Sob
o Sol de Paris
Vagner Gomes de
Souza[1]
O eleitorado francês,
como se fosse pegar um velho automóvel para voltar ao passado como no filme
“Meia Noite em Paris” (2011), se aproxima de uma acolhida ao populismo da
extrema direita. O comparecimento as urnas foi um record como se muitos
estivessem por décadas aguardando o melhor momento de se fazer ouvir. A queda
da crença nas instituições da República e da Democracia se fizeram através de
uma corrosão também pela via liberal progressista em anos de formação de
intelectuais jovens dispostos a debater o “biopoder” num grande mosaico de
temas que expressam a desconfiança. O eleitor soberano saiu dos ovos da
serpente em suas movimentações americanizadas e a “Cidade Luz” vivência tempos
nublados.
Na sequência política de
uma crítica ao “vigiar e punir”, o povo-eleitor deu lugar ao povo-vigilante, ao
povo-veto e povo-juiz segundo o livro A
contrademocracia: a política na era da desconfiança de Pierre Rosanvallon.
Esse mesmo pensador nos brindou em 1988 com o ainda não traduzido ensaio “Desconforto
da representação”[2]
em que já apresentava as motivações para a ascensão da Frente Nacional (hoje
sob a denominação de Reagrupamento Nacional) de Jean-Marie Le Pen.
“Neste contexto,
Jean-Marie Le Pen apareceu como agente de uma espécie de operação catártica;
provocou uma ruptura brutal e inoportuna com as convenções, um retorno à
linguagem carnal ao ponto de ser violenta. Foi justamente apontado que havia
algo de sexual na linguagem política de Jean-Marie Le Pen, aparecendo esta
sexualização como o símbolo efetivo de um abraço com a realidade.” (Livre
tradução minha)
A percepção de uma
juventude francesa desencantada, como nos ensinou pouco lembrado Max Weber na
atualidade, não implicou em uma cidadania passiva como se aferiram no alto comparecimento
as urnas. O ativismo digital estudado por Marco Aurélio Nogueira em A Democracia Desafiada – recompor a política
para um futuro incerto estaria fazendo a “ponte” desses indivíduos soltos.
Portanto, o nome Reagrupamento Nacional adotado em 2018 foi um novo momento na
permissão de uma aceitação da extrema-direita como protagonista do mundo
representativo francês.
Os analistas se
silenciam sobre um centrismo gaullista que a ascensão política de Emmanuel
Macron legou aos franceses como se fosse uma “revolução”. Em tempos de Trump e
Valdimir Putin, esse jovem gestor da administração pública saído do Partido
Socialista em crise foi apresentado como uma personalidade que lembraria Bill
Clinton e Tony Blair. Entretanto, o “macronismo” foi se aproximando do
centrismo liberal do extinto Reagrupamento para a República (RPR). O seu
transformismo político se afundou nessa crise centrista enquanto o Partido
Socialista se esvaziou de grandes lideranças.
Assim, a antecipação
das eleições legislativas feita pelo Presidente da França colocou ao mundo a
percepção de que as eleições nacionais seguem uma dinâmica semelhante a tantas
outras em que a representação política é questionada pela extrema direita através
da prática de um discurso populista que empurra o capitalismo informacional
para posturas regressivas nas relações humanas. Mulheres ascendem nesse
processo como uma nova dinâmica na formação dessa elite dirigente extremista
junto com jovens na faixa etária dos 30 anos, ou seja, aqueles que estavam a
engatinhar quando foi adotado o Euro e testemunharam os atentados em Paris. Não
podemos nos esquecer do fantasma hobbesiano nas críticas a imigração na França
e também nos questionamentos da regulamentação ambiental que permitiu uma reação
de agricultores familiares que votaram no Reagrupamento Nacional.
Não há tempo para as
lágrimas na ação política pois o sistema eleitoral distrital francês em dois
turnos permite a movimentação pela Grande Política. O derrotado eleitoral
Macron emerge como um novo Charles De Gaulle ao defender uma “Aliança
Democrática” com as forças políticas da Nova Frente Popular (França Insubmissa,
Verdes, Socialistas e Comunistas). Se os devaneios de uma “Sexta República”
forem superados, os ensinamentos do filme Sob o Sol da Toscana (2003) podem ser
fundamentais como no gesto de aceno do personagem idoso com flores
(interpretado por Mario Monicelli) nas cenas finais desse filme. Assim, o
exército de Brancaleone da Frente Democrática ainda é necessário nos processos
eleitorais vindouros.
[1]
Doutorando no PPGCP-UNIRIO.
[2]
Rosanvallon, Pierre “Malaise dans la représentation” in Furet, François;
Julliard, Jacques; Rosanvallon, Pierre – La
République du Centre – la fin de l´exception française. Ed. Calmann-lévy, Paris, 1988.
Um comentário:
Quantas inferências e referências. Para mim, que estou iniciando em ciência política, li um mar de autores e fatos para visitar.
Macron semrpe teve sua ideologia e abordagem política mais centristas e pró-mercado. Não me surpreendeu muito a criação do próprio moveimento. Além do mais, como citado por você no texto anterior "Nada se assemelha mais a um ‘Saquarema’ do que um ‘Luzia’ no poder". Apesar dos pesares, Que não percamos de vista a democracia e que a população tenha BOA MEMÓRIA!
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