quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 13


 

O Partido de Narciso

Por Vagner Gomes de Souza

 

Narciso é um personagem da mitologia grega que muito se assemelha as análises de conjuntura feitas pelos dirigentes do Partido dos Trabalhadores após as eleições municipais de 2020. A vaidade é representada nele. Ele teria nascido com uma grande força atraente, porém foi aconselhado por Tirésias a não admirar sua beleza. Todavia a beleza foi acompanhada pela arrogância e o orgulho. Nunca se apaixonou pelos outros que o admiravam e ficou perdidamente apaixonado pela sua beleza refletida num lago. A Ninfa Eco, por não ser correspondida em sua paixão, lançou um feitiço que o fez definhar olhando sua imagem no lago até a morte.

Diante da gravidade da conjuntura nacional no ano de 2020, os dirigentes do Partido dos Trabalhadores pretendem debater suas diferenças internas observando seus resultados eleitorais. Como se fosse o Narciso se admirando no lago, os dirigentes dessa agremiação partidária do campo reformista democrático perdem escrevendo linhas sobre números comparativos dos votos conquistados, prefeituras conquistadas, total de habitantes de prefeituras conquistadas ou de vereadores eleitos. Como se as contradições das classes sociais estivessem expressas nas linhas eleitorais. Um partido político é simplesmente uma fração da sociedade brasileira ainda mais num sistema partidário muito diferente tanto do “modelo europeu” e também do “modelo norte-americano”. Assim, os números refletem os gostos do narcisismo como “falsete” de análise política.

Nada nos opomos ao necessário balanço partidário que se faça de um processo político que foi histórico por ter ocorrido numa situação de pandemia. Na época da Gripe Espanhola uma expressiva massa de brasileiros não eram cidadãos ativos numa República oligarquizada que adotava um liberalismo ortodoxo na economia. Fazer esse balanço é muito importante a partir da percepção da correlação das forças políticas e sociais que estão em movimento em plena mutação de nossa estrutura econômica. As capitais brasileiras definham sua sustentabilidade econômica por terem se transformado em espaços urbanos de serviços sob o impacto recessivo da pandemia. A precarização do mundo do trabalho nas capitais sugere muito da natureza de uma possível derrota eleitoral de um partido que se diz representante dos trabalhadores. Todavia, os dirigentes do Partido alimentam seus argumentos com a arrogância e a vaidade para se realizarem lutas internas paralisantes.

Numa negação do conhecimento do mais básico marxismo de um Plekhanov, individualizam os resultados eleitorais do Partido. Seria de bom tom que se aproximassem desse ensinamento daquele que um dia inspirou Lênin. “(...) Mas, nenhuma outra particularidade provável garante a pessoas isoladas o exercício de uma influência direta sobre o estado das forças produtivas, e, por conseguintes, nas relações sociais por elas condicionadas, isto é, nas relações econômicas. Um dado individuo, quaisquer que sejam suas particularidades, não pode eliminar relações econômicas determinadas, quando estas correspondem a um determinado estado das forças produtivas. No entanto, as particularidades individuais da personalidade tornam-na mais ou menos apta a satisfazer as necessidades sociais que surgem em virtude de relações econômicas determinadas ou para opor-se a essa satisfação.(...)” (O papel do indivíduo na História). Essa longa passagem demonstra o quanto é um equívoco projetar 2022 a partir de um indivíduo que já foi Presidente da República 20 anos depois de sua primeira eleição.

Seria o momento do Partido dos Trabalhadores fazer a política de aproximação com o centro político compreendendo sua vitória de um amplo leque de forças do “Campo Democrático” nas eleições municipais de 2020. O “Campo” saiu vitorioso por nele fazer parte o PT. O PT saiu derrotado se considerar que não faz parte desse amplo campo democrático se auto isolando como um “Narciso Chic”. Nessa dialética que poderia se fazer qualquer balanço partidário de uma esquerda amadurecida ao ponto de perceber que sua função seria ser um instrumento para a emancipação da sociedade ao contrário de pensar a sociedade como reflexo de sua acumulação de força política. O eleitor demonstrou que está interessado na redução das desigualdades sociais num amplo leque de possibilidades politicas – do empreendorismo até a taxação das grandes fortunas passando pelas vertentes revisionistas da economia criativa e da renda mínima. Não inserir esses pontos num balanço partidário é fazer uma política só eleitoreira pois só se alimenta num processo de constante debate eleitoral (primeiro as eleições na sociedade para depois entrar nas eleições internas e depois retornar para as eleições gerais). Essa é uma característica muito questionada no atual mandatário presidencial que nunca sairia do “palanque” e se negando a governar para a sociedade. O narcisismo na política é o alimento da polarização que pode definhar as instituições democráticas. Portanto, o feitiço de Eco precisa ser quadrado por quadros internos ou externos ao PT como alerta do quanto esse momento impõe a necessidade da “Grande Política”.

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