Por um
financiamento sustentável para o ensino superior
Ricardo José de
Azevedo Marinho[1]
Para além da questão de como resolver a questão do
contingenciamento orçamentário, que permanece desconfortavelmente em aberto, a
questão subjacente do financiamento do ensino superior (ES) permanecerá
presente na agenda estratégica do país. Com efeito, trata-se de descobrir como
podemos garantir – com uma perspectiva futura – um financiamento sustentável
para a nossa vida universitária.
Atualmente, a taxa bruta de participação brasileira no ensino
superior é uma das mais altas do mundo. Nossos percentuais estão colados a
média da praticada pelos países da OCDE. Ou seja, o acesso à vida universitária
tornou-se acessível, gerando reações entre aqueles que preferem concebê-lo tão
somente como capital que pode produzir retorno ao mercado de trabalho. Tanto
fontes estatais como não-estatais contribuem para este enorme esforço.
Entretanto, não há espaço para estatizar sonhos. O Brasil
atingiu um nível mais elevado de investimento exclusivamente em virtude de ter
um sistema misto de provisão.
Esta característica mista está profundamente enraizada na
economia política do sistema: permite mobilizar um grande volume de recursos;
garante acesso; apoia uma rede institucional diversificada e plural; oferece
programas diferenciados em três níveis (SISU, PROUNI e FIES). Garante uma
cobertura territorialmente descentralizada e apoia uma comunidade científica
altamente produtiva a nível comparativo regional.
Um tal esquema – custos mistos e partilhados – tem justificações
poderosas. Primeiro, o Estado, pelo SISU, não tem condições de manter um ensino
superior de acesso universal e de qualidade garantida. Em segundo lugar, para
sustentar este padrão seria necessário aumentar continuamente o gasto na
produção, transmissão e aplicação de conhecimento. Terceiro, o ES gera
simultaneamente benefícios públicos e privados, o que justifica que tanto a
sociedade como um todo (contribuintes) como os beneficiários individualmente,
contribuam para cobrir os custos desta função pública crucial.
Na verdade, a sociedade se beneficia de diversas formas com um
ensino superior com ampla cobertura e qualidade. Por exemplo, terá um maior
número de profissionais encarregados de serviços essenciais, como saúde,
educação escolar, segurança cidadã, judiciário, legislativo, comunicações,
Concurso Público Nacional Unificado e outros. Da mesma forma, contará com uma
plataforma de conhecimento técnico-científico em permanente renovação e pessoas
especializadas para a sua gestão. Melhora a competitividade histórica
empresarial e das organizações. E será incentivada a educação cidadã, fator
decisivo para a deliberação informada de políticas públicas.
Para tal, os Estados e as sociedades democráticas protegem a
autonomia das universidades, instituições que, por sua vez, devem garantir a
liberdade acadêmica e o pluralismo deliberativo no seu interior. Nem
cancelamentos, nem acampamentos, nem ocupações, nem perseguições ou
universidades monitorizadas cabem no espaço cultural do ES. Quando ocorrem,
colocam em risco o valor público do conhecimento.
Mas a ES também produz benefícios privados de natureza
individual. O nível salarial e a rentabilidade do capital humano adquirido são
a sua expressão imediata, mas não a única. Devem também ser considerados a
socialização dos valores e da ética profissional, uma melhor compreensão do
mundo e de si mesmo, a participação em redes de pares e não só, o cultivo de
uma visão não puramente paroquial da contemporaneidade, um sentido de
responsabilidade para com a natureza e o desenvolvimento do senso crítico.
A partir do momento em que reconhecemos a geração – pela
economia social – de valor público e privado, individual e coletivo, a partilha
de custos também é legitimada como critério norteador deste sistema. O Brasil
possui um esquema poderoso que envolve diversas fontes estatais e privadas e
dezenas de instrumentos para alocar recursos a instituições e estudantes.
A operação deste esquema misto apresenta resultados. A qualidade
das nossas instituições de ensino superior melhorou. Nossa pesquisa acadêmica,
apesar da escassez de recursos, apresenta nível positivo de produtividade e
impacto. Além disso, uma parte substancial está orientada para os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ao mesmo tempo, nosso sistema ainda goza de
saúde financeira e a proporção de matrículas encontradas em instituições com
perfis de risco é baixa. Entretanto, isso já não se pode dizer do ensino
infantil, do pré-escolar e de toda a educação básica.
Ainda assim, existem questões críticas que precisam ser
abordadas. A falta de uma Política Nacional de Educação Superior associada a
uma concepção do gratuito, combinada com a regulação do MEC e afins estaduais,
cria pressões onerosas sobre as instituições e dificulta o seu desenvolvimento.
O sistema de garantia de qualidade aumenta os custos das funções institucionais
sem que sejam disponibilizados recursos para esse fim. Os gastos com P&D
são muito baixos – um dos mais baixos entre os países da OCDE – intensificando
a competição entre pesquisadores, disciplinas, núcleos e áreas de conhecimento.
Também o atual regime de créditos estudantis, dos quais o PROUNI
e FIES são peças, já deveria ter sido modificado há muito tempo. É insustentável,
mas segue funcionando devido à falta de clareza diagnóstica. É urgente desfazer
este nó, incluindo o não pagamento e as dívidas acumuladas, e criar um esquema
de crédito – ou outro de manutenção de custos – para estabelecermos uma política
de financiamento sustentável para o ensino superior.
22
de agosto de 2024
[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e
professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, da Teia de Saberes e do
Instituto Devecchi.
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