A entrevista que se segue com o Professor Pablo Spinelli mantem uma iniciativa desse BLOG de alguns anos em trazer uma opinião sobre o OSCAR para motivar que novas gerações observem nas produções cinematográficas o registro de uma época.
1) Em sua opinião, quais foram os impactos da Pandemia da
COVID19 que teriam influenciado nas indicações do Oscar de 2021?
O primeiro e
mais óbvio, a falta de público. Os filmes não passaram pelo olhar do público e
aí temos o segundo impacto. A elitização daqueles que podem fazer o tradicional
“bolão” – pelo menos para os mais velhos -, pois os filmes estão circunscritos
ao mundo do streaming, portanto, quem tem acesso à Netflix ou Amazon Prime sai
na frente nas apostas. Creio que um terceiro impacto seja a escolha por
produções mais autorais, diferentes de um Pantera
Negra ou Corra! que casaram
bilheteria com autoria.
2) Na categoria de
indicados a Melhor Filme de 2021, haveria algum filme que foi “esquecido”? Qual
seria o favorito e o “azarão”?
O favorito é
geralmente aquele escolhido pelos Sindicatos de Produtores, Atores, Diretores e
Roteiristas que têm em inglês o sugestivo nome de guildas. Saiu na frente o
filme “Nomadland”, que está em algumas sessões de cinemas para os mais
corajosos, que é dirigido por uma chinesa. A China está em alta. Um filme que
os jovens deveriam ver pensando não só nos avós, mas no que pode ocorrer aqui e
alhures para quando chegarem aos 60 anos. A diretora, Chloé Zhao, é uma jovem
chinesa, filha de um executivo rico em Pequim, uma geração dos anos 80, que
cresceu fazendo mangás e se formou em Ciência Política. Creio que ouviremos
falar mais de Zhao.
Azarão é o
filme “Meu Pai”. Um filme que apesar de muito bem interpretado pelo Anthony
Hopkins, uma atuação verdadeira como ele nos deu em “O Silêncio dos Inocentes”
e em “Os Dois Papas”, não tem chance.
Dois filmes
foram um pouco esnobados. “Relatos do Mundo”, com Tom Hanks e “Uma Noite em
Miami”. Poderiam estar na lista de melhores filmes.
3) A tendência ao
multiculturalismo continua nas indicações desse ano para atender a quem?
A todos. Uma
cerimônia que tem uma marca interessante. A primeira com uma vice-presidente negra
e que tem duas diretoras indicadas – uma chinesa e uma negra. Um ator negro
falecido que vai ganhar o Oscar. Seu colega de “Pantera Negra”, forte favorito
para ator coadjuvante. Um comediante inglês que tem uma das melhores comédias
dos últimos anos indicado a roteiro adaptado. Um dinamarquês muito talentoso
indicado a diretor. Agora, o ponto é que o limite entre aquilo que tem que ser
representado na cerimônia e o que realmente deveria estar lá é tênue. Arte não
é corrida de cavalo. Oscar é uma aposta da indústria. Cannes, Berlim, Veneza
são mais artísticos. Não adianta ter 150 minorias indicadas e 50 000 filmes sem
elas. Mas acho que isso vai mudar pelo tempo do mundo e não pelo tempo das
imposições.
4) Além da Pandemia,
2020 foi marcada pelo movimento do “Vidas Negras Importam”. Quais indicações ao
Oscar 2021 tem uma melhor contribuição para esse debate?
Temos “Judas
e o messias negro”, sobre um infiltrado nos Panteras Negras, quase um
complemento ao filme do Spike Lee sobre a Klan; “A voz suprema do blues” que
fala de uma diva negra e seus músicos com personalidades distintas em uma época
muito complicada, cerca de um século atrás, mas quem sai na frente é o filme da
Regina King, “Uma noite em Miami”. Creio que as personalidades envolvidas, as
discussões, as diversas camadas dos personagens tenham muito a nos dizer. Não à
toa que o ator que fez Sam Cooke foi o indicado. O xadrez verbal e a excelência
das atuações mostram que todos ali importam muito na construção do tema racial,
só que há opções entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade.
5) Na categoria Melhor
Direção, não seria estranha a ausência de Spike Lee?
Chloe Zhao
6) Esse será o primeiro
ano de Cerimônia do Oscar após o falecimento de Ennio Morricone. A relação
entre a música e o cinema ganhou força para o Oscar 2021?
Morricone
(“Os oito odiados”; “Era uma vez no Oeste”, “Cinema Paradiso”) fechou uma
geração. Só falta o John Williams (compositor de “Tubarão” e “Star Wars”,
dentre outros). Temos ainda Danny Elfman em suas colaborações com Tim Burton;
Hans Zimmer, Alan Menkel. Mas acho que se perde aquela trilha que sobrevive ao
filme, que tem vida própria. Bernard Hermann deu vida à Psicose. Morricone era
o Oeste dos italianos. O que seria de “O Poderoso Chefão” sem Nino Rota ou dos
filmes do David Lean, como Lawrence da Arábia sem Maurice Jarre ou Missão
Impossível sem o argentino Lalo Schifrin? Os jovens não sabem, mas antigamente
havia uma coisa chamada disco e se vendia disco só de trilhas sonoras. A trilha
dos filmes da Disney ou a da Marvel são inesquecíveis? Não estou pessimista.
Coisas boas surgem, mas a relação que você citou se diluiu. Tudo o que era
música desmanchou no ar.
7) Por que Itália,
França, Espanha e Alemanha estariam ausentes nas indicações de Melhor Filme
Estrangeiro?
Não foi a
pandemia. É triste para mim, amante do cinema italiano, ver o que os anos
Berlusconi geraram naquela cultura. Eu dou aula de Cinema & Sociedade para
os meus alunos e quando falo do Neorrealismo eles captam imediatamente a
mensagem, alguns ficam curiosos, sabem que aquilo nos diz algo. Imagine um
ladrão de bicicleta fazer um furto em um entregador do Ifood? Esse filme é
perene. A Itália e a França – e nós, que você não perguntou – seguiram um caminho
determinado pela TV (Fellini previu em “Ginger e Fred”) e o riso fácil.
Comédias picarescas que temos que espremer com muita generosidade para dali
sair algo. Uma França que perdeu um Truffaut e ganhou um François Ozon é muito
duro. Espanha depende da criatividade do Almodóvar. Veja o catálogo da Netflix.
Eles estão lá, dentro da fórmula que atenda os metadados. “A Casa de Papel” é
uma série cheia de referências dessas escolas, os jovens desavisados, acham que
tudo é Tarantino, mas Tarantino vem de Godard, de Sergio Leone, de Einsenstein.
Porque os espanhóis não arriscam? A Alemanha é a mais feliz no seu cinema, tem
seu festival, investe. Mas chamo a sua atenção. Assim como os romances
policiais, o cinema dos escandinavos só tem melhorado. Dinamarca está lá
merecidamente.
8) Quais seriam suas
“apostas” para Melhor Ator e Melhor Atriz seja na categoria principal e na
coadjuvante? Por que?
Chadwick
Boseman ganha por uma questão afetiva. Ele fez um belo trabalho,
percebe-se que está doente, mas vai até o fim. Mas ele fez melhor em “Pantera
Negra” e “Destacamento Blood”. Acho a atuação do Hopkins melhor, mais difícil,
mais cheia de camadas. A bolsa de apostas coloca o jovem Daniel Kaluuya como o
ator coadjuvante. Ele é muito bom, vimos isso em “Corra!” e em outras
produções. Vejo um sucessor do Denzel Washington. Frances McDormand tem vencido
tudo, deve ser a terceira vez a ganhar o prêmio, mas vejo poucas nuances de
suas últimas interpretações. Uma excelente atriz. Basta ver Fargo ou Três
Anúncios para um Crime ou Mississipi em Chamas para ver isso Viola Davis
está no páreo, mas o trabalho mais difícil, na minha ignorância, foi o da Vanessa
Kirby em "Pieces of a woman". A atriz coadjuvante deve ser um dos
poucos Oscar de “Mank”, a Amanda Seyfried, que é uma aposta e ainda não fez
harmonização facial, o que lhe dá mais tempo para fazer outras interpretações
dignas. Minha favorita é a cara-de-pau Maria Bakalova, de Borat. Saber que essa
jovem só entrou porque o Sacha Cohen tinha sido reconhecido e a entrada dela resolveu
o filme, merecia. Agora, posso estar ranzinza pela pandemia, mas foi uma das
piores seleções dos últimos anos, especialmente se há alguma pretensão em
renovar o público. Tem filmes bons (“Os 7 de Chicago” é o meu favorito), mas os
jovens vão preferir o Tik Tok a ver duas peças filmadas; um filme sobre aborto;
outro sobre alcoolismo; a Hollywood dos anos 1940; os sem-teto nos EUA; ou
ainda sobre Alzheimer ou outro sobre surdez. E a animação favorita é
kardecista. Faltou leveza, mas há esperança. É ainda o rescaldo do último ano
da gestão Trump.