No
começo da “revolução dos telhados” do Partido Trabalhista no Reino Unido
Ricardo José de
Azevedo Marinho[1]
A alternância no poder é uma parte essencial da democracia, quatorze
anos de governo pode ser um tempo muito longo e nem sempre é necessariamente
conveniente. Neste sentido, a vitória do Partido Trabalhista (The Labour Party)
nas eleições no Reino Unido foi recebida como uma boa notícia para os seus
habitantes. Uma mudança de governo reafirma a conveniência de manter controles
e equilíbrios no poder, para que este seja sujeito ao escrutínio público de
tempos em tempos. É muito provável que numa democracia representativa coexistam
partidos liberais, que promovem a liberdade como eixo das suas políticas, a par
de outros, de carácter social-democrata, que lutam por maiores graus de
igualdade. O fato de ambos poderem alternar no governo, sem ameaçar a civilidade,
garante a representação dos diversos interesses e opiniões existentes. Introduz
diversas perspectivas para enfrentar os problemas públicos e permite a
competição entre forças políticas e com ela mais inovação em ideias e
estratégias para enfrentar os problemas. Além disso, é importante que os
eleitores possam expressar o seu descontentamento com o partido no governo e é
por isso que, depois de vários erros cometidos pelo Partido Conservador (Conservative
and Unionist Party) e da sua atual divisão e confusão, a chegada de Sir Keir
Starmer ao poder é positiva.
Ora, isto só foi possível em virtude do aggiornamento que
o novo Primeiro-Ministro introduziu no Partido Trabalhista, reforçando a sua
matriz social-democrata. Ao tomar posse no dia 5 de julho próximo passado, Starmer
optou por enfatizar acima de tudo a sua andata, e explicou: "Não
importa quão ferozes sejam as tempestades da história, uma das grandes forças
desta nação sempre foi nossa capacidade de navegar para águas mais calmas. E,
no entanto, isso depende dos políticos, particularmente aqueles que defendem a
estabilidade e a moderação como eu, reconhecendo quando devemos mudar de
curso" e sinalizou “Se você votou no Partido Trabalhista ontem…
Assumiremos a responsabilidade de sua confiança enquanto reconstruímos nosso
país. Mas quer você tenha votado no Partido Trabalhista ou não… Na verdade -
especialmente se você não... Eu digo a você, diretamente… Meu governo servirá a
vocês. A política pode ser uma força para o bem - nós mostraremos isso. E é
assim que governaremos.” O seu lema foi “Primeiro o país, depois o partido”.
Uma análise da votação permitiu-nos aferir o clima da opinião pública
que prevalecia no país e assim é possível afirmar que há um singelo processo
civilizatório em curso da população e que, sem esta sintonia com essa transformação,
o Partido Trabalhista não teria vencido as eleições.
As razões que explicam a mudança de governo são, então,
primeiro, o novíssimo ritorno trabalhista e especialmente do próprio
Starmer; o declínio dos partidos nacionalistas escoceses que fortaleceram o
voto trabalhista; a divisão da direita com o surgimento do novo partido
reformista e o tédio com o partido que, depois de 14 anos e vários erros. Mas
isto não significa uma hegemonia, uma adesão ideológica, mas um voto de
confiança, que aposta que o Primeiro-Ministro Keir Starmer possa ser capaz de
cumprir o seu compromisso histórico anunciado e iniciado com um grande alívio e
uma mudança de humor.
O grande desafio para o Primeiro-Ministro segue sendo que a sua
identidade democrática se enquadra nas hodiernas tendências reformistas da
esquerda sem jamais deixar de reforçar a vocação democrática do centro e da
direita planetária e definir em novos termos o que significa ser esquerda no
século atual, e tudo indica que a “revolução dos telhados” aponta para esse sentido.
[1] Presidente do Conselho
Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE e do Instituto
Devecchi.