segunda-feira, 28 de outubro de 2024

TESES PARA AMPLO DEBATE NAS FORÇAS DEMOCRÁTICAS

Campanha eleitoral em 1974


Dez Teses sobre a Conjuntura Política


Tese 1. Terminou o segundo turno. Bolsonaro é um dos derrotados nessas eleições municipais. A tendência para o Centro ganha força no eleitorado.

Tese 2. Hoje há uma tendência a configuração de uma verdadeira disputa entre o Centro (diversificado entre normativos democráticos, um campo liberal financeiro e outro liberal social) e um Centro Conservador (diversificado entre centro pragmático, conservadorismo de costumes e neoliberais). São dois “campos” disputando o Centro político.

Tese 3. Os discursos de extremismo tanto com roupagem de Direita e/ou de Esquerda, na verdade, são expressões do mal-estar da sociedade brasileira que não se encaixa nessa tendência predominante de Centro que é vinculada ao sistema político institucional. Esses extremistas seriam os anti-institucionalidade.

Tese 4. A ausência de um debate político programático diante da crise, incluso o do mundo universitário em formular uma opinião para a sociedade, o que se torna uma tendência alarmante. A universidade de espaço do debate plural se transforma numa “terra rasa” de Inquisições e/ou de Performances. Não se preocupa mais com a opinião democrática, mas com a lacração com certificados.

Tese 5. Se o ensino superior atingiu esses níveis de distanciamento do compromisso histórico com a modernidade apostando numa pós-modernidade, o nível básico de ensino está entregue as velhas lutas corporativas e enquanto os analfabetismos avançam, incluso o funcional, diante do uso excessivo das telas que pouco ou nada informam. Sem ler o mundo e ter uma visão mais abstrata da sociedade, a juventude está deixada ao reboque das posturas políticas disfuncionais.

Tese 6. Análises de que haja um “pobre de Direita” é uma nova roupagem da frase de que o “pobre não sabe votar”. Na verdade, se foge de um balanço político sobre os anos de governos feitos sob a égide da moderação. Desde a primeira aliança vitoriosa PT-PL e coligados em 2002. Logo, não houve a postura de se empenhar no aprimoramento das instituições políticas democráticas, pois seu principal instrumento foi esvaziado: o partido político.

Tese 7. As pautas liberais de interesse de reconhecimento social no mercado não dialogaram com as instituições políticas pois elas foram apresentadas como herdeiras do “atraso político”. Essa dinâmica ajudou na construção da interpretação anti-institucionalidade que foi capturado pelos extremistas.

Tese 8. Na dinâmica de se tornar cada vez mais flexível ao mundo social, o empreendedorismo é a nova realidade da “revolução dos interesses”. O Estado é o principal responsável pelos problemas da sociedade e nada de se apresentar uma solução democrática. O analfabetismo funcional vai formar que sociedade empreendedora? Esse tipo de discurso sem a questão democrática poderá criar os “campos de concentração” de trabalhadores domésticos. A orientalização de nossa sociedade pelo atalho do americanismo pode inibir a qualidade de nossa democracia.

Tese 9. A Constituição de 1988 ainda vive, mas até quando essa sociedade doutrinada para servir ao mercado pelos meios de comunicação e os Influencers vai suportar isso? Logo, a Frente Democrática é necessária hoje para um novo embate. Não é contra Bolsonaro e o bolsonarismo, mas o grande problema está nas forças do liberalismo malcompreendido enraizado na mente individualista.

Tese 10. Portanto, as forças políticas do campo democrático devem se reunir numa ampla Conferência Nacional para debater os próximos passos sem ficar refém dos calendários eleitorais. A tarefa é complexa pois o Governo da Frente Democrática não se fez bem como ainda não se fez o Ministério de Frente Democrática, pois se perdeu nas demandas da revolução dos interesses. Contudo, não é a Esquerda que está sem rumo. A Democracia que está à procura de um pouco de ar para respirar no Brasil.

 

27 de outubro de 2024

Assina esse documento o “Caminho Democrático” integrado por militantes políticos sem assento nas direções partidárias ou sem filiação as mesmas.


segunda-feira, 21 de outubro de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 065 - QUEM TEM MEDO DA FRENTE DEMOCRÁTICA?

Empreendorismo doença senil do esquerdismo

 

Euclides Ulianov da Cunha[1]

 

“Marcados pela própria natureza

O Nordeste do meu Brasil

Oh! solitário sertão

De sofrimento e solidão

A terra e seca

Mal se pode cultivar

Morrem as plantas e foge o ar

A vida e triste nesse lugar(...)”

Marçal escreveu...

 

Faltando poucos dias da realização do segundo turno no maior município do país ocorreu um “apagão” na análise política daqueles que se consideram como representantes do campo da esquerda. Na verdade, a dificuldade de raciocínio sobre a política eleitoral em conexão com a conjuntura já vinha desde a insistência numa candidatura que tinha elevados índices de rejeição.

Tamanha escolha aparenta ser coisa de principiante. Mas, sabemos que em tempos de cláusula de barreira, um “puxador de legenda” em 2026 vale muitos recursos públicos do Fundo Eleitoral de Campanha. Rasguemos as “máscaras” desses liberais das urnas. Silenciam sobre a Frente Democrática necessária com o MDB, PSD, PSDB, CIDADANIA e setores democráticos do PL para fazer uma reinvenção de uma marca televisiva.

Pequenas votações e grandes negócios. Eis a nova marca dos renegados que se consideram monopolizadores da Esquerda. Não se respeita o lugar de fala nesse momento de aventuras eleitorais em nome da conquista de um novo sujeito: o pobre de direita.

Lamentavelmente o que está pobre é a capacidade de análise da conjuntura política que não percebe que os indicadores sociais seriam mais graves que se pensava ao assumirmos o Governo na subida da rampa que deixava para trás inúmeros aliados que contribuíram para uma vitória apertada. Não temos monopólio da vitória das urnas, pois ganhamos num plebiscito contra as forças reacionárias com fôlego para nos assustar. Então, o que explica essa candidatura que não apresentou nada de relevante sobre a onda de calor, mas diz ter uma revelação surpresa sobre o atual mandatário de São Paulo?

A ideia de uma Frente Ampla para acumular votos é o que se suspeitava desde o começo em que muitos criaram uma falsa oposição com um Prefeito de um partido aliado ao nosso Governo. Foi no Governo do MDB que trouxeram a vice de uma campanha que olha para a volta das comunidades de trabalhadores domésticos como se seria o a utopia do capitalismo pré-industrial – essas seriam categorias de esquerda ou não? Temos uma candidatura perigosamente a alimentar o populismo do empreendorismo como se fosse uma abertura ao diálogo com as periferias.

A morte dos atores políticos se aprofunda na “Carta de São Paulo” como se fosse um museu de grandes novidades. Estamos indignados pois o mundo acadêmico ficou em silêncio diante dos números profundos das raízes da desigualdade do Censo de 2022. Vimos um debate sobre as cores da sociedade brasileira, mas o que dizer sobre uma população que envelhece e adoece? Quem vai pagar o plano de saúde do motorista de UBER ou da dona do salão de beleza?

Após a provável derrota, ouviremos mais uma vez as ladainhas do imposto sobre grandes fortunas e sobre o imposto progressivo sobre os imóveis ou até sobre a reforma trabalhista neoliberal de 2017. Sejamos mais simples em reconhecer que parecia revolução, mas era apenas neoliberalismo social. O “Fujimorismo” fez sua inserção tardia em alguns aprendizes de assessoria de campanha.

Solicito que não se autodeclarem como de Esquerda Unida, pois não contam com meu voto e de um importante segmento que desde o primeiro turno defendeu a candidatura da situação, pois é uma Frente Democrática com suas contradições. Hoje o Governador Tarcísio se afasta do “bolsonarismo” da mesma forma que um dia se afastou da Presidente Dilma. Estamos acompanhando esses movimentos, pois a política não se faz com coxinhas de jacas vendidas no Capão Redondo.

E esperemos que haja um aprendizado político com essa derrota política e eleitoral. Não inventem candidaturas segmentadas ao Senado no futuro próximo. Comecem por reconhecer que ainda estou aqui.

 



[1] Pseudônimo de ex-dirigente sindical da esquerda que não seguirá seu Partido nas eleições do próximo Domingo. Recebemos esse artigo via e-mail e o postamos aqui por reconhecer esse espaço como plural e defensor de um debate necessário que está sendo dirigido no "campo da esquerda" por setores liberais.

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 064 - A POLÍTICA POBRE SEM O CENSO

O último decênio em perspectiva

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

A história recente do último decênio exige uma avaliação contundente dos sentidos políticos de um conjunto de eventos que nem sempre são discutidos com o rigor que necessitam o que acaba por gerar a incompreensão de nossa experiência. Muito se escreveu e falou, por exemplo, sobre os acontecimentos de junho de 2013, com interpretações ora entusiastas, ora apocalípticas, que viram na sequência de protestos que sacudiram a cena do país, com o redespertar da nossa geografia política. Ao consultar vozes incontornáveis em nosso debate público, a Revista VERSUS (N° 11, novembro de 2023 - https://versus.ccje.ufrj.br/versus-hoje/) ouviu estudiosos sistemáticos sobre o tema, desde sua eclosão até o seu primeiro decênio. Lá Julio Aurélio Vianna Lopes (Fundação Casa de Rui Barbosa) e Marco Aurélio Nogueira (professor titular da UNESP, e autor do incontornável A democracia desafiada: recompor a política para um futuro incerto, 2023), eles analisam a experiência dos governos e sua complexa relação com a sociedade, expressas nos diferentes teatros das ruas. Desde Junho de 2013 às ruas foram compostas por muitos movimentos, de orientações políticas distintas e com agendas próprias. Para Marco Aurélio Nogueira: “Por conta da efeméride, ou seja, dos dez anos de 2013, houve uma série de artigos e entrevistas que fazem uma conexão mecânica entre 2013 e a situação atual, passando particularmente pelo governo Bolsonaro. Como se 2013 tivesse botado um ovo de serpente. Penso que esta é uma visão equivocada, mecanicista, que despreza vários outros acontecimentos que tiveram alto poder de determinação na ascensão do bolsonarismo (a crise econômica, a perda de base parlamentar do governo Dilma, a falta de políticas claras).” Na revista, se discute os principais embates das gestões nesse decênio, construindo um panorama amplo e complexo de nossa experiência política recente.

Na revista se traz à baila Treze: A política de rua de Lula a Dilma (2023), de Angela Alonso. Este título apresenta sua pesquisa desse decênio que compara as avaliações dos eventos de Junho de 2013, da década e de hoje.

Para se ter a dimensão dos achados duas produções audiovisuais em 2022 foram lançadas: a série documental de seis episódios, Junho, o começo do avesso, com subsídio do Fundo Setorial Audiovisual, e o longa Ecos de junho, apoiado por Agência Nacional do Cinema (ANCINE) e Rede Globo.

Para quem viu os documentários e depois lê o livro percebe que a maioria dos inquiridos considera difícil avaliar as consequências, mas condenam a violência que os cercou. No entanto, julgam que as suas causas foram justas e que revelou o descontentamento generalizado.

Apesar do tempo que passou, ainda são lembradas as frases de autoridades referentes ao “gigante acordou”, “o despertar social”, entre outras imagens. Mas neles está encarnado o olhar crítico a uma tecnocracia impermeável aos graus de igualdade (se não material, pelo menos simbólica) alcançados pela sociedade brasileira na década de 1980 com a expansão da democracia, da educação e das redes sociais.

2013 e depois vimos a ação coletiva e anônima de indignação acumulada contra uma cultura elitista egocêntrica, indiferente à situação e angústia da população. Esta crise de representação não era nova: vinha fermentando desde Collor. Nas palavras de Angela Alonso: Tanto em São Paulo como no Rio, onde se julgava que as prefeituras eram o alvo, instalou-se o impasse. Noutras partes do país, onde nem havia aumento de tarifa, ficava claro que as demandas eram outras, com destaque para as disputas em torno de terra e moralidade. Indicação de que as razões não eram municipais. A presidente, contudo, permanecia impávida, como se nada tivesse com isso, embora a vaia do dia 15 já desse pista de seu ledo engano.

As ruas, então, serviram de megafone através do qual milhões de compatriotas saíram para expressar algo muito básico: “estamos aqui”. Não aceitamos viver marginalizados na periferia atravessada por uma modernização que não utilizamos. Se para ser ouvido era preciso sair às ruas e participar de marchas e manifestações, faremos como se fizera em 1984, ainda que essa história não nos tenha sido contada.

Os custos de 2013 e depois não foram iguais para todos. Nos bairros dos eventos era um espetáculo dantesco visto pela televisão, e não vivido diretamente. Os eventos visavam atingir e conscientizar aqueles que teriam o controle sobre uma ordem que girava sobre si mesma sem dar sentido à vida; um sentido como aquele que outrora surgiu da história da modernização (prosperidade e igualdade) e, ainda mais profundamente, da salvação que a fé promete.

Comovidas e assustadas, as elites políticas e econômicas abriram-se ao clamor, mas isto só durou até que as mobilizações cessassem. No final tudo parecia permanecer igual; ou pior, devido aos custos políticos. Aí veio o que o Marco Aurélio Nogueira mencionou na entrevista acima citada, onde a ela devemos adicionar 2014, 2016, 2018, a pandemia e, acima de tudo, um mundo com guerra.

Apesar de tudo 2013 e depois foram atos da sociedade e de esperança. Mas aparentemente em vão, pois a vida desde então ficou mais difícil, como indicam os resultados preliminares do Censo Demográfico 2022.

Daí que a explosão pública foi transformisticamente dando lugar então à implosão individual. A 2013 e depois foi privatizada, o que certamente contribui para as atuais pandemias de Influencers, Tiktokers, Youtubers, OnlyFans e afins e de saúde mental. Mas ontem e hoje a exigência da população é a mesma: seguridade; seguridade para a velhice, contra as doenças e pró saúde, o desemprego e, hoje, como prioridade, pró segurança pública. Se as instituições não agirem para responder a este apelo, que ninguém volte a dizer que não previu que isso aconteceria, pois isto não se entende com as lentes ditas sociológicas da demofobia.

 

20 de outubro de 2024



[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, da Teia de Saberes e do Instituto Devecchi.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

SÉRIE ESTUDOS - ESPERANÇA

Salve Simpatia

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]


Han, Byung-Chul. O espírito da esperança: Contra a sociedade do medo.
Ilustrações de Anselm Kiefer. Tradução de Milton Camargo Mota. Petrópolis: Editora Vozes, 2024. 144 págs.

 

Fiquei muito bem animado ao ver que o filosofo coreano quase crioulo alemão Byung-Chul Han acabou de publicar entre nós um livro sobre esperança. Ele se intitula O espírito da esperança: Contra a sociedade do medo. Em seus livros, Han sempre faz uma análise lúcida e crítica de nossos tempos. Mostra como a sociedade da transparência pode ser transformada na sociedade do controle. Ele diagnóstica a nossa sociedade como uma sociedade de comunicação, mas não de comunidade, uma “sociedade do cansaço” poderia vir a ser uma era de positividade (do “gosto”) que, no entanto, paradoxalmente, alberga a depressão no seu núcleo.

Em suma, pode-se pensar que a visão de Han é uma visão desesperada do nosso mundo. Existem muitas razões para este desespero: alterações climáticas, guerras fratricidas em diferentes partes do planeta, individualismo, desenvolvimento de tecnologia sem fronteiras éticas, uma pandemia de saúde mental, especialmente entre os mais jovens, entre outras questões difíceis. Entretanto Han percebeu que, sem esperança, os hominídeos não são possíveis, e que um intelectual com o repertório que possui também tem a responsabilidade de evitar que a esperança se apague. E ele não está só.

Gabriel Marcel (1889-1973), filósofo francês e que abrem o livro de Han, disse que, em última análise, somos feitos de esperança. Não somos apenas células e sinapses, somos mais que isso e às vezes parecemos esquecer isso. Na verdade, Han abre o livro com uma citação de Marcel: “a esperança é um elã, um salto”. Um salto: como a fé o fora para o dinamarquês Kierkegaard (1813-1855).

O apóstolo Paulo, na Primeira Epístola aos Coríntios, fala de “fé, esperança e amor”, a tríade essencial do cristianismo, e exalta o amor como o mais importante. Pouco se escreveu sobre o mais esquecido dos três: a esperança.

A outra epígrafe do livro de Han é do poeta judeu romeno Paul Celan (1920-1970): “Uma estrela, quiçá tenha luz, nada, nada está perdido.” Pensemos juntos na estrela que acompanhou Dante no seu caminho iniciático e na constelação do Cruzeiro do Sul que ele observou ao olhar para o céu, e ao sair do Inferno e entrar no Purgatório. Devemos lembrar como bem o fez Marx (1818-1883) que no poema de Dante (1265-1321), que na entrada do Inferno, estava escrita a terrível frase: “deixe aqui toda esperança”. Finalmente, esse é o inferno: o lugar onde desejam eliminar a esperança. Não atoa o discurso de despedida de Obama da Casa Branca é citado num apud da Martha C. Nussbaum do ainda sem tradução A monarquia do medo (2018).

Paul Celan, o poeta dessa estrela, sofreu o desespero, como muitos poetas e intelectuais de sua época, quando o horror tomou conta da Europa: ele próprio acabou suicidando-se, como Walter Benjamin (1892-1940) e Stefan Zweig (1881-1942), colossais humanistas. Final duríssimo para quem um dia escreverá que “nada estaria perdido” enquanto uma única estrela brilhasse ... As almas humanas têm tantas camadas, por isso devemos cuidar dela e não deixar que a fonte da esperança se esgote dentro de nós. A chilena Violeta Parra (1917-1967) escreveu aquele luminoso hino “Gracias a La Vida” (1966) em momentos de grande dor. Acreditamos que Han aposta neste último livro para dar vislumbres de esperança. Ele distingue a esperança de um otimismo ingênuo como fizera Terry Eagleaton, tão limitado quanto o pessimismo. Nem Martin Luther King Jr. pois a montanha do desespero precede a pedra da esperança. Nem Ken Loach em O Último Pub (The Old Oak, 2023).

Certa feita disse um cancioneiro popular, Chico Buarque em tempos de AI-5, de dificuldades atrozes no nosso país fez sua ode a esperança com Apesar de Você: Amanhã vai ser outro dia... Intelectuais e filósofos por vezes consolam-se no desespero, esquecendo-se de que tanta desesperança pode condenar-nos à construção de uma sociedade de sobrevivência como alude Han.

Han diz: “Estamos numa multicrise. Olhamos amedrontados para um futuro sombrio e falta esperança em toda a parte. (...) No entanto, apenas a esperança nos permite recuperar a vida que é mais do que sobrevivência. Ela estende o horizonte do significativo, que revitaliza a vida e lhe dá asas. A esperança nos presenteia com o futuro É o que faz Han voltando ao Gabriel Marcel, que nos diz: “a esperança por meio de um ímpeto próprio, tem a aspiração irresistível de transcender os objetos específicos aos quais parece inicialmente se apegar”. Os poetas são os reservistas da esperança. O nosso Rodrigo Estrella mostra em seu A Anatomia da Esperança como nós brasileiros somos criaturas da esperança. Precisamos urgentemente – para afugentar o fantasma do medo – falar dos nossos inúmeros lugares: salvemos o futuro.

 

15 de outubro de 2024



[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, da Teia de Saberes e do Instituto Devecchi.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

SÉRIE ESTUDOS - UM DEBATE URGENTE

CIDADE É DIREITO E MUNICÍPIO SEU EXERCÍCIO

Júlio Lopes[1]

 

 O maior desperdício cívico brasileiro é a ausência, tão habitual quanto eleitoral, do tema do direito à Cidade em eleições municipais. Seu desprezo ostensivo ignora como seu exercício contribuiria à cidadania e à economia, mesmo onde elas são mais frágeis.

Ser ambiente onde componentes artificiais superam os naturais não torna o urbano avesso às comunidades ou à Natureza. Todo elemento artificial é transmutação dela e através de ações coletivas, possibilitando escolher inserções tão sustentáveis quanto comunitárias da urbanização. Inovações urbanas podem ser harmônicas com elementos naturais e entre vizinhanças.

Cidade é direito ambiental, como fusão humana com a Natureza pela sustentabilidade urbana que reverteria, progressivamente, a exclusão de elementos naturais anteriores que fundou as cidades brasileiras. Não para repor todos os rios e matas precedentes, mas conectando pontos do fluxo hídrico subterrâneo e plantando espécies adequadas em espaços cujo acesso beneficiasse atividades, tradicionais ou inovadoras, pela população local.

Cidade é direito cultural, como única comunidade sem limites, onde diferentes se encontram como em nenhum outro lugar. Não para abandonarem sua estranheza cotidiana, mas para descobrirem possibilidades em diferenças constantes de novas formas de relacionamento pessoal e profissional, desde que seu fluxo migratório característico tanto não expulse moradores tradicionais ao advirem novos, quanto atraia qualificados para incrementar sua diferenciação populacional.

Ao ideal de Cidade corresponde uma renovação sustentável que harmonize a restauração (embora nunca total) de circunstâncias naturais à maior expansão comunitária possível (além da tradicional). Porque ela é uma conjugação político-administrativa de bens e serviços públicos cujas funções sociais locais são decisivas à transição energética, como já proclamado desde a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92). Concebê-la como direito consolidaria nossa cidadania precária, por abranger nossas falhas.

Já neste sentido é que a urbanização já fora adotada, constitucionalmente (artigo 182 da Constituição Federal), como política de desenvolvimento municipal permanente. Dela, portanto, imbuindo qualquer Município brasileiro, inclusive os rurais, a serem urbanizados, tão progressivamente quanto racionalmente. Porém, a dimensão ecológica, mediante alianças sustentáveis entre fatores artificiais e naturais, integra a dimensão comunitária, enquanto cruzamento entre fatores tradicionais e inéditos, da urbanização. Daí a conjugação entre ambas ser, preferencialmente, democraticamente exercida à medida que suas reconstituições, constantes e características das cidades, implicam que haja compromissos regulares para segmentos sociais cada vez mais diferenciados entre si.

O Brasil não é a única nação dotada de níveis municipais de organização. Mas é aquela nas quais municípios têm efetiva autonomia político-administrativa com vários instrumentos para o seu desenvolvimento urbano, embora infelizmente pouco utilizados, senão ignorados pela maioria das Prefeituras. Às quais, como guardiãs de quaisquer interesses locais neste âmbito geográfico, também são devidas assistências federais.

Assumir ambos os eixos ecológico e comunitário da urbanização, no Brasil atual, implicaria às Prefeituras e Ministério das Cidades um pacto básico em:

- tornar calçadas pedonais: cujo estado inadequado a caminhadas tolhe, ao menos, expandir as atividades locais em bairros ou distritos. Proximidade residencial é fundamental à vida municipal, ao depender de atividades provenientes de ou entre residências, inclusive comerciais;

- tornar celebrações habituais: para além de datas tradicionais, garantir variadas comemorações coletivas na maior amplitude territorial (obviamente sem descurar da ordem urbana) ensejaria a profusão de comunidades locais, cujo fortalecimento também basearia atividades turísticas correspondentes;

- tornar catadores profissionais: na circularidade econômica de rejeitos urbanos, não apenas quando reutilizáveis e recicláveis. A profissionalização municipal da coleta, ostensivamente já praticada por segmentos mais vulneráveis, acarretaria tanta inclusão socioeconômica deles, quanto fortaleceria arranjos empresariais circulares como vocação comunitária de municípios, em sua incumbência pública habitual na destinação de resíduos locais;

- tornar energias renováveis: viabilizar vizinhanças energeticamente conectadas em fontes solares, eólicas e demais com renovação energética intrínseca, incrementaria a profusão de atividades, inclusive como novos ou ampliados acessos locais para a distribuição de energia no âmbito municipal e, portanto, maior integridade corrente de seu uso comunitário;

- tornar praças ocupáveis: com segurança e comodidade permanentes para seu uso comunitário e também durante dias úteis, como locais de passagens corriqueiras, portanto, de atividades pontuais tradicionais e inovadoras;

- tornar verdes os espaços vazios: idealmente por ajardinamentos verticais e hortas comunitárias, inclusivas da função social de amenização climática local. Com plantios municipais, ao contrário dos que ainda predominam, orientados por seu impacto no solo natural ou artificial destinado;

Tais medidas ainda são tão básicas que continuam necessárias aos municípios brasileiros e mesmo naqueles onde funções urbanas já garantem ciclovias, blocos de rua ou praias. Beneficiariam à maioria munícipe, para que segmentos vulneráveis exerçam a cidade em níveis maiores.  Como única nação onde há autonomia municipal, articulada por Rui Barbosa em nossa instauração republicana, é o mínimo exigível de qualquer Prefeitura brasileira.



[1] Julio Lopes foi consultor para aspectos jurídico-institucionais do zoneamento econômico-ecológico de Rondônia, é Pesquisador em ciência e tecnologia da Casa de Rui Barbosa e autor de Viver em rede (Editora 7Letras).

domingo, 6 de outubro de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 063 - O LADO OBSCURO DA FORÇA E NÓS


Em prol da nossa virtude federativa

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Sabemos que o mundo não atravessa um bom momento, a ligeira melhoria econômica dos últimos tempos não é suficiente para cobrir a gravidade da atual fase que atravessamos a nível geopolítico, onde as guerras em curso parecem intermináveis, sem esperança de negociação e com perigos de escaladas ainda maiores. Teremos repatriação de brasileiros do Oriente Médio no curso das eleições 2024.

As únicas manifestações mesquinhas ocorrem quando o inimigo é destruído, recebe cadeiradas, e a política é morta aos poucos, e o número de vítimas adquire a banalidade da denúncia da Hannah Arendt (1906-1975), onde as ameaças verbais alimentam o medo e a desesperança.

Não temos de memória uma Assembleia Geral das Nações Unidas como a atual, em que os chefes de Estado tenham demonstrado uma linguagem tão agressiva, sem intenções dignas, onde predominou o mau humor.

É verdade que sempre houve personagens bufões e histriônicos que marcaram um ou outro encontro. Nikita Khrushchov (1894-1971), baixo, redondo e com sorriso com mais de um dente de ouro, quando representou a União Soviética durante uma sessão em 1960, tirou o sapato e começou a bater na mesa porque não gostou do discurso das Filipinas.

Em 2006, o belicoso Hugo Chávez (1954-2013), que falou no dia seguinte a Bush, usando língua ferina, assinalou que havia um cheiro de enxofre no púlpito porque o diabo havia falado ali recentemente. Nada disso tem graça, mas foram tristes exceções.

Na atual Assembleia Geral tudo foi dito com vozes ultrajantes como a do Presidente da Turquia Erdogan que criticou a inauguração dos Jogos Olímpicos de Paris, atacando os valores do Ocidente; Benjamin Netanyahu, por sua vez, descreveu o Secretário-geral das Nações Unidas como um antissemita e o presidente da Argentina, cujos resultados até agora aconselhariam barbas de molho, pelo menos a julgar pelos níveis de pobreza que atinge 52% dos seus concidadãos, fala com autoconfiança categórica como possuidor da verdade absoluta! Outros não estão dispostos a ouvir uns aos outros e se retiram quando alguém de quem discorda fala. Os tons em geral têm sido mais parecidos com uma rinha do que com uma ágora reflexiva.

O que acontece na relação entre os Estados reflete uma situação mais ampla nas notícias, onde um idiota mediático acha interessante que as únicas pessoas capazes de pensar com total liberdade sejam macho alfa com altos níveis de testosterona, e que fariam isso melhor do que o conjunto do sistema republicano e democrático.

Quem tem feito estes comentários não é outro senão o Elon Musk, cujos amigos autocratas conhecemos.

O que está acontecendo no antropoceno? Estamos chegando ao fim? Só existe o apocalipse no horizonte? Ou simplesmente que o processo civilizador, o conhecimento, a inteligência e a modéstia se esvaíram?

Se o mundo que nos rodeia adquire este tipo de tom no debate, talvez algo explique a degradação que o debate antipolítico se apresentou nas eleições municipais no nosso país nesse 2024 e que abrange todos os setores, inclusive documental, ou alguém esqueceu da pandemia e os imbróglios que desejavam enredar o estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional? O tom do debate segue áspero, dificultando a governabilidade, como se não precisássemos de mais discussão com vistas aos encaminhamentos pós-eleitorais. Há muitas questões que requerem acordos federativos e transversais no Brasil, mas pelo menos três delas não podem ser resolvidas sem estes entendimentos devido às suas magnitudes e gravidades.

A primeira é a da segurança pública, o aumento ilimitado da violência que atingiu níveis vexaminosos onde o seu enfrentamento se coloca como tarefa republicana e democrática. É necessário um total espírito público para colocar todos os instrumentos policiais, institucionais e sociais possíveis em uníssono para conter a sua expansão destrutiva e sua total eliminação.

A segunda é que não podemos sustentar a coexistência pacífica do país e o aumento da dignidade de vida dos cidadãos se não regressamos a um caminho de crescimento sustentável que nos distinguiu durante anos na América. Um maior bem-estar social não é possível sem maior investimento, sem crescimento econômico, sem níveis mais elevados de produtividade. Não há maior obstáculo para isso do que as visões ideologizadas, de bets e afins e outras modalidades de supostas prosperidades fáceis e a ausência de colaboração público-privada.

A terceira está relacionada com as bases do futuro, a revisão do nosso percurso educativo. Devemos ter a capacidade de rever onde estamos quais erros foram cometidos mesmo com as melhores intenções. Será construído pelos municípios que conseguiremos a base necessária para progredir. Devemos restaurar este caminho, sem perder o que avançamos, mas solidificando o sistema, não só abrindo mais oportunidades de melhoria, mas também melhorando a sua qualidade. Só se formos capazes de fazer isso poderemos responder à mudança de época que vivemos.

Estas são as prioridades, a base que permitirá avançar também noutros aspectos, mas não podemos nos perder em debates de purezas simbólicas que alegrem as diversas clientelas eleitorais e nada tem de exemplares.

Se não construirmos os acordos necessários de uma forma democrática e republicana, não conseguiremos soerguer o nosso país. Isto significa saber conduzir a competição política-eleitoral com base nas convicções da Frente Democrática que aspira governar desde 2022, mas significa fazê-lo testando quem na coalizão consegue fazer melhor, e não apenas tentando favorecer as suas próprias siglas e mostrando o seu desdém aos demais.

 

6 de outubro de 2024



[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, da Teia de Saberes e do Instituto Devecchi.

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 062 - ELEIÇÕES CARIOCAS (3)


 

Em fevereiro de 1873, na charge da Revista Fluminense, Duque-Estrada Teixeira é aclamado por sua malta de navalha em punho.

A Representação Legislativa Carioca em 2024

Vagner Gomes de Souza[1]

 

As eleições municipais de 2024 é a primeira de âmbito local na terceira década desse século e a primeira a se realizar após a vitoriosa Frente Democrática nas eleições presidenciais de 2022. No distante ano de 2020 a abstenção eleitoral chegou a números elevadíssimos o que pode ter impactado em muitos resultados eleitorais majoritários, com certeza, isso ocorreu nas eleições legislativas aonde o sistema é proporcional. A redução do coeficiente eleitoral por conta do crescimento do não voto (abstenção, brancos e nulos) beneficia a continuidade de candidaturas com um eleitorado mais fidelizado pelos apelos de identidade ou pelo recurso das “máquinas eleitorais”. O eleitor desengajado cria um parlamento local reativo e sem figuras da moderação.

A antiga capital do Brasil tem 51 vereadores eleitos aonde alguns assumiram a vaga na condição de suplente porque alguns eleitos em 2020 ascenderam ao legislativo federal e estadual. Cada vereador tende a começar uma campanha eleitoral com mais recursos do fundo eleitoral e por estar com um trabalho consolidado em algumas áreas temáticas e/ou bairros. Partem com vantagem aqueles que têm maior trabalho junto aos eleitores.  Tocqueville já alertava que “nos países democráticos, os membros das assembleias políticas pensem mais em seus eleitores que em seu partido, ao passo que, nas aristocracias, se ocupam mais com o partido que com seus eleitores.” (Tocqueville, 1977, p. 379)

Sugerimos que há uma sedimentação pela continuidade, mas ela está “contaminada” pelos vícios anunciados por Tocqueville em que os atores políticos estariam distantes da mobilização e formação de uma cultura cívica política. Por outro lado, “a criação de assembleias locais, em que homens livres pudessem participar do governo, pelo menos até certo ponto.” (Dahl, 2001, p. 32) seria uma percepção de Robert A. Dahl a explicar uma diversidade de candidaturas como se fossem mercadorias numa “feira eleitoral” aonde a criatividade carioca adotou o rodízio de pastéis com caldo de cana.

Assim, os representantes do legislativo carioca mudam de partidos constantemente em sua maioria na busca de um melhor alinhamento ao Prefeito e/ou Deputado Federal-Estadual ao qual esteja vinculado. A garantia de recursos para a sua candidatura é uma condição primeira para a filiação partidária, ou seja, a ausência dessa fidelidade partidária/ideológica expõe um “ponto fraco” nas argumentações sobre a polarização afetiva no sistema eleitoral brasileiro uma vez que um Vereador filiado ao PSB pode perder a reeleição filiado ao PP e buscar uma nova eleição filiado ao PL. Esse “rodízio” político se faz no período das “janelas partidárias” o que impacta no jogo político pré-eleitoral.

As eleições de 2020 foram marcadas pelo elevado índice de abstenção dos eleitores sob o uma pandemia ainda sem vacina. A data do primeiro turno foi adiada para 15 de novembro e muitas atividades de campanha foram adaptadas as restrições sanitárias. O prefeito foi eleito em segundo turno com uma abstenção de 35,45% dos eleitores. Portanto, o atual prefeito foi sufragado por 1629319 eleitores enquanto 1720145 eleitores não compareceram as urnas. Logo, o legislativo carioca terá a distorção de um empate triplo entre Republicanos (partido de situação até então), DEM (partido que ascendia ao executivo) e PSOL (partido que lançou uma candidatura própria e alcançou o quarto lugar com 3,24%). Esses três partidos tiveram sete cadeiras cada. Na lógica da candidatura majoritária “puxador de legenda” o PT elegeria mais, porém foram eleições legislativas em que ser conhecido seria uma vantagem.

 A nominata do PSOL tinha vantagem por ter um candidato a reeleição que já tinha sido candidato a Governador, uma veterano da esquerda carioca dos anos 80 que desejava retornar ao parlamento e a viúva da vereadora Marielle Franco assassinada em 2018. Todavia, a variável do não voto ao legislativo municipal foi marcante, pois o “não voto” atingiu ao histórico 45,6%.

A poucas horas da realização das eleições de 2024 as movimentações nas ruas sugerem a queda acentuada desse número pelas manifestações de um “mercado do voto” ainda pouco mensurado nos estudos empíricos das ciências sociais. O vazio de debate político programático se observa pela busca de pautar o voto do eleitor nas redes sociais, mas o “eleitor de última hora” no voto ao legislativo municipal ainda ouve os mediadores.

A falácia do “voto de opinião” não se aplica diante dessa cultura cívica pouco participativa, o que faz as instituições religiosas ganhar cada vez mais força política nas eleições legislativas cariocas tanto para os evangélicos quanto também com apelos aos eleitores católicos assim como as candidaturas que postam imagens de suas visitas aos terreiros de matriz africana. Sumiram os sindicatos dos Professores, Urbanitários, Bancários, etc. nos currículos de muitas candidaturas ao legislativo carioca. Acrescentemos que as lideranças comunitárias não têm mais um apelo como nas eleições legislativas dos anos 80/90 do século passado.

As “eleições da incerteza” podem criar um perfil de legislativo mais refém de seus “patrocinadores” enquanto os partidos políticos nas eleições cariocas servem de “barriga de aluguel” para os projetos individuais de muitos que desejam mais a ascensão ao parlamento federal e estadual. Não é ilegítimo desejar ascender politicamente, mas o individualismo na política brasileira apresenta grande força nas eleições cariocas. Assim, observamos um “mosaico de horrores” numa cidade em que a cultura eleitoral com o uso da prática da coação e/ou violência política nos acompanha desde o século XIX como nos ensina os estudos da História Local sobre o uso de capoeiras em tempos de eleições (Líbano Soares, 1999).

 

Referências bibliográficas

Dahl, Robert A. – Sobre a Democracia. Brasília, Editora UNB, 2001.

Líbano Soares, Carlos Eugênio – Negregada Instituição: os capoeiras na Corte Imperial 1850-1890. Rio de Janeiro, Access, 1999.

Tocqueville, Alexis de – Democracia na América. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, EDUSP, 1977.



[1] Doutorando do PPGCP-UNIRIO.


quinta-feira, 3 de outubro de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 061 - O MUNICÍPIO E O REGIME REPRESENTATIVO NO BRASIL NO SÉC. XXI

 Victor Nunes Leal - "Pai" da Ciência Política no Brasil

Além de tudo, redistribuição demográfica

 

Marcio Junior[1]

 

Estamos novamente as vésperas de eleições municipais e, cadeiradas e operações policiais a parte, os temas (ou problemas) que dizem respeito à República e à democracia estão aí, alguns novíssimos e outros nem tanto.

Em artigo publicado na Folha de São Paulo[2], os economistas Felipe Salto e Josué Pellegrini demonstram alguns fatores que contribuíram e contribuem para a nossa ida à enrascada fiscal e da necessidade de política para sairmos dela. Porém, somamos ao texto dos colegas a necessidade de atenção à conjunturas municipais como decisivas pois, em razão da situação fiscal de muitos estados estarem beirando ou já em colapso (e a dívida pública com a União ser um fator de peso para isso, vide o Rio de Janeiro), os municípios se tornam, em muitos casos, os principais protagonistas das campanhas estaduais e nacionais que ocorrerão em 2026, fator este demonstrado pela expressiva atuação de forças associadas, inclusive no passado, ao Poder Executivo Federal em campanhas municipais, em muitos casos sem a presença de personalidades que atuam em nível estadual.

Dado que o conjunto de municípios do país não possuem, em grande número,  capacidade de arcar com as responsabilidades que cabem a estes entes e são, consequentemente, dependentes de transferências constitucionais por parte da união e dos estados para a prestação dos serviços que lhes cabem para a população, sobretudo de áreas específicas cujos recursos estão alocados em fundos específicos (como o FUNDEB e o Fundo SUS), a sustentabilidade do orçamento da união guarda, em alguma medida e no atual arranjo, relação com fatores locais.

É, inclusive, merecedora de menção por parte destes colegas, e com razão, a tramitação em curso no Senado Federal do Projeto de Lei Complementar Nº 141/2024 no Senado, já aprovado na Câmara dos Deputados[3]. Os municípios são limitados pela Lei de Responsabilidade Fiscal a ter um custo máximo de 60% de sua receita corrente líquida com pessoal. O objetivo do Projeto de Lei é incluir entre as exceções, ou seja, os gastos com pessoal aos quais que não contariam para a aplicação deste limite, também o pessoal pertencente às organizações do terceiro setor fomentadas pelo município em questão, o que, por si só, já seria um problema que poderia elevar as despesas com pessoal dos municípios ao infinito.

O Tribunal de Contas da União já emitiu, através de consulta ao Congresso Nacional em 2016, acórdão com o entendimento de que os gastos com pessoal atuante no terceiro setor não entrariam no cômputo. Houve, porém, a revisão em 2019, e a mudança de orientação. Nesse sentido, o Projeto de Lei Complementar que hoje aguarda relatoria no Senado Federal segue orientação oposta.

Porém, soma-se à estas questões da conjuntura uma outra, de grande complexidade analítica, que poderá aprofundar ainda mais o problema em caso da política não levar em consideração esse e outros caminhos. O Censo de 2022 demonstrou, do ponto de vista populacional, tendências em direção à reacomodação da população de algumas grandes capitais em municípios outros, a princípio no seu entorno. Esses fatores podem ter forte impacto nas demandas por serviços, sobretudo em pequenas cidades onde, além de não haver condições de prestá-los para a população que já ali reside, ainda precisarão acolher quem chegará.  Além, claro, de outros fatores correlatos e relacionados, como o envelhecimento populacional.

Estão, portanto, sendo somados ingredientes aos colapsos fiscais dos estados que indicam consequências da má gestão também para outros entes federativos, caminhando para não só a existência de uma situação insustentável na união e, consequentemente, em municípios, como possivelmente para seu máximo agravamento.

Dado que não será possível arcar com, ao mesmo tempo, interesses miúdos e particulares e demandas que a realidade já exige, a conjuntura demonstra que, onde quer que a tarefa da correção de rota precise acontecer, ela apenas será possível pela via, a ser percorrida já agora, do centro político programático que foi ilustrado neste espaço, como a luta do personagem Riobaldo e o enfrentamento sério e lúcido do seu contexto repleto de gente de carne e sangue[4].



[1] - Doutorando em Ciências Sociais pelo CPDA/UFRRJ e Gestor Responsável pela Aprendizagem Profissional e Estágio da Cedae Saúde.