quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 14


Desafios para a Juventude

 

“(...) Quem não se submete a uma disciplina política é precisamente matéria em estado gasoso, ou matéria poluída por elementos estranhos: portanto, inútil e prejudicial. A disciplina política faz precipitar estas impurezas e fornece ao espírito sua melhor liga, fornece à vida uma finalidade, sem a qual a vida não vale a pena ser vivida. (...)”

Disciplina e liberdade. Antonio Gramsci 1917

 

Por Vagner Gomes de Souza

Há um ensaio que o pensador italiano Antonio Gramsci escreveu para a juventude sob o título Disciplina. Um curioso texto uma vez que o marxista sardo mencionava R. Kipling (um ilustrado pensador inglês que dialogava com a colonização). Nele, ao contrário de buscar a “desqualificação” do criador de Mogli, se faz uma inversão de sua leitura sobre a sociedade hierarquizada, pois parte do reconhecimento da modernidade da organização do Estado Burguês para conferir a juventude uma cobrança pela sua liberdade de forma disciplinada. Um texto que mereceria fazer parte de muitas aulas da graduação de Administração, porém se encontra “perdido” para poucos gramscianos.

Disciplina está num conjunto de textos que foram publicados, sem assinatura, em La cittá futura (número único editado pela Federação Juvenil Socialista do Piemonte, 11 de fevereiro de 1917). Observe-se que Gramsci estaria sugerindo, num excesso de otimismo comum a sua fase juvenil, um grande futuro para a humanidade a partir da articulação da juventude com a cidade. Eis que a Revolução de Fevereiro batia as portas da Rússia czarista, mas a “Gripe Espanhola” ainda não se anunciava. Nessa linha poderíamos fazer um convite aos jovens cariocas para um grande desafio diante do momento grave em que estamos a atravessar. O Rio de Janeiro está numa grave crise econômica e social que se aprofunda nessa pandemia em que as “ondas” destroem qualquer interesse dos agentes econômicos privados em fazer investimento. Aliás, a limitada capacidade de investimento do capital privado impõe uma visão que se aproxime das sugestões de André Lara Resende em seu recente e pouco lido livro pela esquerda carioca e nacional (Consenso e contrassenso: por uma economia não dogmática).

Os desafios para a juventude partem da alarmante informação de que 1 em cada 3 jovens nem trabalham e nem estudam. Esse número se agrava nas comunidades da periferia assoladas pelo ultraliberalismo vindo de baixo. Os canais de solidariedade ensinados por Durkheim poderiam permitir uma conexão com o papel libertador da disciplina atribuída em Gramsci. “(...) Porque é essa a característica das disciplinas autonomamente assumidas, ou seja, a de serem a própria vida, o próprio pensamento de quem as observa. (...)” – Gramsci, Antonio – Escritos Políticos, vol. 1 (Organização e tradução de Carlos Nelson Coutinho). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2004, p. 89.

Na ausência de atores políticos deslocados do eleitoralismo (uma característica que incomodava o jovem Gramsci), partir do desafio em superar a chamada geração “NEM-NEM” carioca é muito ousadia mesmo na futura gestão municipal do Rio de Janeiro com os holofotes dirigidos para a Secretaria Municipal da Juventude e a Secretaria Municipal da Educação com a indicação de dois jovens que estariam na faixa etária dos jovens dirigentes da citada Federação Juvenil em 1917. A lição da história, o qual Walter Benjamin nos chama a atenção, sugere que as contradições entre forças produtivas e relações sociais de produção chegam a níveis caóticos numa realidade de muitos jovens que acumulam elevados níveis de “analfabetismo funcional”.

Por que o “analfabetismo funcional” é uma grave característica na juventude carioca? Essa seria a chave para repensar a gestão pública juvenil em nossa cidade uma vez que baixa interpretação de leitura, dificuldade nas operações básicas de matemática e desconhecimento dos principais conceitos sobre a vida alimentam muitas ações “negacionistas”. Muitos especialistas têm estudos mais profundos sobre esse tema nas instituições universitárias cariocas. Aqui temos a PUC, UFRJ, UNIRIO e UERJ para ficar nos exemplos mais famosos. Reverter essa situação é o primeiro passo para superar outros grandes desafios.

Contudo, não podemos nos iludir do quanto esse desafio requer muito investimento público para no mínimo uma década. Por outro lado, a modernização conservadora pressionada pelas forças do dito “mercado” não deseja que se pare muito tempo para reflexões e ações. Vai se exigir muita disciplina dos sujeitos juvenis que se inserem na futura administração municipal para que tenhamos um compromisso para resgatar vidas. O resgate de vidas esquecidas e nem sempre presentes nas estatísticas que só aparecem nos momentos das tensões da violência policial que atingem crianças e jovens da periferia. 

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