domingo, 7 de julho de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 046 - FRANÇA APÓS O SEGUNDO TURNO

ARQUIVO. Emmanuel Macron e Jean-Luc Mélenchon após encontro no Eliseu em 21 de novembro de 2017. AFP/Ludovic Marin

Croissant com Pão de Queijo

Vagner Gomes de Souza[1]

screver no “calor da hora” em que se faz a contagem dos números de assentos das eleições legislativas francesas é uma lição para aqueles que gostam de exercer a análise de conjuntura. Em 72 horas, o Labour Party (após mais de uma década no isolamento do “culto a identidade” de uma nostalgia com temperos pós-modernos) renasceu como se fosse fênix numa vitória eleitoral com um programa “saquarema” (centralizador nas decisões políticas) para enfrentar o desafio de uma Inglaterra pós-Brexit.

Tamanho resultado deve ter movido às decisões de uma juventude globalizada e liberal a ir as urnas na França. A costura da “grande política” se fez pela via da renúncia de nomes em favor de quem estivesse em condições de vencer a candidatura da extrema-direita. Havia uma aposta das forças do populismo reacionário de que a abstenção seria sua vantagem diante da expectativa de um eleitor de esquerda que não votaria numa candidatura pró-Macron. Todavia, os avanços da desconfiança na legitimidade democrática não foram suficientes diante do desafio de evitar um “mal maior”. Assim, os sucessores da Frente Nacional em aliança com os herdeiros de uma “centro direita” prisioneira do extremismo acabaram em terceiro lugar no número de assentos.

Contagem por contagem e ainda temos muito que dizer sobre a força desse coração (como o gosto pelo croissant francês) de liberdade que se fez contra uma “tirania da multidão”. A multidão dos descontentes com o “sistema”, mas que se alimenta de um sistema de vantagens econômicas. Podemos apresentar como teoria política que a Frente Democrática é mais do que uma “tática eleitoral” no mundo contemporâneo para se transformar numa estratégia política para uma longa duração. Ela é a única via possível para enfrentar os dilemas de uma democracia desafiada diante das grandes ameaças desse mundo globalizado.

Muito “pé no chão” é necessário para aqueles que vaticinam a vitória de uma esquerda unida como se fosse uma réplica do Chile de Allende. O desafio mundial é de outra natureza uma vez que não temos mais uma polaridade da Guerra Fria a qual a “candidatura zumbi” dos democratas norte-americanos se fixou numa trajetória que exige uma revisão. A multipolaridade existe e muito temos visto de possibilidades até numa vitória reformista no Irã. O reformismo sem revolução é a lição de que a “revolução passiva”, nunca compreendida pelos leitores de manual de Gramsci, ainda é o fantasma que ronda o mundo para sermos excessivamente otimistas.

A Nova Frente Popular chegou aonde chegou pela aliança democrática defendida pelo atual Presidente da França. E o partido de Macron chegou em segundo lugar porque soube fazer “pontes” políticas. O imaginário se fez realidade diante da eminente crise de lideranças políticas. Logo, os nomes devem sempre ficar em segundo plano diante de termos um desafio programático que é trazer para o “centro” muitos eleitores jovens cativados pelo atalho do extremismo de direita. A “revolução-restauração” segue seu curso na chave francesa entre queijos e vinhos como se fosse uma estada chave na política da União Europeia em semelhança ao estado de Minas Gerais na política brasileira.

Todavia, fiquemos em alerta. O Reagrupamento Nacional, por hora, só perdeu nos pênaltis uma vez que ampliou sua bancada na Assembleia Nacional e exercerá a linha política do “povo-vigilante” nos próximos três anos. Em 2027, teremos eleições presidenciais na França após o resultado das eleições no Brasil de Raí que também tem inúmeros Neymars juvenis. A prudência sugerida pelo atual Presidente é muito bem vinda e se aproxima do primeiro pronunciamento do líder da França Insubmissa (Jean-Luc Mélenchon) ao não fazer mais referência a uma fundação da VI República.

Esse é o momento de um nome que faça a “coabitação” num país de um parlamentarismo com um Presidente sempre protagonista (ganha um pôster de Frantz Fanon quem souber o nome do primeiro-ministro de Fraçois Miterrand que virou presidente da República na França). A derrota eleitoral da extrema-direita ainda não se consolidou como derrota política. Da mesma forma que se operaram no Brasil, eles ainda vivem e atuam aguardando as possíveis fraturas da Frente Democrática a francesa para emergir como o “povo juiz” em seus julgamentos morais contra a política.

Momento de saborear a vitória nas urnas com a observação de que um pão de queijo serve como melhor metáfora para uma política equilibrada. Fica a dica aos mineiros para derrotar o “zemismo” nas próximas eleições municipais nos quais os municípios se assemelham aos distritos eleirorais franceses sob o impacto de um “cinturão vermelho” no entorno de Paris. Observemos Betim, Contagem e Sabará se desejamos incendiar novos corações.


[1] Doutorando do PPGCP-UNIRIO