quarta-feira, 22 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 6

 
 
A GERAÇÃO 2.O E O NEGACIONISMO DA CIÊNCIA
 
Por Vagner Gomes de Souza
 
Há uma cena na série MADIBA (disponível na GLOBOPLAY) em que Nelson Mandela e seu irmão de adoção Justiça sentam para ouvir os mais velhos sobre acontecimentos do passado. Provavelmente isso teria acontecido nos anos 30 pois Mandela é de 1918. Essa é uma passagem que demonstra o quanto havia uma geração de jovens ao redor do mundo que se formava ouvindo a experiência do passado mesmo que estivesse sentada num banco rodeado de extrema pobreza. O Breve Século XX foi moldado pela intervenção de muitos sujeitos históricos que herdaram a crença no progresso científico do século XIX seja para o bem ou para o mal.
 
O desfecho vitorioso do capitalismo com o fim da Guerra Fria em 1991 abriu um "vazio" na formulação da análise da política uma vez que essa seria compreendida como algo que atrasasse os avanços da circulação dos interesses individuais. O individualismo alimentou avanços tecnológicos e uma globalização sem o exercício da solidariedade social. A economia se libertando cada vez mais das instituições e decisões da política. Gradualmente os atores políticos moldados na modernização do capitalismo após a vitória antifascista da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945) foram sendo negadas com tamanha radicalidade.
 
 Uma proliferação de entidades, bandeiras e sujeitos sociais sem articulação com o mundo da política uma vez que tudo seria uma falta de sentido com as novas tecnologias. Novas tecnologias sem que a juventude tivesse oportunidade de reconhecer na disciplina do estudo como a ciência foi acumulando seu conhecimento uma vez que ter acesso a tecnologia seria apenas ter acesso a uma mercadoria. A tecnologia "coisificou" o conhecimento científico ao passo que estar acessado nas redes sociais seria uma forma mais presente do que estar conectado com as iniciativas de debate da realidade. O mudo da realidade dramaticamente se deslocou nesse contexto diante da virtualidade vivida por uma geração nascida a partir do 2000.
 
As crianças foram impactadas pelos "smartphones" e inúmeras mudanças na rotina da sociedade viabilizou cada vez mais a circulação do mercado pela via da globalização da revolução dos interesses. Aos poucos o vazio pela não saber ouvir as experiências do passado permitiu a proliferação de manifestações psicológicas deprimentes numa juventude que abraçou o "aqui e agora". O presentismo como negação do passado auxiliou na emergência de abordagens "revisionistas" sobre doutrinas autoritárias do século XX. Assim, o nazifascismo teve suas linhagens flexibilizadas ou até mencionadas como posturas da esquerda. Muitos jovens justificaram a ideia de Ditaduras Militares necessárias na América Latina no contexto da Guerra Fria. Além de outros jovens alimentarem a ideia de que a população do continente africano seja vitimizada. Esses são alguns tristes exemplos discursivos dessa geração 2.0 que cresceu a cada ano de BBB em nosso país.
 
Uma vez que os conhecimentos das Ciências Humanas foram relativizadas diante da negação de assumir compromissos com a participação política o que requereria o exercício da memória e a sensibilidade em aproximar pontos de vistas as vezes discordantes. A "juventude android" foi cada vez mais fragmentada seja à direita ou seja à esquerda num processo de alimentação da antipolítica que é base da polarização. O vazio do conhecimento alimentou uma militância digital que não é sustentada na leitura. Nem cobremos a leitura dos clássicos e muito menos a leitura de qualquer produção literária desde que não seja os livros de fantasia, os tons cinzentos e outras vertentes nascidas do Youtube. Assim foi fácil surgir uma personalidade como Olavo de Carvalho e outras manifestações mais digitais do que de leitura.
 
Não é estranho que a liberdade de consumo pelo livre acesso das tecnologias tenha feito o molde de muitos jovens que negam o conhecimento científico uma vez que já teriam problemas na formação com a matemática e a interpretação de textos. Chegar a afirmação de que a "Terra é Plana" é apenas a "ponta" do Iceberg de uma refundação de uma mentalidade feudal com inúmeros aparelhos tecnológicos usados para alimentar a monetarização da vida. Então, o enfrentamento de um momento histórico como a PANDEMIA ocorre com muitos jovens negando as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) pois nem teriam a percepção do que seria essa instituição. A Democracia é apenas um detalhe que incomoda muitos da geração 2.0 e seguimos com um território fértil para as manifestações de fundamentalismo no campo religioso.
 
Até aqui, parece que estamos em rota de colisão com uma parede num veículo em alta velocidade. As dificuldade para fazer os jovens lerem é tamanha diante da facilidade das Lives patrocinadas pelo grande capital. Por outro lado, o ativismo não pode ser simplesmente negar o diálogo com outras forças da política uma vez que alimenta mais a antipolítica. A tarefa é árdua pois não era essa a promessa que o livre mercado tinha feito. Então, estamos diante dos perigos da emergência de uma escalada autoritária e nacionalista que poderá ser abraçada pelos negacionistas da ciência. Portanto, não podemos deixar de reunir nossas forças ao lado da solidariedade e da luta pelas vidas. Temos que reinventar nossas atitudes para que não tenhamos um cenário com mais desigualdade social e mais precarização do mundo do trabalho pelo uso das tecnologias. Urge que a juventude passem a sentar diante da herança que não renunciamos. 


terça-feira, 14 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 5

 

O Tempo, a Disciplina e o Ator na Política

Dedico esse artigo a memória de Daniel Azulay e Moraes Moreira
 
Por Vagner Gomes de Souza
 
 
"Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência"
 
Paciência - Lenine
 
 
Uma "quarentena" que se alonga por mais de quarenta dias é um desafio para uma sociedade que nasceu sob a égide da cultura renascentismo. O liberalismo sempre esteve dúbio em nossa sociedade a medida que dialogava com as práticas autoritárias. O tempo ganha cada vez mais uma exigência na observação dos fatos que nos apresentam. A Pandemia está impondo que uma grande parcela da nossa geração tenha que lidar com os limites. Estamos enfrentando uma mudança que abre o cenário mundial para uma profunda crise sistêmica. As alternativas que se avizinham não são as melhores para aqueles que defendem o pensamento democrático uma vez que a integração mundial está sendo questionada pela velocidade com o qual o "vírus" se espalhou.

 
O mercado deseja que tudo caminhe como antes desde que a sociedade seja mais controlada por uma intervenção estatal na sociedade. Nosso tempo na política precisa de uma vocação para que a juventude pense os horizontes do futuro de uma forma que imponha uma disciplina para que a ciência não seja mais deixada em segundo plano assim como a participação política. Assim, a lição de um pensador Sardo (Gramsci) sobre a obediência de uma disciplina pela hierarquia como forma de saber enfrentar uma disciplina sem autonomia. O exercício consensual da disciplina precisa ser uma tarefa das instituições juvenis para pensar os novos tempos. Porém, temos os indicadores de uma juventude alheia a buscar as lições da memória nas sugestões de Walter Benjamin.
 
Houve um "balão de ensaio" na referência aos "Campos de Concentração" e na proposta de um Prefeito em colocar idosos moradores das favelas em hotéis (afastados de seus familiares) concentrados, o que é questionado por especialistas uma vez que os dados europeus sugerem que a concentração da população mais vulnerável ao "vírus" simplesmente aumenta o perigo da letalidade. O "ovo da serpente" está sendo chocado apesar de muitos atores políticos do campo democrático se deixar levar pela narrativa pautada pelos "negacionistas" da ciência. Nunca podemos esquecer que quanto pior sempre será pior para as classes subalternas. Portanto, esse é tempo de se manter disciplinado no discurso da solidariedade e compaixão.
 
Há a ausência de uma ator para alinhar as forças democráticas pelo mundo. Não temos mais uma visão que deixa conduzir pelas orientações políticas nacionais em ligação com o cenário mundial. A Espanha é uma referência distante de "A Casa de Papel" para muitos jovens. A Itália seria onde deveria estar jogando o jovem promissor Vinícius Junior. A juventude precisa sentar diante de seus aparelhos de smartphone para enfrentar esse vazio da política democrática que impõe uma revisão sobre o que foi a opção política de 2018. A explosão do sistema político brasileiro e de tantos outros países cobra uma necessidade de reagrupamento com setores liberais progressistas, grupos democratas do cristianismo e as vertentes do socialismo com seus valores humanos e democráticos.
 
A lição é árdua assim como se manter no "casulo" das residências produzindo com textos, opiniões e leituras. Não podemos ter espaço para mais fragmentação pois o peso das mãos de Hobbes está ao nosso redor. Um mar de possibilidade precisam ser construídas para que as vidas sejam poupadas diante dos limites de atendimento do Sistema Unificado de Saúde. Usem as redes sociais para dialogar e intervir pelo bem comum. O ator vai surgir pois é uma necessidade para enfrentar essa situação de falta de valores humanos. Aliás, para não deixar de mencionar de forma explícita uma indignação desse simples autor de poucos leitores, não podemos conviver com um Ministro da Economia que é restritivo nos gastos públicos nesse momento de calamidade na saúde. Sugerir o veto ao auxilio aos Estados e Municípios é o mesmo que estar pedindo que desligue os respiradores nos Hospitais para economizar luz sem pensar nas vidas. Não merecemos o cidadão que tem a foto ilustrando esse artigo. Espero que o leitor tenha compreendido o sentido de minha mensagem.


quinta-feira, 9 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 4

 
Cena do filme Os 12 macacos - Bruce Willis e Brad Pitt
 
O Ator, o Tempo e o Exército dos 12 Macacos
Por Vagner Gomes de Souza
 
Seria pedagógica nesses tempos de “Pandemia” a visita a “baú” da produção cinematográfica para pensar o quanto um filme sobre a distopia poderia dar sentido aos ensinamentos sobre a análise de conjuntura. O silêncio dos especialistas em relação ao filme Os 12 Macacos não nos é estranho uma vez que o herói é um presidiário que vem de um futuro no qual a humanidade quase pereceu diante de um vírus mortal e todos poucos sobreviventes vivem em quarentena nos subterrâneos.
Os 12 Macacos foi dirigido por Terry Gilliam que se graduou em Ciências Políticas antes de se destacar como cineasta relevante onde citaríamos para o filme Brazil – O Filme e A Fantástica Aventura do Barão Munchausen. Por isso, pensamos em analisar o tema da relação Ator e Tempo na política com referências a esse filme de 1995. Muitos militantes nem tinham nascido quando esse filme foi lançado mas fica aqui o convite para que aprendam nele a análise da conjuntura.
O filme desenvolve sua ficção com a “viagem” do tempo o qual os cientistas do futuro são determinados ao justificar o início da “praga” que assolou a humanidade na ação do Exército dos 12 Macacos. O roteiro indica e sugere que o “salvador” do futuro tenha que seguir as sugestões dos “técnicos” da ciência. Nada como ver no filme um anseio pela livre arbítrio no personagem James Cole (Bruce Willis) que na primeira viagem para o passado acaba internado numa clínica psiquiátrica no ano de 1990. Uma inspiração do conto de Machado de Assis, O Alienista, o qual tem inúmeras sugestões sobre a ideia de controle social e as teses sobre a loucura para o cenário político brasileiro.
Os cientistas do futuro corrigem a dose na viagem do tempo e então há um novo momento na narrativa do filme. Revela-se o fundador do Exército dos 12 Macacos como o filho de um virologista e questionador das pesquisas científicas de seu pai com o uso de animais. Jeffrey Goines (Brad Pitt) é o personagem que antecipou muito de uma geração fragmentada na análise da conjuntura. Não se iludam com o seu desempenho, pois trata-se de uma “ilusão” daquilo que seria o essencial na análise. Então, vivemos um pouco disso quando há um Complexo de Cassandra diante daqueles que não perceberam o tamanho da crise econômica que se abriu para o capitalismo.
As injeções monetárias feitas pelo Estado ainda não garantiu que a “mão invisível” do mercado está há tempos contaminada pelo vírus da desigualdade. O tempo de 1995 seria o tempo da Globalização sob a égide do aprofundamento das alternativas liberais na economia. A socialdemocracia aderindo a linha da chamada “terceira via” e todos achando que o problema seria outro. O filme nos sugere que não é o louco do Exército dos 12 Macacos o principal adversário e nesse momento a metáfora recai para outros lunáticos em voga nos tempos contemporâneos. O perigo está em outro lugar e a ausência de um Ator é um incomodo nesse momento.


quarta-feira, 8 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - Número 3


 

O Leviatã não é uma sombra

Por Vagner Gomes de Souza
 
 
Os caminhos e descaminhos do liberalismo brasileiro não se faz eficiente diante do medo. Um liberalismo fraco na sua defesa da Democracia. Seus defensores extremados citam Adam Smith sem lembrar a origem filosófica do escocês. A filosofia política está ao nosso redor para o desespero daqueles que desejavam um mundo simplificado em números. E eis que um matemático e filósofo ganha força na conjuntura política brasileira. Muitas vezes Thomas Hobbes é mencionado nesses "Cadernos da Quarentena" como uma lembrança do quanto a ferida do capitalismo financeiro está exposta. A alternativa da centralização da economia e da política nunca esteva na sombra na História do Brasil. Dom Pedro II, Getúlio Vargas e o regime militar brasileiro (1964 - 1985) dialogaram com o Leviatã.
 
O ultraliberalismo está incomodado diante dessa realidade. Por outro lado, a Esquerda ainda não se adiantou aos indicadores de terríveis sombras que se avizinham para as instituições democráticas. Muitos ainda não "leram" as referências aos militares no tema do hobbesianismo a moda tupiniquim? Nesse ponto, a intervenção militar na Segurança Pública do Rio de Janeiro foi um laboratório para perceber o quanto a legitimidade da sociedade se fez construir com apoio forte da mídia. Foi em 2018 que a sociedade civil se viu colocada numa "quarentena" na formulação de alternativas democráticas pois se deixou levar por uma "colcha de retalhos" de movimentos/coletivos que esvaziaram ainda mais o peso do ator político.
 
A ausência de um ator viabiliza a ocupação desse "vazio" por figuras que, em tese, emergem fora do sistema político. A natureza hobbesiana no cenário político fluminense fez emergir um Ex-Juiz com uma fisionomia de Professor de Home Office, mas que venceu com os votos da antipolítica mesmo que sua atual gestão seja a continuidade de uma "velha política" do chamado chaguismo. E o Leviatã do Rio de Janeiro se faz um possível modelo para esse momento de enfrentamento de uma "pandemia" e da maior recessão econômica de nossa história.
 
A juventude que se alinhou ao "anarcocapitalismo" é um exemplo do quanto a globalização se fez nas mentes depressivas da polarização. Por outro lado, a juventude no campo da esquerda está "mofada" pelo "sebastianismo" e sem conexão com as leituras. Na "jaula de ferro" do desencantamento weberiano emergiu um "pós-esquerdismo" de viés autoritário na padronização de uma militância deslocada das classes trabalhadoras. O Hobbes se alimenta dessa natureza de guerra que esses jovens se deixaram conduzir nas redes sociais. Então, como se poderia superar esse dilema?
 
"Virtú" é a força de buscar dar um sentido para a política. Nesse ponto é importante reconhecer a importância de que um "ator" articule os desejos espalhados na sociedade. Portanto, as instituições democráticas não podem ser deixadas ao sabor de um debate de normas jurídicas uma vez que há sempre a "invenção" na política com P maiúsculo. Contudo, ela se fará presente com o entendimento de que um Estado de Bem Estar Social se fez necessário na ampliação dos parâmetros da Carta Constitucional de 1988. O STF não se silenciou sobre os direitos dos trabalhadores. Onde está a centro-esquerda? Não se pode esquecer que o tempo de fazer acontecer implica em enfrentar uma tradição autoritária que dialoga com a nossa elite econômica. A sombra está para além do mito da caverna de Platão. 

terça-feira, 7 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 2

 
 
A AUSÊNCIA DO ATOR POLÍTICO NA VELOCIDADE DOS FATOS
 
Por Vagner Gomes de Souza
 
 
Foi uma segunda feira típica de uma sociedade civil que está em "quarentena" e alimenta uma tradição do sebastianismo português. A destruição dos partidos políticos pela Operação Lava Jato não tirou de cena a vida política, porém a antipolítica não criou uma geração disposta a fazer uso da direção da providência. Assim, o mundo do medo alimentado pelo pensamento centralizador do pensador Thomas Hobbes ganhou uma grande ressonância aos herdeiros das eleições de 2018 o qual o medo era viramos uma Venezuela ou uma Cuba. A triste situação da saúde pública fez do medo da sociedade "aquartelada" algo mais visível.
 
Entretanto, de uma "medo" para outro "medo" eis as narrativas políticas em voga nesse momento quando os números de desemprego começam a subir em exponencial. Onde foram parar as forças inovadoras do aprofundamento do liberalismo. Locke é hoje se esconde em um processo sem atores políticos. O fortalecimento do Estado de Bem Estar Social se faz sem um programa ou sinceras convicções diante de grupos políticos alheios ao debate democrático.
 
Isso é tudo resultado dos fatos políticos que se avolumam sem que a política encontre uma linha política que lhe ofereça a "virtú". Na ausência do Ator Político, a religião e as forças armadas ganham espaço no cenário da conjuntura. De uma lado a convocação de um Jejum Nacional alimenta uma base de ressentidos. De outro lado, a raiz do positivismo estaria se refundando nas forças armadas. Onde se encontra o centro político? A falta de uma resposta para essa pergunta impõe o quanto a velocidade dos fatos poderiam levar as instituições democráticas para uma fratura.
 
Há um falso dilema que uma militância de esquerda se impôs para não observar que o problema principal é a economia. Trata-se de pensar no Impeachment ou mobilizar pela renúncia. Como fazer mobilização sem o povo ocupar as ruas. A Esquerda não é a Live de Jorge e  Mateus para mobilizar segmentos plurais. Portanto, fazer política impõe analisar a ação e o tempo. A paciência é muito importante nesse momento de "quarentena" pois a democracia atravessa um momento de grande teste. Sair da principal preocupação da população só alimenta a polarização. Tudo em seu tempo e com uma ampla mesa de negociação.
 
Diante do exposto, não podemos nos silenciar diante da sanha do sistema financeiro em lucrar com a crise da Pandemia. Esse é o ponto a ser denunciado diante das posturas do Ministro da Economia Paulo Guedes que nunca ocupou aquela cadeira para atender a classe trabalhadora seja formal ou informal. Um funcionário dos Grandes Bancos no Governo Federal que deveria ter sua permanência questionada. Diante de sua paralisia, resta ao Congresso Nacional formar um Programa de Reestruturação da Economia que deve ir além da aprovação da PEC do "Orçamento de Guerra". Mesmo que os atores políticos ainda estejam ausentes, na precisão, os "sapos" pularão da planície.
 
 
(NOTA: não deixe de ler o artigo anterior e de compartilhar esse!!!)

domingo, 5 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 1


A Crise e a Ausência do Ator

Por Vagner Gomes de Souza
 

Nos dias atuais a grande certeza que nos apresenta na conjuntura nacional é a dificuldade da organização de um ator político do campo progressista para reorganizar o campo democrático brasileiro. A sociedade está desperta pelas ações centralizadoras nas orientações para o enfrentamento da “Pandemia”. Os ensinamentos de Thomas Hobbes em O Leviatã permitem dizer que não há uma crise moral e intelectual do pensamento que fundamentou a vitória eleitoral de um “free rider”  da antipolítica. Isso exposto, não há indícios de que tenhamos uma fácil avenida em favor das forças democráticas.

As massas populares estão diante de uma grave crise econômica social que aprofunda a tendência da concentração de renda. Diante desse alinhamento social dos “descamisados” com as vertentes hobbesianas não se pode perder tempo com análises políticas focadas na figura do chefe do Executivo Federal. Nunca a frase “È a economia estúpido!” foi de tamanha aplicação para os passos que deveriam ser seguidos pelas forças democráticas. A oportunidade de termos uma forte intervenção do Estado na economia deve ser pactuada para beneficiar aqueles que menos têm ao contrário de garantir os níveis da desigualdade social.

Entretanto, vivemos a ausência de atores políticos com lideranças que saibam fazer a conexão entre sociedade, Parlamento e segmentos intelectuais. Uma vez que a continuidade da armadilha da polarização colocou uma parte da militância da Esquerda sob o “dilema do prisioneiro” ao qual contribuem indiretamente para o fortalecimento da base política do mandatário nacional. Poucos percebem que há uma agregação de uma “ralé” de segmentos sociais diversificados a partir do ressentimento. Então, a aposta do Presidente em aprofundar a recessão econômica o exime da mesma pela denúncia antecipada aos Governadores de São Paulo e Rio de Janeiro (apresentados como oportunistas e traiçoeiros).

Cada semana descoordenada na economia por um Ministro que tem sua raiz no neoliberalismo a recessão será ainda mais radicalizada. As massas populares estariam entregues a sua própria sorte, pois as medidas sociais são de natureza compensatória. As classes subalternas ainda podem se vir realinhadas pela refundação do “jacobinismo florianista”. Por outro lado, o constitucionalismo em leitura “positivista” só sufoca as alternativas políticas. A linha a análise de conjuntura na superestrutura estaria sufocando as nossos passos pelo olhar na estrutura. Esse é o momento de fazer de fato uma Frente que permita uma intervenção democrática do Estado na economia no qual todos devem ser convidados a mesma mesa de unidade.

Contudo, onde está o “sapo” para pular diante da necessidade de uma política econômica mais favorável aos setores populares. Não podemos nos deixar ficar sob a captura da pauta liberal pragmática que simplesmente se deixa levar por uma alternativa em cálculos eleitorais. O ponto é ampliação dos gastos públicos para minorar os graves efeitos recessivos. Na ausência de um ator político, o sebastianismo político de nossa cultura ibérica se alimenta de outros personagens que emergiram do “baixo clero” ou das “casernas” dos quartéis. As instituições democráticas passam por um grave momento é não seriam os atalhos do positivismo constitucional que permitiram a acolhida dos segmentos populares. Para enfrentar Hobbes, sigamos o ensinamento de Maquiavel que diz “Eu creio que um dos princípios essenciais da sabedoria é o de se abster das ameaças verbais ou insultos.”

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

OSCAR 2020 - Entrevista com o crítico de cinema Pablo Spinelli

1) Quais suas impressões em relação aos filmes indicados para a competição do Oscar 2020?
Creio que a dimensão da derrota da sua política nos anos do atual presidente dos EUA tenha tido reflexo na escolha da Academia. O cinema é uma das manifestações mais importantes da e sobre a sociedade, logo, os olhares sobre os comportamentos e ações dos atores políticos repercutem nas telas nos mais diversos filmes. É muito verdadeira a afirmação da baixa representatividade de negros – ou afrodescendentes – e de mulheres, assim como de mulheres negras nas indicações e premiações. Eram homens brancos votando em brancos. Agora, sendo uma reunião de indústrias, é romântico achar que fossem fazer algo diferente. Com a emergência de mulheres e negros no mundo, o cinema, que é a arte mais globalizada após a música, precisava recuperar uma fatia do mercado que estava se transferindo para games e o streaming. A “netflixização” do mundo trouxe a necessidade de oferecer outros produtos, além da pressão de jovens atores, roteiristas, diretores que conseguiram mais espaço em produções independentes. Dessa forma, Pantera Negra, Spike Lee, “Corra!”, a atriz que faz uma rainha em um triângulo mais ou menos amoroso com outras duas mulheres em “A Favorita” e outros foram indicados ou ganharam. Agora, há de se ver se há uma tendência em ter que indicar ou se há uma escolha pelas suas qualidades. Premiar um ator ou atriz para “ficar bem na foto”, como diziam os jovens, é algo muito ruim se não houver continuidade ou apoio em sua carreira. Veja o caso do Cuba Gooding Jr. ou o veterano Louis Gosset Jr (que foi resgatado pela série “Watchmen”). Por sua vez, há um Denzel Washington e um Sidney Poitier, um Alfonso Cuarón. Lembro-me que houve uma pressão de grupos LGBT contra “O Silêncio dos Inocentes” porque o filme demonizava o homossexual e diziam que fariam uma exposição de artistas “dentro do armário”. Era um recado para a atriz do filme, Jodie Foster. As mulheres americanas se calaram diante dessa pressão. A mesma atriz que havia ganhado um Oscar vivendo uma jovem emancipada em “Acusados”, filme hoje esquecido e que tinha duas atrizes que se assumiram como lésbicas anos depois. Tudo isso para dizer que o Oscar esse ano está mais plural, mas menos identitário. Quanto mais humano, maior será o alcance da proposta de inclusão. Os democratas dos EUA mostraram sinais disso na apertada disputa essa semana em Iowa nas primárias presidenciais. A sua inconclusão mostra o quanto ainda há de se capinar sentado para deslocar a pauta do ”meu direito” para a pauta do “nosso emprego”, “nosso país”, “nosso meio ambiente”, “nossas crianças” etc.
 
2) Em relação a categoria de melhor filme, a ausência de “Dois Papas” se justifica? Aliás, não seria o filme esquecido para 2020?
Pode ser que Parasita tenha ocupado esse espaço. A Academia, pensando na receita de sua indústria e das salas de cinema optou a repetir uma fórmula de décadas atrás, que é a abertura de mais de cinco indicações à categoria de Melhor Filme. O curioso é que além de não detalhar os critérios para um ano ter sete ou nove, acaba por querer nos fazer de “trouxa” ao colocar filmes de heróis ou que tenham potencial de levar público no cinema. Acredito que poderia ter investido no último “Vingadores”, mas ganharam de presente “Coringa”. O filme “Dois Papas” não é um filme de Oscar, mas de Festivais que primam por um determinado estilo de cinema. As indicações que recebeu são uma prova de sua força, pois é quase um teatro filmado que teve como força os seus diálogos e o talento de seus atores. Na minha opinião, “Nós” e “O Farol” foram os mais esquecidos pela academia.

 
Jodie Foster - Filme "Acusados"
 

 
3) O Senhor concordaria com aqueles que apostam na vitória de “1917” na categoria de melhor filme?

Acredito que sim. Não por conta dos prêmios que recebeu pelo mundo afora, mas pela sua mensagem atemporal. É um filme de síntese da vida, não só da guerra. Estamos ali, no filme de um descendente de portugueses. Temos uma música que sintetiza o filme cuja letra diz que temos é que levantar, sacodir a poeira e dar a volta por cima. Temos fracassos e obstáculos, mas temos que ter coragem e fé. O deserto pode demorar, a trincheira pode ter a crítica roedora dos ratos, mas em algum momento as coisas mudam. Essa é a força do filme. Não é uma apologia ao individualismo, pelo contrário, há solidariedade, cooperação e ao fim mostra a importância de estar vivo para a família. Era um filme para a esquerda brasileira trabalhar em cada esquina, em cada luta para reagrupar suas forças na sociedade, mas ela opta em desprezá-lo e ficar no estéril dilema pós-moderno da análise do discurso. Há de se mencionar a força de “O irlandês” e o que tem para nos dizer. Hoffa era um sindicalista que se corrompeu para garantir direitos da sua categoria, foi preso, tentou voltar ao poder, fez tudo o que podia para ter o que teve. Esse sindicalista americano que é um exemplo da ascensão e queda de nossos ex-sindicalistas não é pauta da esquerda, para uma autocrítica ou para resgatar o “espírito” de uma época, o “Welfare State” americano. O que escutamos é que o filme é longo demais. “E o vento levou”, “O Senhor dos Anéis”, “Harry Potter”, não são? Agora, apesar de seus méritos, “O Imigrante” perde para “1917” porque esse é mais universal, volto a insistir.

 Cena do filme "1917"
 


4) Na sua opinião, “Parasita” seria a “grande aposta” para a categoria melhor filme estrangeiro?
É, sem dúvida. Um roteiro muito bem feito, uma atuação que oscila entre os exageros e os detalhes de forma estudada, um diretor que sabe o que está fazendo. Mais uma perda da esquerda brasileira. Como um filme da Coreia do Sul, um dos paraísos terrestres dos neoliberais dentro e fora do governo; exemplo de sucesso educacional, segundo o então candidato Jair Messias, retrata a pobreza, inclusive de valores; a luta de classes? O filme tem a cara da América do Sul. Só que é Coreia do Sul, não a do Norte! É o Chile asiático e não a Venezuela oriental! E não se faz nada com isso? Nesse ponto, a esquerda americana acertou porque escolheu o filme pelo tema da universalidade, não porque é asiático. Assim como 1917 trata de uma guerra mundial. A globalização tem que ser vista por outros olhos. O internacionalismo só pertenceu a dois grupos. Os cristãos e os comunistas. Parasita nos provoca a agir.
5) Na concorridíssima categoria melhor atriz, como você analisa as nomeações?
É a categoria mais apertada, realmente. Há uma lacuna que é o trabalho de Lupita Nyong'o no filme “Nós”. Não vi o filme “Adoráveis Mulheres” na sua enésima versão, mas creio que o trabalho mais maduro, intenso, difícil e que apresenta diversas camadas seja o de Scarlett Johansson em “História de um casamento”, um filme que lembra muito os filmes pessoais feitos nos anos 1970 de John Cassavetes. Agora, a Academia gosta de si, tem vaidade, um filme como “Judy”, mesmo que fraco, é uma expiação da indústria sobre si mesma, uma máquina de moer carne, a “Roda Viva” deles. Veja o caso das atrizes, presas à ditadura da beleza para terem bons papeis, como são obrigadas a gastar com plástica por conta dos padrões. Os homens levam vantagem, mesmo que tenham sido rejuvenescidos por Scorsese em “O Irlandês”, que foi uma forma de garantir espaço para os mais velhos, a meu ver. Sendo assim, a Renée Zellweger ganha mais pela personagem do que pela (boa) interpretação, diferente do que foi seu desempenho no superestimado “Chicago”.
 
 Cena do filme "Parasita"

 
6) O filme “Democracia em Vertigem” é um documentário brasileiro que poderá trazer a primeira estatueta para nosso país? Na sua opinião,  qual seria o impacto de uma possível vitória do filme de Petra Costa?
Jamais. Primeiro que o documentário do Obama é a trincheira deles. “American Factory” tem mais a dizer a eles do que qualquer outro dos indicados. Não será dessa vez que o catecismo que fala que “a imprensa de massa vai ter que engolir a construção da narrativa que criou” não dará certo. Caso ganhe esse credo, nada vai mudar para melhor. A eleição não acaba, a polarização continua. O que se espera ganhar? A Dilma voltar ao cargo? Sérgio Moro fazer mea culpa? A popularidade desse personagem não está em vertigem. Ele ter como principal adversário político o presidente mostra o quanto esse filme fala para os convertidos. Ouço e leio amigos e “analistas” argumentarem que o documentário tem uma proposta inovadora ao colocar a documentarista como personagem. Ora, Michael Moore faz isso há quanto tempo? Não é toda hora que dá para ter “Tiros em Columbine”. Moore fez um documentário agora sobre o Trump. Quem viu? Qual a repercussão? Na perspectiva da política a indicação foi ruim. Caso ganhe, reforça a polarização e quem ganha? Caso perca, vai ter que aturar as redes sociais e... reforça a polarização. Jogo de perde-perde. Fico imaginando a live do presidente da semana que vem.


segunda-feira, 25 de novembro de 2019

SÉRIE ESTUDOS - a peça RODA VIVA no RIO

O Teatro Oficina e o Diabo no Cenário Carioca
De Vagner Gomes de Souza
Para Luiz Eduardo Soares pela sua generosidade
 
A batalha das ideias no campo cultural enfrenta as forças do retrocesso no Brasil. A pauta conservadora nos costumes está a serviço do avanço do ultraliberalismo na economia que não se incomoda com a destruição de uma rede de proteção social. A estagnação da economia brasileira está contribuindo para o aumento da desigualdade social e precisamos dialogar com as classes populares sobre os perigos dessas características para a democracia.
 Não é suficiente controlar a inflação para alimentar o crescimento. Essa é a didática e a atualidade da peça Roda Viva de Chico Buarque que originalmente foi escrita em 1968. Nos dias atuais, o Grupo Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona tem a ousadia política de reapresentar numa nova montagem para que o público veja diante de si as consequências de uma assinatura de contrato em branco para uma sociedade que se alimenta de ódio e pratica a antipolítica.
A trajetória do Grupo é marcada pela iniciativa que muitos atribuem aos momentos do tropicalismo brasileiro. Para além disso, eles atuam com amor pelo que estão fazendo e assumiram um enfrentamento político ao trazer a peça para o Rio de Janeiro que consagrou eleitoralmente o atual Presidente, um ex-Juiz com perfil de justiceiro do “juízo final” e no município as movimentações da política do campo democrático fraturado podem levar a reeleição do Bispo licenciado. Se as instituições democráticas estão em perigo no mundo, o cenário carioca só trouxe de relevante as massas populares rubro-negras circulando pelas ruas para comemorar seus títulos.
A “Festa da Favela” incomoda o racismo estrutural por mais que o Ex-Juiz se ajoelhe para o artilheiro das Libertadores 2019. E, sempre, as forças policiais entram em confronto com os populares. “Aleluia. Falta feijão na nossa cuia. Falta urna pro meu voto. Devoto. Aleluuuuuuuia.” Eis o povo cantando e entrando em cena no texto original como se entrasse num Rio de Janeiro com vários DJ Renan da Penha marginalizados por faltar o básico.
 Essa falta do essencial no social está cada vez sendo justificada pela classe média que passou por uma mutação antropológica. Houve uma antropofagia da classe média carioca no qual muitos populares, ao se sentirem “emergentes”, se deram ao luxo de serem mais reacionários que setores da elite econômica. A peça Roda Viva no Rio está a nadar contra a corrente nesse cenário como se fosse para alimentar as chamas de uma insurreição das ideias.
Numa semana de Black Friday. Em que muitos comerciais lhe vão sugerir que compre, compre, compre, compre... Sem que pensemos no próximo. Compre um pouco de democracia e vá a Cidade das Artes para assistir a peça Roda Viva. Veja no Anjo, em belíssima atuação de Guilherme Calzavara, o espelho de uma fase política que pode mudar. E mudará. Afinal, a montagem de Roda Viva está muito conectada com Bacurau (que esse teimoso articulista já analisou para esse BLOG) e além de lembrar o capítulo “A intervenção tropicalista como contraponto à divisão radical” em O Brasil e seu duplo (2019) de autoria de Luiz Eduardo Soares a quem dedico esse artigo.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

SÉRIE ESTUDOS - livro SOBRE LUTAS E LÁGRIMAS



Sobre o luto da política: um livro sobre as ameaças a Democracia

De Vagner Gomes de Souza

Para Júlio Aurélio, Ricardo Marinho, Eduardo Marcelo e José Manuel Blanco Pereira: a Base Universitária da UFF que em 1989 testemunhou outro “ovo da serpente”.

A semana foi intensa nos fatos políticos que criaram novas circunstâncias que sugerem uma redobrada atenção para as forças democráticas. Portanto, a leitura do livro Sobre lutas e lágrimas: uma biografia de 2018 de Mário Magalhães seria uma boa dica para aqueles que se esforçam para o exercício da rara arte da análise de conjuntura. Afinal, a liberdade do ex-presidente Lula segue uma sequência que faz justiça a expressão de um líder político que incendeia as paixões em torno do mundo. Não seria coincidência que tenhamos um golpe militar na Bolívia e o anúncio de mais uma legenda partidária na biografia política do atual gestor moral e financeiro do país.

Em que sentido a leitura do livro corresponderia aos esforços do campo democrático em fazer frente aos ataques aos valores democráticos da Constituição de 1988? O autor faz uma narrativa quase que cinematográfica em gênero “memória reportagem”. Os jovens leitores teriam a oportunidade de reler os fatos do ano o qual, segundo o autor, o Brasil flertou com o Apocalipse. Por sinal, foi esse o título da novela que a RECORD (núcleo intelectual de formação de opinião da base neopentecostal do bolsonarismo) exibiu entre novembro de 2017 e junho de 2018. Um livro para fazer os jovens acompanhar os fatos sem se deixar levar pelos mesmos. Uma vez que a análise da conjuntura se faz pela observação dos atores políticos em contato com a intervenção. A morte da centro-esquerda nas eleições de 2018 abriu um “luto” que se agrava pelos limites que atores políticos à esquerda impõem as novas possibilidades de lideranças que dialoguem com a periferia. Portanto, a antipolítica ganhou uma face no antiPT que colocou toda a esquerda no “balde do insano” anticomunismo.

A narrativa faz uma triangulação com três personagens que não saem ainda do noticiário político. Marielle Franco, Jair Bolsonaro e Lula são os personagens que realçam a biografia do ano de 2018. Ano de uma campanha eleitoral que ainda não se encerrou uma vez que a antipolítica é uma grande polarização que atinge a democracia.

Nas contradições sobre a portaria do Condomínio da Barra. No embate do Presidente com o PSL. Nas análises sobre os pronunciamentos de Lula que fizeram ressurgir ameaças de uso da famigerada Lei de Segurança Nacional. Enfim, nosso cotidiano político alongam o ano de 2018 e revive o livro de Mário Magalhães. Nesse momento de aberto enfrentamento do gestor moral e financeiro do país com a nossa história com fortes traços ibéricos, a sinalização de uma agremiação partidária é uma “fumaça” para encobrir que a polarização da política é inflada pelo Planalto. Os ataques da postagem das hienas não podem ser esquecidas pelos democratas e nem o “balão de ensaio” do Ato Institucional N(o) 5 que majoritariamente é desconhecido até na juventude prestadora do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM).

Sobre lutas e lágrimas apresenta as veias abertas das consequências de ausência da valorização da política que permite a ascensão de um núcleo dirigente que defende um capitalismo predatório sem uma rede de proteção social. O tiro em Marielle Franco e Anderson Gomes demonstrou que não podemos ficar aprisionados ao cálculo eleitoreiro. Fazer política é mais que levantar nomes messiânicos para disputas eleitorais num país com a democracia com forte desgaste. O jogo obscurantista das forças reacionárias é muito forte. Não nos iludamos que o desgaste do Governo nas pesquisas no IBOPE sensibilize aqueles que não compactuam com a democracia. Então, a ideia da Frente Ampla que o autor sinalizou no capítulo nove se faz necessário. Na ausência de Carlos Lacerda, JK e João Goulart, teremos que nos contentar com Rodrigo Maia, FHC e Ciro Gomes. Essa é a hora apropriada para uma nova Carta ao Povo Brasileiro.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

SÉRIE ESTUDOS - RESENHA DO LIVRO ESSA GENTE - CHICO BUARQUE


Essa Classe Média


Por Vagner Gomes de Souza

 

“Tem dias que a gente se sente

Como quem partiu ou morreu

A gente estancou de repente

Ou foi o mundo então que cresceu (...)”

 

Roda Viva (1967) – Chico Buarque

 

O livro Essa Gente acaba de chegar as livrarias físicas e virtuais e já promete muitas reflexões. Trata-se do sexto romance do também compositor Chico Buarque (agraciado pelo Prêmio Camões de 2019). Em suas páginas, o leitor será cativado pela forma suave no qual terá condições de analisar os dilemas de nossa atualidade. Esse é o livro que o filho se espelha no pai Sérgio Buarque de Holanda. Ele faz uma ficção com inspiração sociológica através da leitura da cordialidade brasileira no qual os personagens da classe média carioca expõem suas faces diante da “ralé” brasileira.

Seria um livro-manifesto que espelha como a emergência dos valores da ultradireita está com capilaridade no cenário carioca. A Zona Sul do voto de opinião deixa cair sua máscara preconceituosa. A trajetória do personagem Manuel Duarte permite a exposição das mágoas e dos ressentimentos da classe média. O fantasma do fascismo está ao redor Duarte. No fio da navalha que expõe os perigos das manifestações do voto de fúria antipolitizado.

Manuel Duarte circula tanto nas festas da elite econômica do agronegócio quanto nas moradias das classes subalternas. Ele é um escritor em crise criatividade como se fosse os atores do campo democrático. Um personagem andarilho nas ruas da Zona Sul que articula as tramas/dramas de uma classe média contaminada pelo moralismo. Separações na vida particular e decadência financeira numa sociedade em transformação transmite a angústia do romance sobre nossa época. Como viver nesse país através dos livros? Portanto, o personagem secundário é uma arma.

Essa Gente pode ser lida como um suspense que nos motiva a antever possíveis perigos para a Democracia no Brasil. A atualidade do livro apresenta as transformações na religiosidade nos morros cariocas. O candomblé sendo suplantado pelo neopentecostalismo. Uma ideia acompanhada pelo insight de uma trama paralela policial sobre a castração de jovens da periferia feitas por um Pastor a serviço da cultura. Nesse momento, Chico Buarque se assemelha ao escritor nova-iorquino Paul Auster. O Brooklyn surge nos contornos do morro do Vidigal. Uma narrativa de absurdos que revela o quanto é um absurdo a nossa política contemporânea. Os voos rasantes dos helicópteros e uma sociedade entregue a depressão.

Nesse romance, o autor sugere o quanto a classe média está doente com seus endividamentos e na busca pela ascensão social. Depois de abrigar negros fugitivos no século XIX, parece que o Leblon se espelha no Sul segregacionista norte-americano nos dias atuais. Na verdade, Adriana Calcanhoto escreveu “e o inverno no Leblon é quase glacial”. Estamos distantes de uma “primavera” carioca. Contudo, há momentos de poesia e resistência democrática por parte de outros personagens. Portanto, temos um livro que resgata o compositor das músicas de protesto dos “anos de Chumbo”. Essa Gente é o romance que traz a essência da música Roda Viva do compositor.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

COLUNA DO PABLO: Sobre o filme Coringa

 
O Homem Irracional em Coringa: para ler Keynes nos dias atuais

Dedico ao meu pai e ao NEAG
O colaborador desse blog que assina esse texto vez por outra tem insistido na necessidade de relembrar e discutir sob a luz da atualidade filmes que hoje são considerados clássicos modernos, especialmente os dos anos 1970 e 1980. A motivação vem de um livro escrito por um dos melhores autores do século passado, chamado “Por que ler os clássicos?”; de Ítalo Calvino. Aqui vamos reforçar; porque assistir a clássicos? A resposta é clichê. Porque eles sempre têm algo a nos dizer.
Na resenha anterior falamos de Taxi Driver, dirigido por Martin Scorsese. Foi abordada também a singularidade de parcerias entre diretores e atores – que também incluem fotógrafos, figurinistas e músicos (procure na internet quantos filmes de Steven Spielberg o compositor John Williams foi o responsável pela trilha). O objetivo era escrever depois sobre um filme dos anos 1970 com um ator que foi um dos ícones dessa década, Al Pacino, chamado “Um dia de cão”. O filme fala sobre um assalto de uma dupla de ladrões medíocres que acaba supervalorizado pela mídia e os marginais acabam sendo a voz de uma sociedade americana cheia de problemas pós-trauma do Vietnã. Ainda falaríamos que esse filme é uma vanguarda para as questões de gênero, pois o motivo do assalto era para o custeio de uma operação de mudança de sexo do amante do personagem vivido por Pacino. Como sabido, um filme que a esquerda dita moderna esqueceu, mas o seriado “Mindhunter” que está na Netflix, não. Basta ver o primeiro capítulo. Em dias que a morte de um sequestrador tem a presença “imediática” de um governador em plena ponte Presidente Costa e Silva, o filme mostra seu vigor.
A proposta dessas resenhas é principalmente falar com o público jovem, seja sob qual ideologia que diz professar ou defender. Caso seja de esquerda, esses filmes americanos dos anos 1970 e 1980 têm muito a nos dizer sobre o processo de americanismo que vigora no mundo; além de temas de gênero; do esfacelamento do Estado pela lógica privatista; os abusos de imprensa e magistrados; os personagem à margem da sociedade. Caso seja de matriz conservadora; pode-se ver o esfacelamento da família; os questionamentos éticos e morais de uma época e, o caso seja fã das falas e analogias de Olavo de Carvalho; contrarie o elitista filósofo da Escola de Frankfurt (Carvalho deu um tempo para Gramsci respirar), Theodor Adorno, que segundo Olavo foi parceiro dos Beatles, e caia de cabeça na indústria de comunicação de massa. Caso você não se identifique com nada, continue a ler essa resenha, pois o personagem principal diz que é igual a você: não tem nada a ver com a política.
 


Coringa é o filme do ano. Em uma hora de projeção você se pergunta como que o diretor da trilogia “Se beber, não case” conseguiu fazer esse filme. Greve (real) de lixeiros; ratazanas gigantes (analogia a políticos e empresários); abandono de pessoas portadoras de problemas mentais e de idosos; subemprego; violência urbana; humilhação de pessoas comuns em programas de televisão; dependência de remédios antidepressivos; violência policial; exploração da pornografia no cinema (basta ver os letreiros); uso indiscriminado do porte e uso de armas; o politicamente incorreto (representado na gigantesca figura do anão; o único a ter empatia com o personagem principal); um milionário que quer entrar na política franzindo os olhos e ridicularizando quem pensa diferente dele chamando a todos de palhaços; movimentos de ocupação contra o sistema sem política ou programa;  a comoção com a morte de três homens de bem que assediavam uma mulher e espancavam um homem supostamente indefeso. Esse caleidoscópio está aos nossos olhos. Mas o filme se supera.

A cena que Arthur Fleck é avisado que houve cortes orçamentários e que o serviço de assistência social que recebe será extinto é a lembrança que a virada dos anos 1970 para 1980 marcou a onda neoliberal com o governo Ronald Reagan. A pergunta que ele faz e não tem resposta é a de qualquer cidadão do Brasil ao saber de contingenciamentos para poder pagar juros da dívida pública: “Mas como vou conseguir os meus remédios?”. Seria o “Eu, Daniel Blake” americano. Sem poder ter acesso aos medicamentos, os abandona por ter sido abandonado. Antes que um adepto da religião do século XXI, a meritocracia, diga que ele poderia trabalhar, basta ver que ele tentou. Fleck estava entre as crianças com câncer no melhor estilo “Patch Adams”, um público que ria sem julgar. Mas a sua inabilidade para portar uma arma o deixa desempregado.

Quentin Tarantino fez um filme para si, algo que Fellini fizera em “Amarcord” e, recentemente, Cuarón, em “Roma”. Um filme marcado de memórias, difícil para os jovens que esperavam um ritmo como o de Kill Bill ou Bastardos Inglórios (o que não é verdadeiro, pois há nesses filmes vários momentos longos e lentos; muitos diálogos) e viram uma nostalgia aos filmes e seriados de televisão dos anos 1950 e 1960. Coringa seria de forma mais implícita uma elegia, um hino de amor aos filmes que Hollywood fazia antes de Velozes e Furiosos e Transformers. A escolha pela logomarca da Warner de “Laranja Mecânica”; “Todos os homens do presidente” e o já citado “Um dia de cão”, mostra isso. O filme de 2019 é um filme pela fotografia, figurino, maturidade, atuação, roteiro, um belo filme dos anos 1970.

A New York de “Coringa” é suja e cinzenta como a de “Um dia de cão”. A ideia de um suicídio ao vivo na televisão é de “Rede de Intrigas”. A relação entre mãe e filho insanos nos remete ao filme clássico de 1960, “Psicose”; os corredores claustrofóbicos do prédio em ruínas nos transporta pelo posicionamento da câmera a “O Iluminado”. O espancamento na ruas é o mesmo que Alex passa após seu tratamento em “Laranja Mecânica”. Arthur Fleck  e a sua vizinha/musa fazem um gesto com os dedos na cabeça numa homenagem ao mesmo gesto feito por Travis Bickle em “Taxi Driver” , pois como o enredo de “Coringa” se passa em 1981, o Fleck viu o filme. Aliás, como sabemos que se passa em 1981? Pelo letreiro do cinema aonde dois filmes que foram lançados nesse ano estão expostos: “Blow out” e “As duas faces de Zorro”. O primeiro filme no Brasil teve o bom título “Um tiro na noite”, com John Travolta. Tudo relacionado com a trajetória da família Wayne. Já “As duas faces de Zorro” é a alusão a um herói mascarado mais antigo que será revivido pelo homem-morcego que nascerá à fórceps nesse ano, segundo o filme em uma cena que homenageia o primeiro Batman de Tim Burton.




A relação entre Arthur – que não é um milionário, mais uma referência a um clássico da comédia romântica dos anos 1980 – e o apresentador de televisão vivido por Robert DeNiro (sim, o Travis Bickle de “Taxi Driver”) é uma simpática e mais macabra alusão ao enredo de um dos filmes mais subestimados de Martin Scorsese, “O Rei da Comédia”. Nele, um homem que quer fazer stand up (novamente DeNiro!) não consegue o apoio de um comediante veterano e apresentador de talk-show vivido pelo eterno Jerry Lewis. Aqui, em “Coringa”, estamos com  programas televisivos que esculhambam o homem comum em nome do riso fácil e da audiência, algo que os mais velhos no Brasil já viram em “O povo na TV”; “Aqui e Agora” e temos hoje um mercado amplo de Ratinhos e Datenas; passando pelo ET de Gugu; o sushi erótico de Faustão e a misoginia de “Pânico”. Diante desses usos e abusos, parafraseando um personagem ícone do cinema brasileiro, diante das câmeras, Arthur Fleck é o c****, meu nome é o Coringa!

Jovem, não busque fazer comparações entre o Coringa de Heath Ledger e o de Joaquin Phoenix. Eles não são opostos, se complementam. São contextos diversos. Ledger surge do nada para o caos e fazer o Batman ser aquilo que seus autores queriam nos anos 1930: um ícone fascista para os EUA; o homem providencial. O carinho a Ledger é tamanho que a cena de Phoenix na janela do carro policial é uma lembrança daquele respirando ar puro. Ambos mostram o quanto foi equivocada a interpretação de Jared Leto.

Phoenix mostra que a desesperança; a falta de cooperação; de empatia (o anão agradece) e o declínio do homem público, da ágora moderna, pode levar à perda da política, da sanidade individual e social. Um Coringa que em meio a uma multidão em uma anomalia selvagem que aceita qualquer liderança, faz de um louco o seu poder constituinte para que a tire do estado das coisas que está, que dança tal qual um Mick Jagger sobre um carro da polícia; onde a simpatia pelo diabo que surge quando as instituições falham é fatal para uma juventude órfã; a sociedade desce escada abaixo para os círculos do inferno de Dante como Arthur desce os degraus e surge o Coringa. Phoenix vira uma Fênix. E das negras.

Quando se celebra os 80 anos de Batman com o Coringa – muito superior a qualquer filme da Marvel que gradativamente infantilizou seu público- percebemos como as coisas estão trocadas e diversas aqui e alhures. Há esperança? Há. Temos Chaplin. Smile.

 

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

SÉRIE FILMES: BACURAU


A Comuna de Bacurau
Por Vagner Gomes de Souza 
Bacurau é um filme que cativa o público pelo roteiro original que apresenta um manifesto pela resistência abordando uma vila em meio do Nordeste em futuro próximo. Nas primeiras cenas o atropelamento de urnas funerárias numa estrada de buracos e moradores saqueando outros caixões. A morte seria um bom negócio? Além disso, a escolha de uma cidade do Oeste de Pernambuco com semelhanças ao sertão é um convite para inúmeras aproximações com o pensamento social brasileiro. Descreveremos algumas dessas possibilidades para contribuir na formação daqueles que ainda se sensibilizam com um cinema com opinião.
O filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles começa com o velório de Dona Carmelita que seria uma espécie de matriarca formadora de personagens com protagonismo na localidade. Trata-se de um “Arraial” semelhante a Canudos, mas a fé foi suplantada pelo conhecimento. A movimentação das câmaras destacam os livros no interior da casa da matriarca o que demonstra outro lado numa narrativa em paralelo aos Sertões de Euclides da Cunha. O capítulo dedicado a “Terra” muito bem se assemelha as lições do filho de Carmelita para os alunos de primeiro segmento do ensino fundamental. Plínio (Wilson Rabelo) seria um Antônio Conselheiro que faz uma gestão colegiada em Assembleia. Sua liderança é agregadora de uma diversidade presente naquela comuna. O sertão vive um problema com a água o que sugere uma atenção para os efeitos políticos e sociais que a ganância possibilita.  Da “Terra” para a descrição dos personagens como o capítulo “Homem”. Portanto, Bacurau é a comuna da resistência, pois como escreveu Euclides da Cunha: “o sertanejo é, antes de tudo, um forte.”
 



A resistência de Bacurau ao Brasil do arcaísmo como projeto é o lado utópico do filme no qual não há contradições e falsos moralismos numa aldeia em que a Igreja serve como depósito de móveis e outros utensílios. Há um Museu Histórico na localidade o que demonstra a importância do passado na formação de uma cidadania crítica. Lunga (Silvero Pereira) é um “herói-foragido” e como se fosse um Corisco no qual a câmera faz um close para as unhas pintadas. Com leveza nos lembramos de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963) de Glauber Rocha ao se perguntar sobre quem seria o Antônio das Mortes.

O estilo de suspense ainda estava por vir, mas antes vem o anuncio de que a seria ano de eleições municipais. Momento de otimismo em relação ao futuro da democracia? Ainda há eleições no futuro próximo de nossa pátria amada. Enfim, o Prefeito é 100% rejeitado pelos moradores de Bacurau, porém o voto é voto. O roteiro expõe a tentativa de uma aproximação pela via do assistencialismo. Mas aquela é uma localidade da resistência que aparentemente tem conhecimento do livro do pensamento social brasileiro Coronelismo, enxada e voto de Victor Nunes Leal (1948) uma vez que não há um “coronel” como mediador entre o político e o eleitor. A “ditadura da necessidade” de forma utópica não existe na comuna que o leitor poderia dizer que não tem condições de existir no mapa.


Então, cinematograficamente, Bacurau não está no “mapa” em um tempo que antecede outros eventos mais mortais. Os moradores prenunciam que algo de estranho estava por vir diante desse fenômeno. Numa noite de cavalos corredores na localidade, começam os assassinatos no que seria um momento magnífico no roteiro ao expor as implicações sobre a posse de armas em áreas rurais. De Glauber Rocha, aos poucos, o filme ganha um novo “corpo” ao estilo de Quentin Tarantino. E, sugerimos que seja o “Os Oito Odiados” (2015) a melhor referência em relação aos estrangeiros que estão ligados ao jogo das mortes. Quem fazia essa pontuação?

Então, o hoje esquecido Rui Facó de Cangaceiros e Fanáticos (1963) é outra possibilidade de leitura ao ponto dos fanáticos do século XXI seriam os fundamentalistas do acesso ao uso das armas e seus vínculos com o mercado da vida. Do conflito, emerge uma comunidade mais unida. Entretanto, na cena do enterro vivo de Michael (Udo Kier) ele alerta que aquele momento não era o fim, mas apenas o começo. Seria um presságio do Livro das Revelações? “E vi descer do céu um anjo que tinha a chave do abismo e uma grande cadeia na sua mão. 2 Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o diabo e Satanás, e amarrou-o por mil anos. 3 E lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e pôs selo sobre ele, para que mais não engane as nações, até que os mil anos se acabem. E depois importa que seja solto por um pouco de tempo.” (Apocalipse 20: 1- 4). Há nessa fortuna a busca da volta da prática da virtú que Lênin tentou fazer após a leitura de A Comuna da Paris de Karl Marx.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

COLUNA DO PABLO - SOBRE O FILME TAXI DRIVER

 

Taxi Driver ou Quando DeNiro e DaMatta se encontram

Dedico aos amigos Amanda e Leonardo e à jovem Flora, futura condottiere para melhores paragens.

Por Pablo Spinelli

Fazer uma análise sobre um filme que tem como protagonista um motorista de táxi talvez seja um anacronismo diante dos aplicativos de carros particulares que colocam esse ofício como uma peça em extinção. Fazer uma análise sobre um filme dos anos 1970 talvez seja tão antiquado quanto pensar em comprar uma autonomia de táxi no mundo das startups.

Porém, o filme é um dos maiores expoentes do cinema da “nova” geração de Hollywood que floresceu nos anos 1960 e 1970; geração que dominou as telas e influenciou a política, os costumes, vestuários, expressões no vocabulário e diretores mais jovens de todo o planeta.

Martin Scorsese foi e é um dos maiores nomes de sua geração. Conseguiu ter maior longevidade artística que seus contemporâneos, como Francis Coppola, George Lucas e Peter Bogdanovich. Conseguiu passar por problemas pessoais melhor do que os que Woody Allen enfrentou. Foi mais rico em abordagens temáticas e ousadias que o mais nerd do grupo, Steven Spielberg. A carreira desse ex-seminarista dialogou da máfia ao budismo; da corrupção policial à invenção do cinema sob o olhar de uma criança. Porém, mesmo que tenha feito filmes sobre jesuítas (e Jesus) ou homens milionários loucos; sua temática mais forte, seu laço mais afetivo provém dos personagens que lhe deram mais sucesso nas telas: os subalternos; os fracassados; aqueles que buscam a redenção.  Mafiosos de segunda categoria; boxeadores em sua decadência; prostitutas; policiais corruptos; mulheres solitárias; e, por que não, taxistas enlouquecidos, fazem parte do caldo mais interessante de Scorsese.

Seus filmes dialogam muito com a sua formação católica. O mundo perdeu um padre, mas ganhou um dos maiores amantes e conhecedores do cinema de todos os tempos. Um diretor que tem em seus filmes a questão da culpa, da moral ou sua ausência, da lealdade ou traição, o amor e o pecado como seus motes principais. Taxi Driver talvez seja um dos filmes que melhor traduzem tudo o que foi descrito acima, mesmo que para muitos críticos seu melhor filme tenha sido “Os Bons Companheiros”, mas cremos que não haveria Scorsese sem “Taxi Driver”, assim como provavelmente, não haveria “Apocalypse Now” de Coppola sem esse ter feito antes “O Poderoso Chefão”.

No cinema há grandes parcerias. Os mais jovens sabem que Samuel L. Jackson trabalhou em vários filmes de Tarantino. François Truffaut, diretor francês, fez vários filmes com Jean-Pierre Leáud. No Brasil, Glauber Rocha e Othon Bastos fizeram poucos, mas memoráveis filmes. O diretor inglês Alfred Hitchcock tinha dois ícones, James Stewart e Cary Grant para vários de seus filmes, fora o fetichismo com louras. O cineasta sueco Ingrid Bergman trabalhou com os atores Max Von Sindow (o corvo de 3 olhos de GoT) e Liv Ullman incontáveis vezes; Woody Allen teve como referências Diane Keaton, Mia Farrow e Scarlett Johansson para seus trabalhos; Ridley Scott com Russel Crowe desde “O Gladiador” ou o seu falecido irmão, o também diretor Tony Scott com Denzel Washington; e, o caso mais mítico, a dupla Federico Fellini-Marcello Mastroianni que entrou para a história ultrapassando as fronteiras do cinema italiano. Algo mais próximo aos italianos talvez seja a simbiose entre Martin Scorsese e aquele que foi o seu melhor alter ego entre os anos 1970 e 1990, Robert DeNiro. As carreiras de ambos são indissociáveis. Essas linhas, caros leitores, são para mostrar que a escolha de um elenco não passa pelo acaso. Filmes ou personagens são pensados para determinados atores e isso muito depende da ação do diretor.

Taxi Driver começa com um indivíduo solto na multidão. Um homem de bem. A princípio. Um homem com insônia que precisa do trabalho por terapia. Uma descrição da sociedade atomizada e de alguns dos diagnósticos mais sombrios para a América escritos por Alexis de Tocqueville no clássico “A democracia na América”. Eis que surgem as referências de Scorsese. A música é hipnotizante, assim como as ruelas sujas e o discurso moralizador do homem de bem de Travis Bickle, personagem de DeNiro. A cena inicial estampa uma Nova York colorida pelo voyeurismo do personagem com uma trilha de Bernard Hermann, compositor de alguns dos filmes mais importantes de Alfred Hitchcock. Mas a homenagem de Scorsese a Hitchcock vai para além da trilha.

Travis Bickle, um jovem de 26 anos consegue participar de uma frota de táxis e com isso, enquanto dirige, torce para que um Deus da punição venha a descer a lenha sobre a Sodoma que ele vê em Nova York, inclusive, sobre seus próprios passageiros.  Eis que aparece a maior referência a Hitchcock. Uma jovem competente, linda e loura (como as personagens centrais do experiente diretor inglês de Psicose e Um corpo que cai) desloca o seu olhar da podridão do espaço público. Eis que aparece Cybill Shepherd, uma Vênus que faz a apatia de Travis se desvanecer. Ele se engaja em uma campanha política porque a sua Afrodite é do marketing e da campanha de um político ao qual Travis não sabe o partido, o programa, nada. Algo que nem a equipe do candidato pensa em traduzir, pois Scorsese faz ali uma breve denúncia do sistema americano das eleições: os partidos como máquinas eleitorais que vivem um sistema repetitivo e monótono de venda de embalagens, sem conteúdo.
Travis engata um romance curto, vira um crush, ele e a personagem de Sheperd estão se “conhecendo”, para usar os termos em voga. Só que o conhecimento é trágico. O personagem de Bickle, que pode trazer antipatia pelo que pensa enquanto homem de bem, nos dá um ar desolado por não saber aonde levar sua “crush” ou o que dar de presente. A experiência de ambos em uma sessão de cinema já vale o filme, ainda mais ao se saber que a atriz começou a deslanchar a sua carreira em um clássico dos anos 1970 já esquecido: “A última sessão de cinema”. A rejeição de Betsy (Shepperd) faz Travis descer ao inferno. Mais trabalho como autômato. Começa aí a virada do filme, a Bandeira 2.
 

Porém, antes de fecharmos a corrida, vale destacar outro momento Hitchcock. Esse diretor – que merecerá uma resenha para esse blog ainda esse ano – tinha como uma de suas marcas fazer uma ponta em seus filmes. Era um êxtase descobrir aonde apareceria o diretor. Egos à parte, Scorsese faz uma participação pequena, mas brilhante no seu filme. Ele é o passageiro que é a síntese do discurso republicano mais radical – e atual. Racista, misógino e com pretensão a matar por possuir uma arma de fogo. Essa é quintessência do passageiro que tem um prazer indisfarçavelmente masoquista em ver sua mulher branca o traindo com um negro. Seu radicalismo assusta até Travis. Algo semelhante à família Bush ouvindo o atual presidente dos EUA. Isso para ficarmos nos EUA.
Voltemos à Bandeira 2. Como já escrito, Scorsese tem sua veia católica. Há a redenção. Travis é um esquisito, uma peça fora do lugar. Mas de forma muito sutil o filme aborda algo que poucos destacam. A sua crítica à guerra do Vietnã. Ao lado de filmes como “Amargo Regresso” ou “Nascido a 4 de Julho”, “O Franco-atirador” e “Rambo” (sim, é isso mesmo, mas o primeiro!), “Taxi Driver” fala do retorno dos soldados e seus traumas psicológicos e a dificuldade de sua insersão ao sistema e como ficam descrentes da política, pois se viram marionetes numa guerra que não entenderam o que foram fazer, como “Forrest Gump” denuncia com galhardia.
Assim, para o caminho da salvação de Travis, o renegado, há o caminho de Santiago quando ele se vê na obrigação de salvar outra loira – mais Histchcock, numa alusão clara a “Um corpo que cai” – das mazelas do mundo. Assim é que Jodie Forster faz um dos seus personagens mais marcantes do cinema, a jovem prostituta menor de idade (tal qual a atriz que tinha apenas treze anos), Isis, nome de uma deusa egípcia de grande poder, inclusive o de ajudar os mortos, como é o caso de Travis, que coloca seu cabelo como o de um punk, um moicano que assusta os espectadores, pois DeNiro mostra outro personagem com um simples corte de cabelo. É outra persona. O Vietnã reaparece na selva urbana. E sua missão é tirar a jovem Isis das garras de seu gigolô, vivido por Harvey Keitel (amigo de infância de Scorsese e DeNiro, mecenas para Tarantino fazer seu primeiro filme, pelo qual foi chamado de novo... Scorsese). O insucesso com a Vênus terá sua redenção se houver o salvamento de Isis. As charadas do excelente roteiro de Paul Schrader são espetaculares. A sequência final, salientada pela fotografia em vermelho e escuridão é a descida ao inferno em busca de uma Beatriz, como Dante de “A Divina Comédia”.
Uma curiosidade é que a personagem de Forster motivou a um jovem americano a tentar matar o então presidente Ronald Reagan. Segundo o psicopata, era uma forma de chamar a atenção de Jodie Forster. Taxi Driver, ironicamente, sugere um atentado a um político em uma cena.

 
 
Outra curiosidade. DeNiro e DaMatta. Qual a conexão? O antropólogo brasileiro Roberto DaMatta escreveu um clássico ensaio presente no livro Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro; no início dos anos 1980. Pois bem, ali, o autor disseca uma característica da cultura do brasileiro, esse povo perdido por conta da colonização ibérica e criado sob o peso do credo católico. DaMatta nos diz que aqui há um certo “jeitinho brasileiro” por conta das relações de pessoalidade. “Você sabe com quem está falando?” seria a frase que mostra uma sociedade hierarquizada e carregada da criação corporativa que veio do mundo católico e foi institucionalizada por Vargas. O Estado patrimonialista descrito por outro autor, Raimundo Faoro, destruiu o nosso liberalismo, as concepções individuais, um ethos que fosse marcado pelo mérito e não pelo sobrenome ou cargo. Esse pessimismo quanto às nossas origens não nasceu com DaMatta e já teve críticas muito melhores do que as que esse autor poderia fazer. A ironia é que DeNiro criou (foi improviso do ator, não fazia parte do roteiro) várias formas de falar uma mesma frase: “Você está falando comigo?”. Ao contrário da idílica formação anglo-saxã, leitura que DaMatta nos permite crer, essa frase mostra a solidão atomística que o ator genialmente resolve: não olhe para mim. Caso persista, sacarei o meu melhor argumento: uma arma em sua direção. Ainda vai querer falar comigo? Esse encontro do ator com o antropólogo ao invés de gerar um maniqueísmo entre a cultura ibérica e a anglo-saxã deve nos alerta para um perigo maior: imagine as relações pessoais, o nepotismo, o patriarcalismo, o uso do sobrenome, presentes no mundo ibérico com o individualismo solitário anglo-saxão que tem como único argumento apontar uma arma para quem está olhando? O pior dos mundos seria a junção do malandro com um herói, um Travis que não aponta a arma para o espelho, mas para todos nós e tenta nos intimidar. Mas como quem cria cadeados antes criou a chave, não há solução sem que o problema tenha a sua solução. Para Travis a sua solução foi salvar a jovem prostituta do perverso mercado do gado humano. Para nós só há uma solução: salvar outra jovem nesse país. A democracia.