LUDWIG
FEUERBACH, PRECURSOR DA CONTEMPORANEIDADE
Julio
Lopes[1]
O filósofo Ludwig
Feuerbach (28/7/1804 a 13/9/1872) vem tendo suas obras republicadas na Itália,
Colômbia, Espanha, Argentina, Alemanha e Brasil, onde a coleção “Os Pensadores”
(lançada pela Folha de São Paulo em 2021) recentemente incluiu seu livro A
essência do Cristianismo, pouco tempo após sua inclusão no rol das grandes
obras filosóficas por outras instituições acadêmicas estrangeiras.
O revival bibliográfico
advém de trabalho meticuloso por Sociedade acadêmica internacional como
pioneiro em assuntos contemporâneos: evolução das espécies e impulsos psíquicos
humanos (posteriormente por Darwin e Freud), alianças da Humanidade com a
Natureza e direitos animais (posteriormente por movimentos ambientalistas),
orientações tecnológicas e paisagismo (conforme estudos emergentes no século
XXI), diversidade identitária humana e direito individual à comunidade (como reivindicações
identitárias atuais e progressistas ainda em face da Declaração Universal de
Direitos Humanos de 1948).
Nem sempre foi assim. Ele
passou longo ostracismo intelectual pela má sorte interpretativa por um de seus
maiores admiradores: Karl Marx. Cujas correspondências com Feuerbach (outubro
de 1843) buscaram recrutá-lo para a nascente causa comunista, mas
decepcionou-se ao ponto de escrever 11 críticas em 2 páginas que jamais lhe
entregou e ficaram guardadas até sua publicação em 1888, quando ambos já eram
falecidos. Publicadas como Teses ad Feuerbach anexas ao livro Ludwig
Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã de Friedrich Engels, elas
integraram o cânon marxista e fortaleceram a detração do filósofo, até
por letargia política.
Nada mais longe da
verdade. Feuerbach participou intensamente da Revolução de 1848 pela unificação
democrática alemã antes, durante e depois dela. Desde 1840 postulava a
liberdade política para a plenitude humana; foi candidato de democratas
radicais ao primeiro Parlamento livremente eleito em território germânico; mesmo
derrotado, mudou-se com a família para Frankfurt, onde se reunia a Assembleia
eleita, para influir nos debates; e no descenso revolucionário, deu 30
palestras aos universitários progressistas e à população geral, em Heidelberg, quando
a Universidade proibira sua presença. As quais compõem o livro Preleções
sobre a essência da religião no qual o leitor brasileiro pode conhecer
(desde 2009 quando foi publicado pela Editora Vozes) como concebia a História
enquanto contraste ou alinhamento entre tendências progressistas e
conservadoras – ambas sempre igualmente tão fortes quanto permanentes, embora
sua opção política fosse a da máxima progressão em cada momento histórico.
Sua crítica da pobreza,
pioneiramente concebida como privação tão material quanto cultural, o tornava
igualitário somente para bens já fornecidos pelo ambiente natural (ar, luz,
espaço, água), mas entendia sua superação generalizada por políticas
governamentais que tornassem as tendências cooperativas e colaborativas, nos
mercados, tão ou mais fortes que as competitivas. Em ambos os sentidos,
defendeu soluções coletivas para generalizar alimentação saudável, ginástica
segura, habitação confortável, assistência médica e educacional à população.
Marginalização ainda
maior foi o entendimento de suas críticas às religiões como pregações
ateísticas: cresce o reconhecimento de tais estudos para diálogo entre culturas
e destacar nelas as virtudes cívicas para haver uma comunidade humana entre religiosos
e ateus. Elas também advinham de sua periodização histórica, à medida que, para
Feuerbach, as mutações religiosas integravam a passagem de eras humanas e a
inaugurada pelo tema da liberdade política exigiria tanto distinguir a
religiosidade, como consciência de dependência da natureza em geral, das
doutrinas correspondentes, quanto que todos – incluindo mulheres, cujo voto foi
dos primeiros a defender em política – assumissem a condição de filósofo(a)s e
a Filosofia (antes da tese XI que Marx sobre ou contra ele formularia) se
tornasse desbravadora de possibilidades futuras.
De fato, Feuerbach foi
o primeiro pensador da democracia como processo progressivo, o qual
deveria ser ininterrupto embora conservando algo anterior, a cada passo da
cidadania e antes de quaisquer reflexões afins em obras liberais ou de
esquerda. No texto A Ciência Natural e a Revolução (1850), caracterizou
um regime democrático aberto às evoluções necessárias, porque baseado na
garantia básica de bens imprescindíveis ao amor-próprio de cada pessoa, mas alinhando
todas as paixões individuais da diversidade identitária. Uma reflexão
necessária, quando comunidades intencionais se tornam mais relevantes que comunidades
tradicionais.
[1]
Julio Lopes é Pesquisador Titular em Ciência e Tecnologia da Casa de Rui
Barbosa, autor de Viver em rede
(7Letras) e pós-doutorando em Filosofia pela Universidade de Lisboa.
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