Velhas
e Novas Extremas-Direitas
Ricardo José de
Azevedo Marinho[1]
Em todo o mundo, as extremas-direitas que na geografia política
estão no seu extremo, radicais, duras, sem alternativas factíveis, em tudo
distantes dos inúmeros ramos clássicos da direita que perfaz conservadores,
liberais, conservador-liberal, liberal-conservador, entre tantas desenhos
possíveis que os englobam, são um fenômeno emotivo tanto aliciante para uma
minoria e repulsiva para o Grande Número.
Eles desenvolvem a maior desconfiança dos filiados da direita
clássica. Eles irritam além dessas Direitas, os Centros e as Esquerdas. Recentemente
essa rejeição pelo Centro se deu em França como declarou o antigo
primeiro-ministro do Centro de Macron, Édouard Philippe: “É necessário bloquear
o "Reunião Nacional" (Rassemblement National, partido de
extrema-direita). E no domingo (no último dia 7) do segundo turno votou num
candidato de esquerda.
Apesar desta rejeição universal, a extrema-direita permanece. O
que os caracteriza?
Primeiro, a crítica ao liberalismo político, inseparável da
democracia pluralista. Em vez disso, aspiram a uma ordem política autoritária
eleita, capaz de mobilizar as capacidades coercivas do Estado para manter a
sociedade sob controle e disciplinada. Por isso se percebe que cultivam uma
ideologia antiliberal a despeito de alguns deles se alegarem liberista e admirarem
ditos líderes fortes.
Em segundo lugar, um foco intenso nas questões de segurança numa
chave do século XVIII leitora de Hobbes, partindo do pressuposto de que vivemos
num estado de exceção permanente, sitiados num ambiente de ameaças e riscos.
Tal como no poema de 1904 de Konstantínos Kaváfis existimos sob a advertência
de que os bárbaros chegarão hoje.
Terceiro, a vontade contínua de travar uma guerra ideológica e
rodear-se de paliçadas morais. Com isto, colocaram os setores da direita clássica
como Sparrings, fazendo-os parecer indiferentes e/ou pouco dispostos a
defender fronteiras simbólicas e imaginárias à revelia das físicas e
constitucionais. Ao mesmo tempo, transformam os Centros e as Esquerdas – por
vezes como cúmplices – de um conglomerado de reivindicações tais como dos
identitários, antinacionais, anticostumes e inimigas do bom senso.
É assim que a extrema-direita surge na cena global em toda a sua
variedade: autoritária, contrária aos limites e equilíbrios da democracia
liberal, com uma mentalidade de manada sitiada, disposta a reunir os
ressentimentos da sociedade numa cruzada cultural contra os Centros que seriam
Fracos e as ditas Esquerdas Woke.
Há espaço para tudo, desde o chamado anarcocapitalismo de Milei
até ao capitalismo de compadrio de Putin; das ideologias eurocéticas as
ultranacionalistas; desde aqueles “nostálgicos do fascismo”, como parcela dos Irmãos
de Itália (Fratelli d'Italia), os cúmplices da ditadura de Pinochet; do
“Deus acima de tudo”, pátria e família de Bolsonaro ao “a guerra foi vencida no
nível espiritual” do
elsalvadorenho Bukele; desde a
acusação contra a direita clássica de ser uma “direita covarde e fraudadora”,
como disse o chefe do Vox na Espanha, e até o José Antonio Kast que negou que o
Chile
nos governos do recém-falecido
Sebastián Piñera era governos de direita.
Pois bem. Após termos acompanhado a Convenção do Partido
Republicano em Milwaukee nos últimos dias é inequívoco dizer que houve nele a
ascensão avassaladora de uma visão, de valores e de um projeto de restauração
conservadora; de um nacionalismo cristão a favor de uma guerra ideológica
contra tudo o que não é “norteamericano”. E inimigo do estrangeiro, diverso,
híbrido. Ao mesmo tempo, um populismo surpreendente – vindo de um partido
tradicionalmente plutocrático. A guerra ideológica da extrema-direita estava lá.
Daí que nós defensores e defensoras da democracia, liberdade e igualdade seguiremos a encorajar
sempre a tolerância e a doçura emanadas da flor de lótus e as nossas tendências confessas a favor da paz.
21
de julho de 2024
[1] Presidente do Conselho
Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, do Instituto
Devecchi e da Teia de Saberes.
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