sábado, 27 de julho de 2024

SÉRIE ESTUDOS - 220 ANOS LUDWIG FEUERBACH

LUDWIG FEUERBACH, PRECURSOR DA CONTEMPORANEIDADE

Julio Lopes[1]

 

O filósofo Ludwig Feuerbach (28/7/1804 a 13/9/1872) vem tendo suas obras republicadas na Itália, Colômbia, Espanha, Argentina, Alemanha e Brasil, onde a coleção “Os Pensadores” (lançada pela Folha de São Paulo em 2021) recentemente incluiu seu livro A essência do Cristianismo, pouco tempo após sua inclusão no rol das grandes obras filosóficas por outras instituições acadêmicas estrangeiras.

O revival bibliográfico advém de trabalho meticuloso por Sociedade acadêmica internacional como pioneiro em assuntos contemporâneos: evolução das espécies e impulsos psíquicos humanos (posteriormente por Darwin e Freud), alianças da Humanidade com a Natureza e direitos animais (posteriormente por movimentos ambientalistas), orientações tecnológicas e paisagismo (conforme estudos emergentes no século XXI), diversidade identitária humana e direito individual à comunidade (como reivindicações identitárias atuais e progressistas ainda em face da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948).

Nem sempre foi assim. Ele passou longo ostracismo intelectual pela má sorte interpretativa por um de seus maiores admiradores: Karl Marx. Cujas correspondências com Feuerbach (outubro de 1843) buscaram recrutá-lo para a nascente causa comunista, mas decepcionou-se ao ponto de escrever 11 críticas em 2 páginas que jamais lhe entregou e ficaram guardadas até sua publicação em 1888, quando ambos já eram falecidos. Publicadas como Teses ad Feuerbach anexas ao livro Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã de Friedrich Engels, elas integraram o cânon marxista e fortaleceram a detração do filósofo, até por letargia política.

Nada mais longe da verdade. Feuerbach participou intensamente da Revolução de 1848 pela unificação democrática alemã antes, durante e depois dela. Desde 1840 postulava a liberdade política para a plenitude humana; foi candidato de democratas radicais ao primeiro Parlamento livremente eleito em território germânico; mesmo derrotado, mudou-se com a família para Frankfurt, onde se reunia a Assembleia eleita, para influir nos debates; e no descenso revolucionário, deu 30 palestras aos universitários progressistas e à população geral, em Heidelberg, quando a Universidade proibira sua presença. As quais compõem o livro Preleções sobre a essência da religião no qual o leitor brasileiro pode conhecer (desde 2009 quando foi publicado pela Editora Vozes) como concebia a História enquanto contraste ou alinhamento entre tendências progressistas e conservadoras – ambas sempre igualmente tão fortes quanto permanentes, embora sua opção política fosse a da máxima progressão em cada momento histórico.

Sua crítica da pobreza, pioneiramente concebida como privação tão material quanto cultural, o tornava igualitário somente para bens já fornecidos pelo ambiente natural (ar, luz, espaço, água), mas entendia sua superação generalizada por políticas governamentais que tornassem as tendências cooperativas e colaborativas, nos mercados, tão ou mais fortes que as competitivas. Em ambos os sentidos, defendeu soluções coletivas para generalizar alimentação saudável, ginástica segura, habitação confortável, assistência médica e educacional à população.

Marginalização ainda maior foi o entendimento de suas críticas às religiões como pregações ateísticas: cresce o reconhecimento de tais estudos para diálogo entre culturas e destacar nelas as virtudes cívicas para haver uma comunidade humana entre religiosos e ateus. Elas também advinham de sua periodização histórica, à medida que, para Feuerbach, as mutações religiosas integravam a passagem de eras humanas e a inaugurada pelo tema da liberdade política exigiria tanto distinguir a religiosidade, como consciência de dependência da natureza em geral, das doutrinas correspondentes, quanto que todos – incluindo mulheres, cujo voto foi dos primeiros a defender em política – assumissem a condição de filósofo(a)s e a Filosofia (antes da tese XI que Marx sobre ou contra ele formularia) se tornasse desbravadora de possibilidades futuras.

De fato, Feuerbach foi o primeiro pensador da democracia como processo progressivo, o qual deveria ser ininterrupto embora conservando algo anterior, a cada passo da cidadania e antes de quaisquer reflexões afins em obras liberais ou de esquerda. No texto A Ciência Natural e a Revolução (1850), caracterizou um regime democrático aberto às evoluções necessárias, porque baseado na garantia básica de bens imprescindíveis ao amor-próprio de cada pessoa, mas alinhando todas as paixões individuais da diversidade identitária. Uma reflexão necessária, quando comunidades intencionais se tornam mais relevantes que comunidades tradicionais.



[1] Julio Lopes é Pesquisador Titular em Ciência e Tecnologia da Casa de Rui Barbosa, autor de Viver em rede (7Letras) e pós-doutorando em Filosofia pela Universidade de Lisboa.

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