analisa as nomeações?
É a categoria mais apertada, realmente. Há uma lacuna que é o trabalho de Lupita Nyong'o no filme “Nós”. Não vi o filme “Adoráveis Mulheres” na sua enésima versão, mas creio que o trabalho mais maduro, intenso, difícil e que apresenta diversas camadas seja o de Scarlett Johansson em “História de um casamento”, um filme que lembra muito os filmes pessoais feitos nos anos 1970 de John Cassavetes. Agora, a Academia gosta de si, tem vaidade, um filme como “Judy”, mesmo que fraco, é uma expiação da indústria sobre si mesma, uma máquina de moer carne, a “Roda Viva” deles. Veja o caso das atrizes, presas à ditadura da beleza para terem bons papeis, como são obrigadas a gastar com plástica por conta dos padrões. Os homens levam vantagem, mesmo que tenham sido rejuvenescidos por Scorsese em “O Irlandês”, que foi uma forma de garantir espaço para os mais velhos, a meu ver. Sendo assim, a Renée Zellweger ganha mais pela personagem do que pela (boa) interpretação, diferente do que foi seu desempenho no superestimado “Chicago”.
 
 Cena do filme "Parasita"

 
6) O filme “Democracia em Vertigem” é um documentário brasileiro que poderá trazer a primeira estatueta para nosso país? Na sua opinião,  qual seria o impacto de uma possível vitória do filme de Petra Costa?
Jamais. Primeiro que o documentário do Obama é a trincheira deles. “American Factory” tem mais a dizer a eles do que qualquer outro dos indicados. Não será dessa vez que o catecismo que fala que “a imprensa de massa vai ter que engolir a construção da narrativa que criou” não dará certo. Caso ganhe esse credo, nada vai mudar para melhor. A eleição não acaba, a polarização continua. O que se espera ganhar? A Dilma voltar ao cargo? Sérgio Moro fazer mea culpa? A popularidade desse personagem não está em vertigem. Ele ter como principal adversário político o presidente mostra o quanto esse filme fala para os convertidos. Ouço e leio amigos e “analistas” argumentarem que o documentário tem uma proposta inovadora ao colocar a documentarista como personagem. Ora, Michael Moore faz isso há quanto tempo? Não é toda hora que dá para ter “Tiros em Columbine”. Moore fez um documentário agora sobre o Trump. Quem viu? Qual a repercussão? Na perspectiva da política a indicação foi ruim. Caso ganhe, reforça a polarização e quem ganha? Caso perca, vai ter que aturar as redes sociais e... reforça a polarização. Jogo de perde-perde. Fico imaginando a live do presidente da semana que vem.