Salve
Simpatia
Ricardo José de
Azevedo Marinho[1]
Han, Byung-Chul. O espírito da esperança: Contra a sociedade do medo.
Ilustrações de Anselm Kiefer. Tradução de Milton Camargo Mota. Petrópolis:
Editora Vozes, 2024. 144 págs.
Fiquei muito bem animado ao ver que o filosofo coreano quase crioulo
alemão Byung-Chul Han acabou de publicar entre nós um livro sobre esperança.
Ele se intitula O espírito da esperança:
Contra a sociedade do medo. Em seus livros, Han sempre faz uma análise
lúcida e crítica de nossos tempos. Mostra como a sociedade da transparência
pode ser transformada na sociedade do controle. Ele diagnóstica a nossa
sociedade como uma sociedade de comunicação, mas não de comunidade, uma
“sociedade do cansaço” poderia vir a ser uma era de positividade (do “gosto”)
que, no entanto, paradoxalmente, alberga a depressão no seu núcleo.
Em suma, pode-se pensar que a visão de Han é uma visão
desesperada do nosso mundo. Existem muitas razões para este desespero:
alterações climáticas, guerras fratricidas em diferentes partes do planeta,
individualismo, desenvolvimento de tecnologia sem fronteiras éticas, uma
pandemia de saúde mental, especialmente entre os mais jovens, entre outras
questões difíceis. Entretanto Han percebeu que, sem esperança, os hominídeos não
são possíveis, e que um intelectual com o repertório que possui também tem a
responsabilidade de evitar que a esperança se apague. E ele não está só.
Gabriel Marcel (1889-1973), filósofo francês e que abrem o livro
de Han, disse que, em última análise, somos feitos de esperança. Não somos
apenas células e sinapses, somos mais que isso e às vezes parecemos esquecer
isso. Na verdade, Han abre o livro com uma citação de Marcel: “a esperança é um
elã, um salto”. Um salto: como a fé o fora para o dinamarquês Kierkegaard
(1813-1855).
O apóstolo Paulo, na Primeira Epístola aos Coríntios, fala de
“fé, esperança e amor”, a tríade essencial do cristianismo, e exalta o amor
como o mais importante. Pouco se escreveu sobre o mais esquecido dos três: a
esperança.
A outra epígrafe do livro de Han é do poeta judeu romeno Paul
Celan (1920-1970): “Uma estrela, quiçá tenha luz, nada, nada está perdido.”
Pensemos juntos na estrela que acompanhou Dante no seu caminho iniciático e na
constelação do Cruzeiro do Sul que ele observou ao olhar para o céu, e ao sair
do Inferno e entrar no Purgatório. Devemos lembrar como bem o fez Marx
(1818-1883) que no poema de Dante (1265-1321), que na entrada do Inferno,
estava escrita a terrível frase: “deixe aqui toda esperança”. Finalmente, esse
é o inferno: o lugar onde desejam eliminar a esperança. Não atoa o discurso de
despedida de Obama da Casa Branca é citado num apud da Martha C.
Nussbaum do ainda sem tradução A monarquia do medo (2018).
Paul Celan, o poeta dessa estrela, sofreu o desespero, como
muitos poetas e intelectuais de sua época, quando o horror tomou conta da
Europa: ele próprio acabou suicidando-se, como Walter Benjamin (1892-1940) e Stefan
Zweig (1881-1942), colossais humanistas. Final duríssimo para quem um dia
escreverá que “nada estaria perdido” enquanto uma única estrela brilhasse ... As
almas humanas têm tantas camadas, por isso devemos cuidar dela e não deixar que
a fonte da esperança se esgote dentro de nós. A chilena Violeta Parra
(1917-1967) escreveu aquele luminoso hino “Gracias a La Vida” (1966) em
momentos de grande dor. Acreditamos que Han aposta neste último livro para dar
vislumbres de esperança. Ele distingue a esperança de um otimismo ingênuo como
fizera Terry Eagleaton, tão limitado quanto o pessimismo. Nem Martin Luther
King Jr. pois a montanha do desespero precede a pedra da esperança. Nem Ken
Loach em O Último Pub (The Old Oak, 2023).
Certa feita disse um cancioneiro popular, Chico Buarque em
tempos de AI-5, de dificuldades atrozes no nosso país fez sua ode a esperança
com Apesar de Você: Amanhã vai ser outro dia...
Intelectuais e filósofos por vezes consolam-se no desespero, esquecendo-se de
que tanta desesperança pode condenar-nos à construção de uma sociedade de
sobrevivência como alude Han.
Han diz: “Estamos numa multicrise. Olhamos amedrontados para
um futuro sombrio e falta esperança em toda a parte. (...) No entanto, apenas a
esperança nos permite recuperar a vida que é mais do que sobrevivência.
Ela estende o horizonte do significativo, que revitaliza a vida e lhe dá
asas. A esperança nos presenteia com o futuro” É o que faz Han
voltando ao Gabriel Marcel, que nos diz: “a esperança por meio de um ímpeto
próprio, tem a aspiração irresistível de transcender os objetos específicos aos
quais parece inicialmente se apegar”. Os poetas são os reservistas da
esperança. O nosso Rodrigo Estrella mostra em seu A Anatomia da Esperança
como nós brasileiros somos criaturas da esperança. Precisamos urgentemente –
para afugentar o fantasma do medo – falar dos nossos inúmeros lugares: salvemos
o futuro.
15
de outubro de 2024
[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e
professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, da Teia de Saberes e do
Instituto Devecchi.
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