sexta-feira, 4 de outubro de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 062 - ELEIÇÕES CARIOCAS (3)


 

Em fevereiro de 1873, na charge da Revista Fluminense, Duque-Estrada Teixeira é aclamado por sua malta de navalha em punho.

A Representação Legislativa Carioca em 2024

Vagner Gomes de Souza[1]

 

As eleições municipais de 2024 é a primeira de âmbito local na terceira década desse século e a primeira a se realizar após a vitoriosa Frente Democrática nas eleições presidenciais de 2022. No distante ano de 2020 a abstenção eleitoral chegou a números elevadíssimos o que pode ter impactado em muitos resultados eleitorais majoritários, com certeza, isso ocorreu nas eleições legislativas aonde o sistema é proporcional. A redução do coeficiente eleitoral por conta do crescimento do não voto (abstenção, brancos e nulos) beneficia a continuidade de candidaturas com um eleitorado mais fidelizado pelos apelos de identidade ou pelo recurso das “máquinas eleitorais”. O eleitor desengajado cria um parlamento local reativo e sem figuras da moderação.

A antiga capital do Brasil tem 51 vereadores eleitos aonde alguns assumiram a vaga na condição de suplente porque alguns eleitos em 2020 ascenderam ao legislativo federal e estadual. Cada vereador tende a começar uma campanha eleitoral com mais recursos do fundo eleitoral e por estar com um trabalho consolidado em algumas áreas temáticas e/ou bairros. Partem com vantagem aqueles que têm maior trabalho junto aos eleitores.  Tocqueville já alertava que “nos países democráticos, os membros das assembleias políticas pensem mais em seus eleitores que em seu partido, ao passo que, nas aristocracias, se ocupam mais com o partido que com seus eleitores.” (Tocqueville, 1977, p. 379)

Sugerimos que há uma sedimentação pela continuidade, mas ela está “contaminada” pelos vícios anunciados por Tocqueville em que os atores políticos estariam distantes da mobilização e formação de uma cultura cívica política. Por outro lado, “a criação de assembleias locais, em que homens livres pudessem participar do governo, pelo menos até certo ponto.” (Dahl, 2001, p. 32) seria uma percepção de Robert A. Dahl a explicar uma diversidade de candidaturas como se fossem mercadorias numa “feira eleitoral” aonde a criatividade carioca adotou o rodízio de pastéis com caldo de cana.

Assim, os representantes do legislativo carioca mudam de partidos constantemente em sua maioria na busca de um melhor alinhamento ao Prefeito e/ou Deputado Federal-Estadual ao qual esteja vinculado. A garantia de recursos para a sua candidatura é uma condição primeira para a filiação partidária, ou seja, a ausência dessa fidelidade partidária/ideológica expõe um “ponto fraco” nas argumentações sobre a polarização afetiva no sistema eleitoral brasileiro uma vez que um Vereador filiado ao PSB pode perder a reeleição filiado ao PP e buscar uma nova eleição filiado ao PL. Esse “rodízio” político se faz no período das “janelas partidárias” o que impacta no jogo político pré-eleitoral.

As eleições de 2020 foram marcadas pelo elevado índice de abstenção dos eleitores sob o uma pandemia ainda sem vacina. A data do primeiro turno foi adiada para 15 de novembro e muitas atividades de campanha foram adaptadas as restrições sanitárias. O prefeito foi eleito em segundo turno com uma abstenção de 35,45% dos eleitores. Portanto, o atual prefeito foi sufragado por 1629319 eleitores enquanto 1720145 eleitores não compareceram as urnas. Logo, o legislativo carioca terá a distorção de um empate triplo entre Republicanos (partido de situação até então), DEM (partido que ascendia ao executivo) e PSOL (partido que lançou uma candidatura própria e alcançou o quarto lugar com 3,24%). Esses três partidos tiveram sete cadeiras cada. Na lógica da candidatura majoritária “puxador de legenda” o PT elegeria mais, porém foram eleições legislativas em que ser conhecido seria uma vantagem.

 A nominata do PSOL tinha vantagem por ter um candidato a reeleição que já tinha sido candidato a Governador, uma veterano da esquerda carioca dos anos 80 que desejava retornar ao parlamento e a viúva da vereadora Marielle Franco assassinada em 2018. Todavia, a variável do não voto ao legislativo municipal foi marcante, pois o “não voto” atingiu ao histórico 45,6%.

A poucas horas da realização das eleições de 2024 as movimentações nas ruas sugerem a queda acentuada desse número pelas manifestações de um “mercado do voto” ainda pouco mensurado nos estudos empíricos das ciências sociais. O vazio de debate político programático se observa pela busca de pautar o voto do eleitor nas redes sociais, mas o “eleitor de última hora” no voto ao legislativo municipal ainda ouve os mediadores.

A falácia do “voto de opinião” não se aplica diante dessa cultura cívica pouco participativa, o que faz as instituições religiosas ganhar cada vez mais força política nas eleições legislativas cariocas tanto para os evangélicos quanto também com apelos aos eleitores católicos assim como as candidaturas que postam imagens de suas visitas aos terreiros de matriz africana. Sumiram os sindicatos dos Professores, Urbanitários, Bancários, etc. nos currículos de muitas candidaturas ao legislativo carioca. Acrescentemos que as lideranças comunitárias não têm mais um apelo como nas eleições legislativas dos anos 80/90 do século passado.

As “eleições da incerteza” podem criar um perfil de legislativo mais refém de seus “patrocinadores” enquanto os partidos políticos nas eleições cariocas servem de “barriga de aluguel” para os projetos individuais de muitos que desejam mais a ascensão ao parlamento federal e estadual. Não é ilegítimo desejar ascender politicamente, mas o individualismo na política brasileira apresenta grande força nas eleições cariocas. Assim, observamos um “mosaico de horrores” numa cidade em que a cultura eleitoral com o uso da prática da coação e/ou violência política nos acompanha desde o século XIX como nos ensina os estudos da História Local sobre o uso de capoeiras em tempos de eleições (Líbano Soares, 1999).

 

Referências bibliográficas

Dahl, Robert A. – Sobre a Democracia. Brasília, Editora UNB, 2001.

Líbano Soares, Carlos Eugênio – Negregada Instituição: os capoeiras na Corte Imperial 1850-1890. Rio de Janeiro, Access, 1999.

Tocqueville, Alexis de – Democracia na América. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, EDUSP, 1977.



[1] Doutorando do PPGCP-UNIRIO.


Um comentário:

Anônimo disse...

Texto muito bem escrito!!!