quinta-feira, 3 de outubro de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 061 - O MUNICÍPIO E O REGIME REPRESENTATIVO NO BRASIL NO SÉC. XXI

 Victor Nunes Leal - "Pai" da Ciência Política no Brasil

Além de tudo, redistribuição demográfica

 

Marcio Junior[1]

 

Estamos novamente as vésperas de eleições municipais e, cadeiradas e operações policiais a parte, os temas (ou problemas) que dizem respeito à República e à democracia estão aí, alguns novíssimos e outros nem tanto.

Em artigo publicado na Folha de São Paulo[2], os economistas Felipe Salto e Josué Pellegrini demonstram alguns fatores que contribuíram e contribuem para a nossa ida à enrascada fiscal e da necessidade de política para sairmos dela. Porém, somamos ao texto dos colegas a necessidade de atenção à conjunturas municipais como decisivas pois, em razão da situação fiscal de muitos estados estarem beirando ou já em colapso (e a dívida pública com a União ser um fator de peso para isso, vide o Rio de Janeiro), os municípios se tornam, em muitos casos, os principais protagonistas das campanhas estaduais e nacionais que ocorrerão em 2026, fator este demonstrado pela expressiva atuação de forças associadas, inclusive no passado, ao Poder Executivo Federal em campanhas municipais, em muitos casos sem a presença de personalidades que atuam em nível estadual.

Dado que o conjunto de municípios do país não possuem, em grande número,  capacidade de arcar com as responsabilidades que cabem a estes entes e são, consequentemente, dependentes de transferências constitucionais por parte da união e dos estados para a prestação dos serviços que lhes cabem para a população, sobretudo de áreas específicas cujos recursos estão alocados em fundos específicos (como o FUNDEB e o Fundo SUS), a sustentabilidade do orçamento da união guarda, em alguma medida e no atual arranjo, relação com fatores locais.

É, inclusive, merecedora de menção por parte destes colegas, e com razão, a tramitação em curso no Senado Federal do Projeto de Lei Complementar Nº 141/2024 no Senado, já aprovado na Câmara dos Deputados[3]. Os municípios são limitados pela Lei de Responsabilidade Fiscal a ter um custo máximo de 60% de sua receita corrente líquida com pessoal. O objetivo do Projeto de Lei é incluir entre as exceções, ou seja, os gastos com pessoal aos quais que não contariam para a aplicação deste limite, também o pessoal pertencente às organizações do terceiro setor fomentadas pelo município em questão, o que, por si só, já seria um problema que poderia elevar as despesas com pessoal dos municípios ao infinito.

O Tribunal de Contas da União já emitiu, através de consulta ao Congresso Nacional em 2016, acórdão com o entendimento de que os gastos com pessoal atuante no terceiro setor não entrariam no cômputo. Houve, porém, a revisão em 2019, e a mudança de orientação. Nesse sentido, o Projeto de Lei Complementar que hoje aguarda relatoria no Senado Federal segue orientação oposta.

Porém, soma-se à estas questões da conjuntura uma outra, de grande complexidade analítica, que poderá aprofundar ainda mais o problema em caso da política não levar em consideração esse e outros caminhos. O Censo de 2022 demonstrou, do ponto de vista populacional, tendências em direção à reacomodação da população de algumas grandes capitais em municípios outros, a princípio no seu entorno. Esses fatores podem ter forte impacto nas demandas por serviços, sobretudo em pequenas cidades onde, além de não haver condições de prestá-los para a população que já ali reside, ainda precisarão acolher quem chegará.  Além, claro, de outros fatores correlatos e relacionados, como o envelhecimento populacional.

Estão, portanto, sendo somados ingredientes aos colapsos fiscais dos estados que indicam consequências da má gestão também para outros entes federativos, caminhando para não só a existência de uma situação insustentável na união e, consequentemente, em municípios, como possivelmente para seu máximo agravamento.

Dado que não será possível arcar com, ao mesmo tempo, interesses miúdos e particulares e demandas que a realidade já exige, a conjuntura demonstra que, onde quer que a tarefa da correção de rota precise acontecer, ela apenas será possível pela via, a ser percorrida já agora, do centro político programático que foi ilustrado neste espaço, como a luta do personagem Riobaldo e o enfrentamento sério e lúcido do seu contexto repleto de gente de carne e sangue[4].



[1] - Doutorando em Ciências Sociais pelo CPDA/UFRRJ e Gestor Responsável pela Aprendizagem Profissional e Estágio da Cedae Saúde.


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