sexta-feira, 2 de agosto de 2024

SÉRIE ESTUDOS - O DESAFIO DA FORMAÇÃO DE NOVOS PROFESSORES

A docência que queremos

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

O desempenho educativo das nossas crianças e jovens nos testes nacionais e internacionais mostra uma estagnação em níveis insatisfatórios. Há até retrocessos relevantes como se viu no Estudo Internacional de Progresso em Leitura (PIRLS) e nas suas provas de compreensão da leitura para o quarto ano.

Essa realidade já era observada antes da pandemia. As explicações disponíveis não são claras. Ainda assim, sabemos que bons sistemas educativos partilham a sua capacidade de atrair pessoas competentes para o ensino. Em outros aspectos eles têm grandes diferenças. A enorme heterogeneidade observada na capacidade dos professores e professoras em impactar a aprendizagem de crianças e jovens deveria incentivar essa busca. Conseguir um conjunto de professores e professoras eficazes deve, portanto, ser um objetivo do nosso país. Isto, apesar dos múltiplos esforços, inclusive com mais um Parecer (CNE/CP N.º 4/2024) do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação (CNE) que estabelece novamente Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica – a nova carreira docente é talvez o mais significativo de todos – não parece estar a ser alcançado no nosso país.

Assim, por exemplo, nos ingressos ao longo do século XXI das pessoas matriculadas em Licenciaturas e em Pedagogia pelo processo regular vieram da maioria absoluta de notas limítrofes inferiores ponderadas para classificação. Embora estes números devam ser analisados com cautela - nas décadas do século XXI novas instituições de ensino superior (IES) foram incorporadas aos sistemas de admissão e os limites de candidaturas a elas foram modificados, entre outros fatores - o cenário mais provável é que o ingresso em Licenciaturas e Pedagogia nesses últimos decênios tenha se tornado menos seletiva (aliás, se fossem consideradas apenas as mesmas IES, com todas as limitações que isso tem a seletividade relativa para esses cursos caía).

Esta análise pressupõe que os professores e professoras eficazes tendem a serem aqueles e aquelas com maior aptidão acadêmica. No entanto, mesmo com essas evidências é preciso cautela a este respeito. Mas é um fato, como tem sido demonstrado planetariamente, que os países com bons sistemas educativos tentam selecionar os seus professores e professoras a partir desta amostra. Ao mesmo tempo, à medida que mais informações e dados se tornam disponíveis, os estudos começam a concluir que a formação acadêmica é importante para a eficácia de um professor e/ou professora. Perseverar, então, em mecanismos que garantam que pessoas com solidez acadêmica cheguem às salas de aula parece essencial.

Um primeiro impedimento para alcançar este objetivo pode ser o salário dos professores e professoras. Segundo o Panorama Mundial da Educação 2023 da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil seria um dos países onde os salários dos professores em comparação com pessoas com estudos semelhantes têm um valor menor. Apenas os outros Estados desleixados com a educação apresentariam uma situação menos favorável para os professores e professoras.

Aliás, este não é o único fator que explica a dificuldade em atrair e reter bons professores e professoras. É uma profissão que perdeu estatuto, os programas de formação inicial e contínua não parecem ser tão atrativos para os jovens e as exigências impostas pela profissão são talvez superiores às esperadas pela juventude hodierna. Todos esses são fatores que estão obviamente interligados.

Se o país decidir investir mais na consecução deste objetivo, deve garantir uma estratégia republicana bem concebida com indicadores de progresso transparentes e amplamente partilhados democraticamente. Isto deve incluir um sistema de avaliação de professores e professoras melhor e mais exigente, alinhado com a aprendizagem dos alunos e alunas, a fim de garantir um conjunto eficaz de professores e professoras.

Se o país não escolher esses grandes eixos fundamentais para impulsionar o nosso sistema educativo nos próximos anos, o desempenho dele continuará a ser abaixo do medíocre e estaremos longe de criar as condições concretas para enfrentar as enormes mudanças tecnológicas, econômicas, culturais e sociais que estão afetando a vida em comum.

27 de julho de 2024



[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, do Instituto Devecchi e da Teia de Saberes.

Um comentário:

Jess. Campos disse...

Quem nos dera a dificuldade ser reflexo apenas a formação docente... seria um problema menos complexo de solucionar. Precisamos reconhecer as deficiências que temos na Infraestrutura, disponibilização de recursos para os alunos (ex.: sala de leitura) principalmente pensando nas camadas populares, desigualdade social que temos no Brasil, Aspectos relacionados à saúde (alimentação, sono, saúde mental,...), inserção da família como parte da comunidade escolar nas políticas e práticas educativas, valorização e legitimação da escola por parte dos pais, etc.