Além de tudo,
redistribuição demográfica
Marcio Junior[1]
Estamos novamente as
vésperas de eleições municipais e, cadeiradas e operações policiais a parte, os
temas (ou problemas) que dizem respeito à República e à democracia estão aí,
alguns novíssimos e outros nem tanto.
Em artigo publicado na
Folha de São Paulo[2],
os economistas Felipe Salto e Josué Pellegrini demonstram alguns fatores que
contribuíram e contribuem para a nossa ida à enrascada fiscal e da necessidade
de política para sairmos dela. Porém, somamos ao texto dos colegas a
necessidade de atenção à conjunturas municipais como decisivas pois, em razão
da situação fiscal de muitos estados estarem beirando ou já em colapso (e a
dívida pública com a União ser um fator de peso para isso, vide o Rio de
Janeiro), os municípios se tornam, em muitos casos, os principais protagonistas
das campanhas estaduais e nacionais que ocorrerão em 2026, fator este
demonstrado pela expressiva atuação de forças associadas, inclusive no passado,
ao Poder Executivo Federal em campanhas municipais, em muitos casos sem a
presença de personalidades que atuam em nível estadual.
Dado que o conjunto de
municípios do país não possuem, em grande número, capacidade de arcar com as responsabilidades
que cabem a estes entes e são, consequentemente, dependentes de transferências
constitucionais por parte da união e dos estados para a prestação dos serviços
que lhes cabem para a população, sobretudo de áreas específicas cujos recursos
estão alocados em fundos específicos (como o FUNDEB e o Fundo SUS), a
sustentabilidade do orçamento da união guarda, em alguma medida e no atual
arranjo, relação com fatores locais.
É, inclusive,
merecedora de menção por parte destes colegas, e com razão, a tramitação em
curso no Senado Federal do Projeto de Lei Complementar Nº 141/2024 no Senado,
já aprovado na Câmara dos Deputados[3]. Os municípios são
limitados pela Lei de Responsabilidade Fiscal a ter um custo máximo de 60% de
sua receita corrente líquida com pessoal. O objetivo do Projeto de Lei é incluir
entre as exceções, ou seja, os gastos com pessoal aos quais que não contariam
para a aplicação deste limite, também o pessoal pertencente às organizações do
terceiro setor fomentadas pelo município em questão, o que, por si só, já seria
um problema que poderia elevar as despesas com pessoal dos municípios ao
infinito.
O Tribunal de Contas da
União já emitiu, através de consulta ao Congresso Nacional em 2016, acórdão com
o entendimento de que os gastos com pessoal atuante no terceiro setor não
entrariam no cômputo. Houve, porém, a revisão em 2019, e a mudança de
orientação. Nesse sentido, o Projeto de Lei Complementar que hoje aguarda
relatoria no Senado Federal segue orientação oposta.
Porém, soma-se à estas
questões da conjuntura uma outra, de grande complexidade analítica, que poderá
aprofundar ainda mais o problema em caso da política não levar em consideração
esse e outros caminhos. O Censo de 2022 demonstrou, do ponto de vista
populacional, tendências em direção à reacomodação da população de algumas grandes
capitais em municípios outros, a princípio no seu entorno. Esses fatores podem
ter forte impacto nas demandas por serviços, sobretudo em pequenas cidades
onde, além de não haver condições de prestá-los para a população que já ali
reside, ainda precisarão acolher quem chegará. Além, claro, de outros fatores correlatos e
relacionados, como o envelhecimento populacional.
Estão, portanto, sendo
somados ingredientes aos colapsos fiscais dos estados que indicam consequências
da má gestão também para outros entes federativos, caminhando para não só a
existência de uma situação insustentável na união e, consequentemente, em
municípios, como possivelmente para seu máximo agravamento.
Dado que não será
possível arcar com, ao mesmo tempo, interesses miúdos e particulares e demandas
que a realidade já exige, a conjuntura demonstra que, onde quer que a tarefa da
correção de rota precise acontecer, ela apenas será possível pela via, a ser
percorrida já agora, do centro político programático que foi ilustrado neste
espaço, como a luta do personagem Riobaldo e o enfrentamento sério e lúcido do
seu contexto repleto de gente de carne e sangue[4].
[1] - Doutorando em Ciências Sociais pelo
CPDA/UFRRJ e Gestor Responsável pela Aprendizagem Profissional e Estágio da
Cedae Saúde.
[2] - SALTO, Felipe; PELLEGRINI, Josué. Fragilidade
fiscal da União colocou Brasil em enrascada. Folha de São Paulo,
28/09/2024. Disponível em:
Nenhum comentário:
Postar um comentário