A
docência que queremos
Ricardo José de
Azevedo Marinho[1]
O desempenho educativo das nossas crianças e jovens nos testes
nacionais e internacionais mostra uma estagnação em níveis insatisfatórios. Há
até retrocessos relevantes como se viu no Estudo Internacional de Progresso em
Leitura (PIRLS) e nas suas provas de compreensão da leitura para o quarto ano.
Essa realidade já era observada antes da pandemia. As
explicações disponíveis não são claras. Ainda assim, sabemos que bons sistemas
educativos partilham a sua capacidade de atrair pessoas competentes para o
ensino. Em outros aspectos eles têm grandes diferenças. A enorme
heterogeneidade observada na capacidade dos professores e professoras em
impactar a aprendizagem de crianças e jovens deveria incentivar essa busca.
Conseguir um conjunto de professores e professoras eficazes deve, portanto, ser
um objetivo do nosso país. Isto, apesar dos múltiplos esforços, inclusive com
mais um Parecer (CNE/CP N.º 4/2024) do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação
(CNE) que estabelece novamente Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a
Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação
Escolar Básica – a nova carreira docente é talvez o mais significativo de todos
– não parece estar a ser alcançado no nosso país.
Assim, por exemplo, nos ingressos ao longo do século XXI das
pessoas matriculadas em Licenciaturas e em Pedagogia pelo processo regular
vieram da maioria absoluta de notas limítrofes inferiores ponderadas para
classificação. Embora estes números devam ser analisados com cautela - nas
décadas do século XXI novas instituições de ensino superior (IES) foram
incorporadas aos sistemas de admissão e os limites de candidaturas a elas foram
modificados, entre outros fatores - o cenário mais provável é que o ingresso em
Licenciaturas e Pedagogia nesses últimos decênios tenha se tornado menos
seletiva (aliás, se fossem consideradas apenas as mesmas IES, com todas as
limitações que isso tem a seletividade relativa para esses cursos caía).
Esta análise pressupõe que os professores e professoras eficazes
tendem a serem aqueles e aquelas com maior aptidão acadêmica. No entanto, mesmo
com essas evidências é preciso cautela a este respeito. Mas é um fato, como tem
sido demonstrado planetariamente, que os países com bons sistemas educativos
tentam selecionar os seus professores e professoras a partir desta amostra. Ao
mesmo tempo, à medida que mais informações e dados se tornam disponíveis, os
estudos começam a concluir que a formação acadêmica é importante para a
eficácia de um professor e/ou professora. Perseverar, então, em mecanismos que
garantam que pessoas com solidez acadêmica cheguem às salas de aula parece
essencial.
Um primeiro impedimento para alcançar este objetivo pode ser o
salário dos professores e professoras. Segundo o Panorama Mundial da Educação
2023 da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o
Brasil seria um dos países onde os salários dos professores em comparação com
pessoas com estudos semelhantes têm um valor menor. Apenas os outros Estados
desleixados com a educação apresentariam uma situação menos favorável para os
professores e professoras.
Aliás, este não é o único fator que explica a dificuldade em
atrair e reter bons professores e professoras. É uma profissão que perdeu
estatuto, os programas de formação inicial e contínua não parecem ser tão
atrativos para os jovens e as exigências impostas pela profissão são talvez
superiores às esperadas pela juventude hodierna. Todos esses são fatores que
estão obviamente interligados.
Se o país decidir investir mais na consecução deste objetivo,
deve garantir uma estratégia republicana bem concebida com indicadores de
progresso transparentes e amplamente partilhados democraticamente. Isto deve
incluir um sistema de avaliação de professores e professoras melhor e mais
exigente, alinhado com a aprendizagem dos alunos e alunas, a fim de garantir um
conjunto eficaz de professores e professoras.
Se o país não escolher esses grandes eixos fundamentais para impulsionar o nosso sistema educativo nos próximos anos, o desempenho dele continuará a ser abaixo do medíocre e estaremos longe de criar as condições concretas para enfrentar as enormes mudanças tecnológicas, econômicas, culturais e sociais que estão afetando a vida em comum.
27
de julho de 2024
[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e
professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, do Instituto Devecchi e da Teia
de Saberes.
Um comentário:
Quem nos dera a dificuldade ser reflexo apenas a formação docente... seria um problema menos complexo de solucionar. Precisamos reconhecer as deficiências que temos na Infraestrutura, disponibilização de recursos para os alunos (ex.: sala de leitura) principalmente pensando nas camadas populares, desigualdade social que temos no Brasil, Aspectos relacionados à saúde (alimentação, sono, saúde mental,...), inserção da família como parte da comunidade escolar nas políticas e práticas educativas, valorização e legitimação da escola por parte dos pais, etc.
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