Por
que e para que as ciências humanas e sociais aplicadas
Ricardo José de
Azevedo Marinho[1]
A discussão que aconteceu na tramitação das diretrizes para a
política nacional de ensino médio que desde o dia 11 do corrente foi para a
sanção da Presidência da República, surgiu em torno do papel que as ciências humanas e sociais aplicadas, integrada por
filosofia, geografia, história e sociologia devem desempenhar na educação
revela um grande paradoxo sobre como devemos enfrentar os desafios que o século
XXI coloca nestas questões. É claro que enfrentamos um declínio na percepção da
importância das ciências humanas e sociais aplicadas para o mundo moderno.
Isto, como foi apontado, devido ao declínio experimentado por estes estudos na
maioria das universidades do mundo devido à sua ideologização (um objeto de estudo dessas ciências), o que tem resultado
no equivoco de posturas dogmáticas, no cancelamento de alguns acadêmicos e
escolas de pensamento, e o abandono dos clássicos curriculares.
Por outro lado, a ausência de vocação universitária tem
significado a incorporação de estudantes egressos do ensino médio não
necessariamente interessados em atividades acadêmicas e/ou intelectuais. Por
fim, o aumento do custo do ensino para os responsáveis implica que tanto o
corpo discente como os seus pais privilegiem tudo o que tende a retorno econômico
imediato, desprezando os chamados “conhecimentos inúteis”.
No entanto, as competências que o mundo pós-quarta revolução industrial
e tecnológica exigirá, mobiliza percepções muito além do conhecimento
específico de uma profissão, que em breve pode até se tornar obsoleta. Numa era
de mudanças constantes, em que as pessoas terão de desempenhar funções muito
diferentes ao longo da vida, muitas das quais nem sequer podemos imaginar,
serão necessários trabalhadores que tenham “aprendido a aprender”, que tenham
pensamento crítico, que saibam pensar a partir de diferentes perspectivas,
colaborar, criar, resolver problemas, comunicar e demonstrar capacidade de
adaptação aos múltiplos imprevistos que terão de enfrentar.
Assim, o principal objetivo do ensino deve ser a oferta de uma
formação intelectual rigorosa, que permita a compreensão das disciplinas das
profissões, mas também da complexa realidade do mundo em que temos de operar.
Da mesma forma, as fronteiras entre as ciências humanas e
sociais aplicadas estão cada vez mais complexas e muitas vezes não é possível
compreender os problemas específicos de uma dada disciplina isoladamente, sem
referência à lógica e aos métodos de conhecimento da realidade de outras
disciplinas muito diferentes. O estudo das ciências humanas e sociais aplicadas
torna-se cada vez mais difícil sem o conhecimento científico e, pelo contrário,
o mundo da ciência muitas vezes fornece respostas que exigem uma reflexão ética
mais típica da discussão filosófica e abre questões que exigem abordagens de
outras disciplinas. Um economista, para tomar decisões, deve estar em condições
de analisar a relação que a sua ciência tem com a política, a cultura, a
história e a ética. Por sua vez, a própria economia, que estuda as motivações e
o comportamento dos seres humanos e dos grupos agregados, beneficia-se das descobertas
da biologia no que diz respeito à natureza do comportamento humano.
Um historiador deve compreender a economia, o genoma humano e as
suas teorias; um filósofo que não compreende conceitos básicos de física estará
ausente da discussão contemporânea de sua própria origem.
Por último, e não menos importante, todas as ciências humanas e
sociais aplicadas devem saber que existem formas sutis e mais sensíveis de
compreensão da realidade, como a literatura e a arte (também passiveis de
estudo por essas ciências), que permitem observar uma parte da realidade que certas
racionalidades não conseguem acessar. A arte em todas as suas manifestações
envolve formas de representação, expressão e comunicação de ideias e emoções, e
permite a expansão da consciência e imaginar a situação dos outros, ter empatia
com as mais diversas manifestações da natureza humana e olhar o mundo a partir
da perspectiva de outros.
13
de julho de 2024
[1] Presidente do Conselho
Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE e do Instituto
Devecchi.
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