quarta-feira, 6 de maio de 2020

RIO DE JANEIRO E A COVID19 - Entrevista com o Professor Marcelo Burgos


 Rio de Janeiro atravessa uma profunda crise no combate a pandemia da COVID19. Diante da omissão do Governo Federal, o colapso da saúde pública é um problema que poderá proporcionar outras ondas de crises. A hegemonia do conservadorismo e das posições de extrema-direita desorganizam as ações em defesa das populações mais vulneráveis. Portanto, há a necessidade de termos intelectuais refletindo e atuantes para a melhor intervenção dos atores políticos na superação democrática desse momento. Portanto, a seguir, teremos uma  entrevista como professor Marcelo Burgos (PUC – RJ) que, pela segunda vez em dois anos, atende positivamente aos desafios de nosso BLOG VOTO POSITIVO.
O professor Marcelo Burgos é Doutor em Sociologia pelo IUPERJ (1997) e tem trabalhado em pesquisas de sociologia urbana, com ênfase em territórios segregados e periféricos. Exerce docência na PUC-Rio de janeiro. Está na linha de frente na apresentação e acompanhamento de Plano de Ação para o Enfrentamento da Covid nas Favelas.
 
1)      Estamos em meio a uma crise apocalíptica da saúde pública no Rio de Janeiro relacionada a “Pandemia do COVID19”. No seu entender, como as comunidades periféricas vem enfrentando essa situação?
Do jeito que podem! Na verdade, se considerarmos somente a cidade do Rio de Janeiro e suas mais de 700 favelas, o que se observa é uma mobilização de suas lideranças e organizações comunitárias, em busca de cestas básicas e outros insumos, cada qual mobilizando suas próprias redes de apoio. O poder público municipal não tem colaborado na organização e otimização de esforços e recursos, e isso gera sobre trabalho, desperdício e o que é mais grave, desigualdades também quanto ao acesso a esse tipo de apoio social, já que as favelas mais centrais acabam sendo mais contempladas. Onde existem organizações comunitárias mais estruturadas, como é o caso da Redes da Maré, tenta-se fazer um trabalho mais abrangente, de assistência social, gestão da informação e de apoios mais focalizados. Mas é pedir muito dessas organizações que façam um trabalho que precisaria ser, no mínimo, mais compartilhado com o poder público.
 
2)      Qual sua avaliação sobre a atuação dos gestores públicos (Governos Federal, Estadual e Municipal) no atendimento das demandas das comunidades periféricas no combate ao COVID19? O que falta ser feito?
O governo federal está quase completamente paralisado pela desorganização do Ministério da Saúde, especialmente após à demissão de Mandetta. Os recursos inicialmente prometidos pela pasta não estão chegando; por outro lado, a disponibilização da renda mínima de R$600 está demorando a contemplar justamente os segmentos mais vulneráveis, para não falar que o acesso a esse recurso tem sido ele próprio gerador de contaminação.
Quanto ao governo estadual, tem tido uma atuação mais estruturada, mas ainda sinto falta de uma concertação mais forte e organizada com os municípios da região metropolitana, incluindo é claro a capital. Sei que essa é uma construção difícil mas seria fundamental o estado chamar para si essa responsabilidade. Além disso, acho que o estado deveria elaborar algum tipo de programa de renda mínima para os moradores mais pobres da região metropolitana. Quanto ao município, tem sido muito pouco responsivo. Dele dependem os serviços de atenção primária de saúde e a assistência social, e para nenhuma das duas áreas foi realizado um plano capaz de proteger esses serviços e esses profissionais, em especial nas áreas mais populares da cidade. O resultado está aí, postos de saúde e UPAs  entrando em colapso, e muitos profissionais doentes. Quanto a outras ações que poderiam mitigar o cenário de colapso e de crise social e de confiança, até onde sei, a única iniciativa da Prefeitura foi o programa de hospedagem em hotéis para indivíduos considerados dos grupos de risco. Mas a iniciativa não tem sido senão muito parcialmente utilizada, não alcançando o impacto social que poderia ter.
3)      O Prefeito Marcello Crivella teve novas adesões de vereadores a bancada de seu partido, Republicanos, para a disputa eleitoral municipal. Essa adesão política sugere que a política eleitoral está deslocada da realidade dos problemas das camadas populares?
Infelizmente, ao que tudo indica, parte da máquina pública da prefeitura está fortemente capturada exclusivamente pelo cálculo eleitoral e pelo projeto da reeleição do atual prefeito, não sendo capaz de perceber que estamos diante de uma iminente tragédia humanitária, de que o quadro de Manaus já é um alerta. Nossa situação exigiria, ao contrário, um poder público realmente preocupado em participar de forma ativa na coordenação, organização e execução de ações voltadas especialmente para as populações mais pobres. Pois o Rio é uma cidade muito complexa, e se não forem consideradas as especificidades de suas favelas, e de seus bairros populares, não teremos feito o necessário para evitar uma catástrofe ainda maior. É por isso que nos mobilizamos, na criação de uma rede envolvendo lideranças comunitárias, universidades e a FIOCRUZ. E a partir dessa mobilização elaboramos um Plano de Ação para o Enfrentamento da Covid nas Favelas. O Plano foi entregue no dia 1º de maio, às secretárias de saúde do estado e do município, e no dia 4 de maio foi objeto de uma reunião com diversos parlamentares da ALERJ, capitaneados por seu presidente, André Ceciliano e pela Deputada Renata Sousa. O documento já é de domínio público, e seu principal objetivo é o de aglutinar forças na defesa da criação de um gabinete de crise reunindo estado, município, organizações comunitárias, universidades e entidades de classe e científicas, sempre com o respaldo técnico da FIOCRUZ. 
4)      Como estaria a atuação das Igrejas Evangélicas nas comunidades periféricas no combate ao COVID19? O “fundamentalismo neopentecostal” ganhou ou perdeu força?
Difícil avaliar. Acho que não tenho fundamento para responder a essa pergunta. A única pista que temos é a de que, se assumimos que a zona oeste tem sido uma área de forte predominância do neopentecostalismo e que muitos de seus bairros têm sido campeões na disseminação da covid, isso sugere que muitas dessas igrejas possivelmente não devem estar trabalhando de modo mais intensivo a necessidade de distanciamento social, entre outras medidas preventivas. Sabe-se, inclusive, que muitas seguem fazendo cultos. E aqui, o alinhamento com o bolsonarismo pode estar sendo o fator determinante. Infelizmente, um presidente irresponsável como este que temos faz um enorme estrago na vida de pessoas que estão muito sujeitas às redes de sustentação de seu projeto, que no Rio articula algumas igrejas neopentecostais a grupos de milicianos, fortemente dominantes em vastas regiões da Zona Oeste. A mesma hipótese valeria para regiões da Baixada Fluminense como Caxias, por exemplo, que se apresenta como a região com maior percentual de letalidade nesse momento.
5)      O Rio de Janeiro é uma das Capitais mais atingidas com números de casos e óbitos por COVID19. Mesmo assim a “família Bolsonaro” aprofunda uma atuação de negação da situação com o famoso “E daí?”. O Senhor acha que essa postura renderá muitos votos nas próximas eleições municipais?
Como respondi anteriormente, antes de pensar nos votos, estou pensando no estrago que essa postura tem feito na defesa da vida. Quanto ao impacto eleitoral, não tenho como prever, e acho que ninguém tem, qual será o efeito eleitora dessa estratégia criminosa. Uma coisa é certa, ela isola muito seu eleitorado, e vai tornando seus seguidores membros de bandos. Isso faz lembrar em muitos aspectos a forma como Hitler se relacionava com seus seguidores antes de chegar ao poder.
6)      Diante desse cenário político, como avalia a tentativa de aproximação entre o PSOL e o PT para uma disputa eleitoral para a Prefeitura carioca? Haveria chances para uma candidatura mais ao centro político?
Não me considero um analista político, até porque não estudo a fundo uma série de questões relacionadas à aritmética da competição política. Mas vejo a aproximação dos dois partidos como um movimento importante, no sentido de aglutinar forças. O ideal, porém, seria que esse arco fosse mais amplo, envolvendo outros partidos do campo democrático. Com a adesão de Crivella ao bolsonarismo, houve uma federalização às avessas da eleição, e o Rio será muito provavelmente o epicentro da disputa em torno do projeto nazista dos Bolsonaro. E parte importante desse processo deve ser o do reconhecimento que a questão das milícias é muito fortemente uma questão municipal, pois boa parte dos serviços que ela controla são da alçada do prefeito. Isso significa que precisamos encarar essa eleição carioca como um momento decisivo na luta contra nazismo (em sua versão miliciana), o que também significa que, caso vitoriosa, poderá dar lugar a um projeto de cidade ungido pelos melhores ideais contidos em nossa Carta de 1988.
 
 
 
 
 

 

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