terça-feira, 22 de dezembro de 2020

GRANDE POLÍTICA EM VERTIGEM


 

A Família em Vertigem

Por Pablo Spinelli

Vagner Gomes de Souza

 

“Palavras não bastam, não dá pra entender

E esse medo que cresce não para

É uma história que se complicou

Eu sei bem o porquê

Qual é o peso da culpa que eu carrego nos braços

Me entorta as costas e dá um cansaço

A maldade do tempo fez eu me afastar de você (...)”

A Noite – Tiê

 

A Pandemia do COVID19 destruiu muitas famílias com a injustificada antecipação de muitas perdas de vidas que pode ser responsabilizada pelos governantes que deviam zelar pelas famílias brasileiras. Essa não é uma contradição uma vez que é a burguesia que aboliu os laços familiares na Revolução Industrial, conforme antigo Manifesto. As crianças exploradas e definhando no espaço fabril do século XVIII tinha como meta que a economia não poderia parar. A economia já estava parada no raquítico 1% do PIB quando muitas famílias foram confrontadas com a realidade de uma emergência sanitária. Sem os elos da qualidade na educação diante da asfixia das escolas fechadas sem uma alternativa democrática de acesso ao ensino remoto, os laços familiares passaram por abalos mais do que tectônicos que pela via da antropologia abraçou a rota do conformismo nos “tumbeiros” das periferias.

A família e seus valores se arruinaram ainda mais com a precarização do mundo do trabalho. A via do trabalho massificado nas entregas por aplicativos e nos deliverys atomizaram ainda mais nossos laços sociais. A uberização de nosso país dava saltos largos. A família estava mais disciplinada para promover o “distanciamento social” no momento das comemorações da Páscoa e das Mães. Todavia, ao se negar a educação só houve a viralização do negacionsimo da ciência diante da ilusão de que não se deve temer aquilo que não se vê porque há um “ser supremo” que não se vê e está a zelar por todos. Era só o “orai” sem o “vigiai”. E no meio desse caminho há um Messias que deu um outro olhar para o que seria o empenho na defesa da família, basta ver seu silêncio para a família do senador do Rio de Janeiro que o apoiara na eleição onde ambos ganharam. O americanismo conservador de Roberto Da Matta foi se impondo aonde aquilo que se mostra uma “casa” das redes sociais desconectada com a realidade de miséria que se observa nas ruas.

As “famílias dos coletivos” teriam valores mais invejosos que Caim ao decidir matar Abel por desejar um reconhecimento do Criador. José foi vendido como escravo no Egito antigo pelos irmãos, mas soube fazer a reconciliação pois no centro estava a palavra AMOR. Antes, Noé anunciou a vinda do dilúvio para os negacionistas daquele mundo que se foi em água. Em sua arca reunia familiares e buscou salvar vidas. Enfim, eis esses primeiros exemplos para que não se espalhem as “fakenews” de que estamos a fazer um longo texto contrário aos ensinamentos do cidadão cristão do bem. Entretanto, os contágios dos atalhos dos interesses mal compreendidos levaram a essa situação no qual as famílias precisarão escolher em retomar o distanciamento social em pleno Natal. Uma vez que a ideia de uma Quarentena ou lockdown (que nunca houve no Brasil) ganhou espaço no imaginário dos jovens como um longo tempo de nada se fazer e algo a pegar, seja covid, seja uma bicicleta para entrega, seja uma arma ou uma bíblia que não seria aberta e estudada. Pesquisemos nas redes sociais, mais uma vez, que esse foi um roteiro que aos poucos virou consenso nas cabeças dos jovens ao contrário de se fazer o ensino da disciplina da paciência. Imaginemos essa juventude diante do cerco a Stalingrado em plena Segunda Guerra Mundial. O que fariam os jovens?

As famílias doloridas estão diante de uma tomada de decisão entre a celebração do material ou fazer viver a vocação do AMOR para se distanciar de seus entes queridos nessas comemorações de fim de ano. Foi nesse espírito comovente que a animação “A Vida é uma Festa” foi revista por nós por um veículo identificado com uma matriz do imperialismo cultural (a outra face do malfadado “marxismo cultural” paranoico) – o canal da Disney. Não perderemos mais palavras com esse falso debate “decolonial” pois o fundamental é a inserção do campo democrático no acolhimento da questão familiar. Sua melhor base jurídica está na sempre atacada Carta Constitucional de 1988 no qual o Artigo 226 define “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” Esse é um elo que os descaminhos econômicos ultraliberais de Paulo Guedes ameaçam. Assim, se introduz nossa leitura dessa animação com “cores” muito adultas.

Além da morte “morrida”, termo do nosso Nordeste, a produção do diretor Lee Unkrich, há a abordagem de um tema que destoa das mortes das produções Disney e mais próximas do universo Pixar (vide Up – Altas Aventuras): a morte da memória. Os idosos precisam ser revividos e os mortos lembrados – mas, como em texto célebre de Marx, não podem nos governar -, um dos alvos preferenciais do capitalismo do século XIX adotado pelo atual governo federal e referendado pelos jornalistas de opinião em canais cujos patrocinadores são do...sistema financeiro. Agora, como trazer mais leveza num contexto de morte e perda? Música, algo que remetemos às lives para aqueles que têm acesso à internet nesses dias de pandemia. A animação mostra que a música pode ser tão universalista quanto o cristianismo; ao invés de um particularismo, o infinito universal que conecta por pétalas o mundo dos mortos com o mundo dos vivos em uma harmonia melhor que a dicotomia desses espaços na excelente animação A Noiva-Cadáver, de Tim Burton. Nesse final de ano, onde parentes estão distantes, o décimo-terceiro dos funcionários do Rio de Janeiro, ausente e um governo federal que tem vários esqueletos nos armários rachados; doentes com ou sem leito; idosos com ou sem aposentadoria; crianças sem escolas; a ciência e Jesus cantam: Lembre de mim!

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