domingo, 25 de março de 2018

ANÁLISE - ELEIÇÕES 2018


Teses sobre o processo eleitoral das eleições de 2018
Vagner Gomes de Souza (Sociólogo e Historiador)

1.      As eleições de 2018 é mais um momento na história “zigue-zague”  democratizadora de nosso país. Uma estrutura de mudanças lentas que coabita com muitas facetas conservadoras agora expõe alguns traços autoritários nas redes sociais. Contudo, não nos esqueçamos da durabilidade de nossa escravidão (388 anos!!!) e suas dramáticas consequências para os afrodescendentes. Não nos esqueçamos da existência de dois momentos de regimes autoritários em nossa República. Enfim, vivemos uma democracia ainda em construção. A pauta democrática, mais uma vez, ganha força para lutar pelas mudanças sociais. Temos a oportunidade de um reencontro da política com os novos sujeitos sociais desde que se saiba operar a política das alianças.

2.      Não está ainda claro o quadro eleitoral em que o debate da tese anterior se manifestará. A crise do sistema partidário brasileiro contaminou até as agremiações da esquerda brasileira ao se deixar pautar pela “pequena política” ao se manifestar no limite do cálculo eleitoral. As mudanças reivindicadas em 2013 relativas a Saúde e Educação Pública estão a procura de um ator político que melhor lhe represente. A gravidade da recessão econômica impediu uma maior conexão com a renovação via sociedade civil.

3.      No calendário eleitoral, estamos em tempos de “janela partidária”. Nesse momento, tudo é feito como se fosse uma “feira de legendas” mais identificadas com o “Centrão” na expectativa de continuidade das forças do atraso e do clientelismo político. Os partidos de viés mais do campo democrático devem admitir uma dificuldade na renovação de seus quadros políticos uma vez que não se permitiu um pluralismo das classes subalternas nos anos do “Presidencialismo de Coalizão” sob o comando do PT. Aliás, não foram “anos petistas” ou “lulista” que vivemos de 2003 até 2016, mas uma ampla coalizão com forças do atraso que emergiram após o Impeachment de 2016.

4.      As forças do atraso chegaram ao Governo em 2016, mas não conseguem se fazer hegemônicas. Esse é o ponto o qual se explica o sentimento de “vazio de Centro Político”. Entretanto, esse é um setor político que será reconstruído pelas forças democráticas com adesão da própria esquerda. Nossos liberais estão reféns do economicismo na política e poucas figuras de natureza pública rompem com o discurso da flexibilização irresponsável.

5.      Estamos em tempos de formulação de um programa que evite colocar a esquerda democrática no “gueto” do sectarismo político. A situação do Rio de Janeiro é um importante “laboratório” para a intervenção da política da frente. Não devemos esquecer que a recomposição de uma “centro-esquerda” no segundo colégio eleitoral do país permitiria melhor possibilidade para a passagem das forças modernizadoras da política. Contudo, a tarefa não é simples diante dos cálculos de grupos da esquerda ressentidos com a ideia da renúncia de alguns projetos imediatistas.

6.      Não há nada consolidado quanto a existência da polarização entre Esquerda e Direita. O primeiro colocado nas pesquisas eleitorais é de uma força política que sempre disputou as eleições presidenciais no Brasil desde 1989. Ora ficando em segundo lugar ou ora ficando em primeiro lugar. O segundo colocado nas pesquisas é um “aggiornamento” no conservadorismo brasileiro que se sentiu abandonado na fragmentação do PSDB e DEM. Nas devidas proporções, trata-se de uma “Terceira Via” à direita com a hipótese de se esvaziar ao longo do processo eleitoral.

7.      A “Fakepolarização” alimenta um debate sobre a necessidade um Centro Político, porém, na verdade, trata-se de segmentos da burguesia brasileira pleiteando a sua pactuação em torno de candidaturas próprias na perspectiva de uma unidade adiante. PSDB, DEM e MDB ensaiam candidaturas próprias em nome do mesmo programa. A dosagem de liberalismo que lhes faz diferir é imperceptível diante dos graves problemas de distribuição de renda que vivenciamos em nosso país.

8.      Temos tempo para se fizer valer um Pacto de Forças Políticas comprometidas com a implementação da Constituição de 1988. Nela está a política moderna do Brasil. A atualização do marco constitucional não implica na sua descaracterização e limitação de suas conquistas sócias. Pelo contrário, há uma constante necessidade de redistribuição social no Brasil tanto na renda quanto no acesso de serviços públicos. O Centro Democrático será reinventado pela inspiração das forças sociais mais a esquerda.

9.      Na disputa eleitoral para a Presidência da República, todas as vertentes políticas aguardam o “Plano B” ao Lula. Contudo, a tarefa democrática desse momento é abrir núcleos de defesa dos valores civilizatórios que estão consagrados na Constituição de 1988. Além disso, formular uma pauta democratizadora que convoque a sociedade para renovar nossos legislativos com candidaturas modernas. Os Núcleos devem ser um Movimento da Sociedade Civil de renovação política programática.

10.  Nada nos permite em ficarmos presos a conjuntura em nomes sem que fiquemos atentos a formulação da política democrática. Ela deve partir de baixo para cima em diálogo com as forças política partidária.

11.  A Democracia Brasileira tem a oportunidade de abrir um novo ciclo político em 2018. Entretanto, as forças políticas democráticas não podem continuar reféns de um cálculo da polarização. Esse é o momento de se autotransformar.

quarta-feira, 21 de março de 2018

MODERNISMO DAS MARGENS - ENTREVISTA COM JESSÉ ANDARILHO


O BLOG VOTO POSITIVO tem um compromisso com a formação de um público leitor que contribua para a formação de uma cultura democrática. A entrevista com Jessé Andarilho é a oportunidade de apresentar ao nosso público um carioca, criado na favela de Antares, que fez da literatura uma possibilidade de redenção. Seus livros Fiel (2014) e Efetivo Variável (2017) apresentam um lado da cidade do Rio de Janeiro pouco reconhecido nos meios de ficção. Fazemos votos de esperança que muitos leitores entrem no efetivo dessa literatura que ousaremos de chamar “Modernismo das Margens”.

Jessé Andarilho - Foto: Custodio Coimbra (O Globo)
 
1)      Em seu primeiro livro, Fiel (2014), você coloca um personagem da periferia que nasceu numa família evangélica.  Fiel, além de outros aspectos, retrata essa transição religiosa da sociedade carioca para o protestantismo. Você considera que o fator religioso inibe a criminalidade?
 
Jessé Andarilho - Conheço vários evangélicos traficantes. A religião sem educação é tipo aquele lance de fé sem ações.
 
2)      O personagem Felipe em Fiel tem uma fixação pelo futebol. Muitos jovens da periferia brasileira tem hoje o sonho de ser um “novo” Neymar não só quanto ao talento, mas também quanto a conta bancária. Esse desejo pela ostentação monetária seria um fator negativo?
 
Jessé Andarilho - Como nós não vemos muitos médicos pretos que vieram das favelas, não vemos muitos professores que vieram da favela, não vemos advogados que vieram das favelas, é mais fácil se apegar na ideia de que vencer na vida é ser pagodeiro ou jogador.
 
 
3)      Qual foi o impacto literário de Fiel na sociedade carioca? Temos a impressão que seus livros são mais lidos pelos paulistas. Seria possível fazer um comentário sobre essa percepção?
 
Jessé Andarilho - Não sei como você chegou a essa conclusão, pois os cariocas adoram meus livros( pelo menos é o dizem na minha frente rsrs)
 
 
4)      Efetivo Variável (2017) seria um livro pacifista? Você é favorável ao fim da obrigatoriedade do alistamento militar?
 
Jessé Andarilho - Efetivo Variável é uma história literária. Consegui colocar algumas críticas sobre o processo sem ser pesado. Pessoas militares gostam tanto do livro quanto pessoas que odeiam o militarismo. Com relação à minha opinião sobre o serviço militar... Acho que não deveria ser obrigatório, nem o alistamento e nem o voto.
 
 
5)      Seu segundo livro, apesar de ser de 2017, pode ser um prenúncio da “militarização” da questão da Segurança no Brasil. O que você acha?
 
Jessé Andarilho - Comecei escrever o Efetivo Variável em 2012. O Exército vive fazendo ações aqui no RJ e não imaginei que fosse rolar essa “ocupação”. Acho desnecessário isso tudo. Essa intervenção tem base numa violência que sempre existiu. Acho que a violência não tá pior do que antes, acho que recebemos mais informações o tempo todo através dos celulares conectados. Isso dá uma sensação de insegurança muito maior do que antes.
 
6)      De 2014 (Fiel) até hoje, qual o balanço que você faz sobre o incentivo à leitura para os jovens moradores da periferia?
 
Jessé Andarilho - Mano. Não sei te responder essa pergunta. 
 
 
 

7)      Qual o balanço que você faz do Centro Revolucionário de Inovação e Arte (C.R.I.A.)?
 
Jessé Andarilho - Não sei como anda o CRIA, Não tenho informações desde 2015 quando criei o marginow e decidi investir todas as minhas energias pra fortalecer a cultura da galera que veio das margens.
 
8)      Quais seriam os outros escritores inovadores para a juventude brasileira nos dias atuais?
 
Jessé Andarilho - Gosto de maior galera. Tanta gente que os nomes não vão caber nessa matéria!

terça-feira, 6 de março de 2018

ELEIÇÕES ITALIANAS - ENTREVISTA - PROFESSOR ALBERTO AGGIO

Professor Alberto Aggio 
 
1. A polarização entre a Centro-Direita e a Centro-Esquerda aparentemente se encerrou com a emergência do Movimento 5 Estrelas na política italiana. Depois da Eleição de 4 de março, seria possível afirmar que a “antipolítica” é a tendência que ganhará hegemonia nos próximos anos?
 
Alberto Aggio  - É verdade que um dos aspectos significativos dessa eleição foi a superação do bipolarismo, o que não quer dizer que não há mais esquerda e direita. Também é verdade que o grande vencedor, o M5S, tem como principal característica uma marca antipolítica muito forte. Contudo, agora, vitorioso, numa situação bem especifica em que não há maioria e não há mecanismos em que o eleitorado defina uma eventual maioria, o jogo será jogado pelas forças em cena. O problema é que aqueles que venceram, M5S e Liga, não obterão facilmente o apoio daquele que perdeu, especificamente o PD de Matteo Renzi, embora esse tenha renunciado um dia depois dos resultados eleitorais serem conhecidos. A situação é de impasse para a formação de um novo governo. A tendência geral da antipolítica existe, é um fenômeno mundial, mas é difícil saber qual será precisamente seu futuro.
 
2. As três maiores forças políticas (Centro-Direita, Movimento 5 Estrelas e Centro-Esquerda) não conseguiram a maioria absoluta nas últimas eleições ao Parlamento Italiano. O Senhor avalia que é possível construir um acordo político entre Centro-Direita e Centro-Esquerda semelhante ao que ocorreu na Alemanha de Angela Merkel?
 
Alberto Aggio - A situação italiana é muito diferente da alemã. Na Itália, há uma clara oposição entre três polos e isso se expressou nas eleições. São três polos que não levam uma política de aproximação, com um centro político fazendo esse papel. Na Alemanha há já uma inclinação à “grande coalizão” porque se chegou ao um impasse histórico entre o partido de Merkel e os socialdemocratas. O risco na Alemanha é o crescimento espantoso dos neonazistas. De certa forma, nessa eleição italiana isso também apareceu, de maneira muito forte. Ou seja, há um clima de extremismo que precisa ser enfrentado. Não sei como as forças políticas italianas irão compor um novo governo. Mas seguramente não há disposição de composição entre direita e esquerda. Com a vitória da Liga, pode-se dizer que não há mais centro-direita na Itália porque Berlusconi foi derrotado. À esquerda, a derrota do PD também tem consequências sérias para qualquer composição. As únicas possibilidades seriam um governo guiado pelo M5S, o que é difícil uma vez que De Maio pensa que o PD é o seu mais forte interlocutor, mas o ataque que o M5S fez ao PD na campanha talvez inviabilize essa alternativa. Para o M5S o PD era o partido que significava o poder que precisava, no seu entendimento, ser derrotado. É difícil agora construir uma coabitação governamental.
 
Silvio Berlusconi e Matteo Renzi: os derrotados
 
3. A coalizão da Centro-Direita teve a Liga como a força política mais votada (em torno de 18%) em relação a Força Itália do Ex-Premiê Sílvio Berlusconi (em torno de 14%). Isso sugere que haverá uma guinada para o extremismo político na Itália? A questão dos imigrantes foi o fator decisivo nas eleições? 
 
Alberto Aggio - Essa é efetivamente a mudança mais expressiva à direita. A derrota de Berlusconi significa o fim de sua carreira política e talvez do próprio partido, a Força Itália. A Liga deixou de ser identificada apenas como Liga Norte, inclusive eliminou a localização geográfica do nome. Contudo, sua votação mais expressiva tenha sido no Norte da Itália, enquanto o M5S venceu ao Sul. Como disse, o extremismo foi muito forte e os ataques à democracia representativa, à política tradicional, enfim, ao poder instituído, mesmo que ele seja democrático e reformista, como tem sido nos últimos anos na Itália. Ele, seguramente, permanecerá se exprimindo. Por isso, as instituições e os atores democráticos devem construir consensos para garantir estabilidade e funcionalidade do sistema. Mesmo os extremistas da Liga e do M5S terão que moderar o seu discurso e se institucionalizar. A questão dos imigrantes foi, certamente, transformada num embate que enfraqueceu o partido do governo, o PD, e fortaleceu o extremismo.
 
4. Há a possibilidade de a Itália encaminhar um processo de saída da União Europeia após as eleições do último domingo?
 
Alberto Aggio - Creio que nem mesmo o eleitorado que deu o seu voto a quem fazia o discurso antieuropeísta não estará disposto a apoiar a saída da Itália da UE. Na campanha eleitoral já estava clara a mudança. Tanto M5S quanto a Liga moderaram seus discursos contra a EU. O comparecimento da população às urnas foi em torno de 73%, num país onde o voto é facultativo, o que mostra que há interesse na participação eleitoral na Itália e que há consensos básicos entre os italianos. Um deles é de ser europeísta. Lembremos que em 2014, nas eleições europeias, o PD teve 40% dos votos; o M5S elegeu eurodeputados e eles estão lá realizando o seu trabalho (claro que estão num grupo fortemente crítico ao governo da UE, mas estão lá).
 
 
5. Como o Senhor explica o declínio eleitoral da coalizão de Centro-Esquerda? A liderança política de Matteo Renzi sai abalada com os resultados eleitorais do PD?
 
 Alberto Aggio - A derrota do PD e de Matteo Renzi é dura e vai gerar mudanças. Inclusive, Renzi já renunciou ao cargo de secretário geral do PD, embora deva ficar até a realização da Assembléia Nacional do partido e das prévias para a definição e um novo secretário. Acho que a liderança de Renzi jogou o PD numa nova fase e redefiniu o PD. Alguns ex-comunistas se afastaram do partido, como era inevitável e formaram um novo partido, “Livres e Iguais”, que também não foi bem nas eleições. Algumas lideranças do antigo PCI, como Massimo d’Alema, que não foi eleito, sofrendo uma derrota vergonhosa, finalizaram sua carreira política nessa eleição. A questão para o PD agora é definir se apoiará um possível governo M5S ou não. Se o fizer, será a escolha de um caminho cujos resultados, para seus apoiadores, não se sabe as consequências. Se não o fizer, estabelecerá que o caminho é a reconstrução a partir da oposição, assumindo um outro papel. Há muita especulação e muita confusão também. Alguns dizem que o M5S é comparável, em termos de base social, o PCI de Enrico Berlinguer, grande líder do comunismo italiano da década de 1970. Há mais do que um exagero nessa avaliação. Mas há também informações que, de fato, mais de 1 milhão de eleitores que eram do PD, votaram no M5S, o que explica muita coisa e merece uma análise mais profunda.
 
Luigi Di Maio: Uma nova "estrela" do Movimento 5 Estrelas?
 
6. Muitos analistas sugerem que o impasse político se prolongará até convocarem novas eleições. O que o Senhor acha desta hipótese?
 
R: É possível e até provável que isso aconteça. O presidente da República, Mattarella, deve chamar os líderes partidários ou suas direções para conversar sobre a formação de um novo governo. Isso deve tomar algumas semanas. Como disse, há um impasse e todos sabem disso. Por outro lado, convocar novas eleições tem um custo político muito grande, para vencedores e para quem foi derrotado. Mas, hoje não se pode saber muito bem o que irá acontecer.
 
Matteo Salvini: O Fantasma do Extremismo de Direita
 
7. A esquerda brasileira a partir dos anos 60 (movimento aprofundado nos anos 80/90) sofreu influências do debate político italiano com a recepção das obras de Gramsci. Como o Senhor avalia o quadro político/intelectual da esquerda brasileira que segue, se ainda assim podemos dizer, essa tradição?
 
Alberto Aggio -  Acho que a esquerda brasileira passa por um processo de esgotamento depois do desastre petista. Na sociedade, a identidade de esquerda é vista hoje com muito desconfiança. O petismo foi muito tóxico. Há que se abrir uma espécie de “canteiro de obras” para repensar o ideário de esquerda num mundo como esse, de transformações imensas, de contradição velhas e novas, de idas e vindas, marchas e contramarchas em termos políticos e culturais. Há muito a se rever e a própria “tradição gramsciana”, como você sugere, deve fazer parte desse debate, desse repensar, revendo-se a si mesma.
 
8. Enfim, quais seriam as possíveis lições das eleições italianas para os brasileiros no ano das eleições gerais de 2018?
 
Alberto Aggio - Brasil e Itália tem muitas diferenças e alguma proximidade. Nós somos presidencialistas e a Itália é parlamentarista. Essa não é uma diferença pequena. A nossa cultura democrática é mais rarefeita e o nosso debate político bastante pobre, em comparação com o italiano. Vemos crescer aqui também um certo extremismo que é preocupante, para dizer o mínimo. A nossa esquerda, como disse, está em frangalhos depois da experiência lulopetista, e volta-se para si mesmo, procurando manter o apoio das corporações que lhes dão sustentação, especialmente as estatais. Uma nova esquerda, moderna e democrática, só teria passagem hoje em aliança com setores de centro, mais moderados e democráticos, e me parece que essa seria, de imediato, uma alternativa de perfil necessário, mas mínima. Em suma, em uma leitura da realidade brasileira, eu diria que o Brasil precisa ser reconstruído depois do desastre petista e seria bobagem uma atitude de “gladiador romano”, ilusória em nossa realidade.






domingo, 4 de março de 2018

CORRIDA AO OSCAR: Três Anúncios para um Crime

 
Três Anúncios para a Democracia
Por Vagner Gomes de Souza

O tema da violência não deve se limitar ao combate ao tráfico de entorpecentes em clima belingerante. A violência é um problema que está no cotidiano do ser humano em atitudes que ilustram o quanto os valores cristãos (“Amai-vos uns aos outros assim como vos amei”). Essa é uma possível reflexão para quem sai do cinema ao assistir Três Anúncios para um Crime que concorre ao Oscar de Melhor Filme entre outras categorias. O filme tem um roteiro que testa o lado vingativo do público. O senso comum pode nos levar a conclusões antecipadas sobre como reagir a um trauma. Contudo, o desenvolvimento nos impõe depois um novo olhar sobre o tema.
A protagonista do filme é Mildred, vivida pela atriz Frances McDormand (indicada para melhor atriz), teve a filha vítima de violência sexual numa pequena cidade do Missouri. Trata-se da típica cidade do Meio Oeste Americano que formou a base eleitoral de Donald Trump. Porém, não espere uma revanche eleitoral entre Democratas e Republicas nesse filme uma vez que todos vivem seu cotidiano com seus dilemas, erros, acertos e limitações. Frances empresta pela sua interpretação um talento que supera até quando venceu o Oscar por Fargo em 1997.
Mildred não é uma “Mãe Coragem” de um Bertold Brecht, mas faz da iniciativa uma forma de fazer o jogo estar ao seu favor. O Xerife reconhece isso numa passagem do filme. O uso da publicidade dos Outdoors em tempos de redes sociais é um desafio aos pós-modernos da comunicação política. O que incomodava os três anúncios vermelhos colocados numa autoestrada sem grande fluxo? Esse mistério é maior que o desfecho do crime.
 
Sam Rockwell  e Frances McDormand em cena
 
Em primeiro lugar, o exercício da liberdade de expressão que faz uma crítica a atuação da chamada “inteligência investigativa” da polícia local. O detetive responsável é racista, homofóbico e, acreditem, anticomunista (atenção ao diálogo sobre o nome do anunciante, Red) . O oficial Jason Dixon (interpretado por Sam Rockwell – Leão de Ouro de ator por Confissões de uma mente perigosa) leva o público ao extremo do sentimento de ódio pelo personagem. As raízes de um fascismo meio enlouquecido por um trauma na perda paterna e tutelado pela mãe. Um bom exemplo para os amantes de a psicanálise fazerem uso de suas leituras. Enfim, a “inteligência” não existe!
 
Em seguida, uma manifestação que poderia alimentar outras fraturas numa comunidade aparentemente sem conflitos. Todos apelam para uma conciliação na retirada dos anúncios. Nesse instante a Ética da Convicção ganha força, mas alimentada pelo ódio que cega as ações dos sujeitos da trama do filme. Por fim, ao se alimentar uma luta contra o extremismo com atitudes extremadas cai num desfecho importantíssimo no aprendizado da política. A aliança pode vir de quem se menos espera.
As cenas finais do filme faz o público jovem, mal acostumado com o filme padrão norteamericano, achar que não acabou. Entretanto, um filme ele se encerra muitas vezes nas diversas interpretações que podemos lhe conferir. Três Anúncios para um Crime é um manifesto político pela liberdade ao demonstrar que não é correto se deixar guiar pelo ódio sectário. A Democracia ela ganha muito com os grandes gestos da renúncia no tempo certo de uma viagem política.
 


domingo, 25 de fevereiro de 2018

CORRIDA AO OSCAR: A Forma da Água

 
O MUNDO LÍQUIDO DE GUILLERMO DEL TORO

Em homenagem ao centenário de Nelson Mandela

Por Pablo Spinelli
Autores emblemáticos das Ciências Sociais, Norbert Elias e Zygmunt Baumann, ganharam apelo popular e uma demanda mais juvenil a partir de inserções de parte de seus trabalhos nas últimas provas do ENEM. Ambos tiveram seus trabalhos reconhecidos na Academia quando já estavam numa idade bem madura. Algo semelhante ocorreu no campo da literatura com o português José Saramago, autor que convocaremos mais abaixo. O polonês Baumann e o alemão Elias trouxeram, cada um de forma específica, uma herança de outro “maldito” na Academia, Georg Simmel, hoje, bem mais popularizado que Sartre ou Durkheim no mundo universitário. Em todos os citados – à exceção de Saramago – há o problema da “questão judaica” como um obstáculo para seus nomes terem figurado em Universidades europeias. O que isso tem com a resenha de um filme? - o ansioso leitor ou a inquieta leitora pode se perguntar. O tema da modernidade que causa distância, o avanço do mundo urbano que cria isolamento, a polidez dos costumes e das pulsões dos indivíduos que em troca, recebem isolamento, o avanço dos direitos com a permanência dos outsiders. Todos esses pontos foram abordados – cada um com sua ênfase -  por Simmel, Elias e Baumann.


Pois bem, esses são os temas da belíssima fábula “A forma da água”. O mundo líquido aparece das mais distintas formas da vida rotineira e sem sentido da personagem vivida por Sally Hawkins. O líquido e o tempo. Tempo para acordar, para cozinhar ovos, para o prazer solitário no banho. Vítima da orfandade, cabe a essa subalterna que não pode falar, ser a guia da cooperação, tema caro a um outro  cientista social, Richard Sennett. Uma muda que fala mais do que todos, pois fala pela emoção e pela razão. A sua política é na defesa da humanização daqueles que são desumanizados nos anos 1960 em plena Guerra Fria – ambiente de The Post – os outsiders dos EUA que nos são tão próximos: uma mulher subalterna muda que é vítima de assédio; uma negra que convive com um machismo da classe subalterna; um idoso homossexual recolhido à nostalgia dos musicais; um espião soviético em território hostil. A unidade desse grupo ganha força e músculos quando decidem olhar o outro e perceber o quão ele pode ser humano se houver aquilo que é caro para outro “querido” do ENEM – o filósofo alemão Jurgen Habermas – a relação dialógica em tempos de intolerância. Esse grupo seria “Os Vingadores” do mundo das coisas reais.
 
A fábula de Guillermo Del Toro tem endereço certo: a intolerância e a violência personificada pelo competente Michael Shannon, cujo personagem militarista que estimula a indústria automobilística dos EUA com um carro azul-petróleo de forma sutil evidencia os patrocinadores do atual mandatário estadunidense. Além da aparecerem o racismo contra os negros e a homofobia.
O fato de o monstro aquático ter sido capturado na Amazônia em uma suposta ação frustrada de uma exploração dos EUA no petróleo da região nos evoca de Monteiro Lobato e a criação da Petrobras ao “bolivarismo”. A personagem feminina principal quer amizade, companhia e amor. Com isso, desbrava obstáculos e se aproveita da invisibilidade que as profissões subalternas têm para fazer a sua política de salvação do Outro- sob os auspícios de Carmem Miranda, uma das várias citações da música latino-americana no filme que lembram o que esse subcontinente contribuiu para a cultura mundial.
O cineasta dá indícios desde o início de como terminará sua fábula. O nome do cinema que cita o mito de Orfeu é claro. Além do mito de Orfeu, Del Toro, como bom representante da América Latina, nos coloca como filme do cinema vazio “A história de Rute”, a mesma que liberta Malon da sua pedreira, segundo a Sagrada Escritura.
 

Destacamos outra questão da película: como se inserir numa sociedade onde a tecnologia pode diminuir com o poder da arte individual e prefere a reprodutibilidade técnica como produto? Essa é a temática do embate entre fotografia e a ilustração. De forma sutil, é o embate do cinema vazio com os serviços de demanda cinematográfica doméstica. O cinema vazio é a demonstração da falta de sociabilidade tal qual o personagem que só consegue viver do passado mítico através da nova tecnologia: a televisão.
A presença feminina é importante. Enquanto em “O Ensaio sobre a Cegueira” de José Saramago, uma mulher conduzia a todos à liberdade, em “A Forma da Água” cabe a outra mulher, vítima de uma violência infantil que a deixou muda buscar o diálogo. Ressaltamos o papel do personagem coadjuvante espião comunista. Através dele temos uma noção do horror que foi a Guerra Fria, uma advertência para os saudosistas de “dias de um futuro esquecido”. A URSS da época da Crise dos Mísseis (enquanto The Post desconstruiu a imagem positiva de Kennedy, aqui o mesmo acontece a Kruschev) não era o “Paraíso Perdido”.
Por fim, a tragédia de uma Eurídice dos tempos modernos acaba por dar uma  volta no parafuso das teorias de Baumann. Será a liquidez, o fim dos tempos ou há espaço para a democracia, diálogo, leveza e amor quando houver a imersão da cooperação e da solidariedade em nossas mentes e corações?

domingo, 18 de fevereiro de 2018

CORRIDA AO OSCAR - The Post: a guerra secreta



THE POST: O RESGATE DO SOLDADO SPIELBERG
Em homenagem às três décadas da Constituição brasileira
Por Pablo Spinelli 
Steven Spielberg teve uma trajetória ziguezagueante na sua produção cinematográfica de quatro décadas. Foi rotulado nos anos 1980 como diretor para crianças e adolescentes a partir de filmes dirigidos ou produzidos por ele, tais como E.T., Indiana Jones, De Volta para o Futuro; Os Goonies, dentre outros clássicos da cultura pop daquela época. Esse rótulo acabou por diminuir algumas pérolas do cineasta. Antes de Ghost, um grande sucesso nos anos 1990, Spielberg já havia dirigido uma história de um fantasminha camarada (Além da Eternidade); dirigiu um dos mais belos filmes que associam o tema da escravidão com o protagonismo feminino (A Cor Púrpura) e expôs fantasia e guerra antes do filme italiano “A Vida é Bela” em “Império do Sol”. Nos anos 1990, cansado do rótulo de um desdém da Academia e da crítica ao conteúdo da sua obra apostou na temática judaica na II Guerra, apelo que sensibiliza sempre a Hollywood. Aí temos o clássico “A Lista de Schindler” e seu Oscar como diretor. Poucos anos depois encontra aquele que será seu melhor cúmplice como ator, Tom Hanks, no extraordinário “O Resgate do Soldado Ryan”. Apesar de um sucesso de bilheteria como Jurassic Park, seu público ou envelheceu ou lhe deixou de ser fiel, assim como a crítica já não lhe era mais benfazeja como se viu em filmes como O Terminal, Prenda-me se for capaz ou Guerra dos Mundos.
Após filmes de certa polêmica como Munique e As Aventuras de Tintim, o diretor enveredou para temas duros, sem se preocupar mais com o público e se desloca do centro político para um olhar de esquerda moderada, uma volta às suas origens de simpatizante declarado do Partido Democrata. Com o denso Lincoln (2012) quando sua história é a clareza de um Maquiavel que vê a política sem moral (moral sem a conotação do bem ou do mal, para deixar claro). Eis que o diretor volta à cena e dá um Oscar ao seu ator. Naquele filme Spielberg mostra o outro lado do “fim justificar os meios”. É esse o caminho que ele nos dá em A Ponte dos Espiões – ritmo lento, histórico, com densidade psicológica, silêncios, destaque para atores. Seu caminho do Maquiavel da República democrática culmina no recente The Post.
 
Steven Spielberg - Diretor de Cinema

A crítica brasileira associou o filme com o recente Spotlight. Mas entendemos de forma diversa. O filme é recheado de intertextualidade que exige um espectador ativo, que não tenha um olhar passivo aos detalhes. Spielberg talvez tenha construído sua obra mais exigente para a reflexão e participação d espectador. Há um duplo diálogo no seu filme. Um é obrigatório pelas exigências da História. O editor protagonizado por Tom Hanks é o mesmo que foi retratado no filme clássico e obrigatório “Todos os Homens do Presidente” (1976) e o jornal que denunciou os malfeitos do Presidente Richard Nixon é o mesmo, o The Washington Post. A homenagem ao filme que lhe antecedeu é simpática na passagem quando o futuro delator dos papéis secretos de Washington passa por uma sala cheia de cartazes, dentre eles, o do filme “Buth Cassidy”, co-estrelado por Robert Redford, que também co-estrelou “Todos os Homens”. Mas se por um lado Tom Hanks reforça o apelo democrata à liberdade de expressão num claro movimento de protesto ao discurso midiático contra a mídia de Donald Trump, o diretor e o roteiro desconstroem uma atriz que precisava de uma injeção de renovação que é Meryl Streep. No filme, mesmo sendo editora de um jornal familiar que está abrindo seu capital no mercado de ações – algo que mostra a gênese do comprometimento da mídia atual com seus acionistas mais do que com a verdade dos fatos – ela não é a “Dama de Ferro”, filme que fez interpretando Margareth Tatcher, porém, está mais próxima de outro filme que lhe deu grande projeção nos anos 1980, “A escolha de Sofia”. Ali, a personagem de Streep fica em vários dilemas: proteger amigos? Expor a verdade dos fatos? Preocupação com os acionistas? Ficar ou sair da zona de conforto? Quando faz sua escolha acaba por justificar sua “milésima” indicação ao Oscar. Sem bandeiras clichés do feminismo atual, a descida da personagem na escada é um exemplo do protagonismo da mulher cercada de homens, como se vê na redação de um jornal dos anos 1970, diferente dos telejornais e das rádios atuais.
Mas citávamos a intertextualidade do filme e a exigência que ele provoca quanto à atenção do espectador. Por que Clinton perdeu? Como a esquerda e o centro democrático perderam uma eleição para um Berlusconi americanizado? Para responder a essa pergunta Spielberg dialoga criticamente com outro cineasta ao longo do filme e com seu esquerdismo peculiar. Oliver Stone. Parte das obras de Stone aparece no filme como reforço ou para serem desconstruídas. Começa com Platoon. Avança para Snowden. Caminha para JFK, de onde há a maior autocrítica que um diretor democrata jamais fizera no cinema: Kennedy teve ordem ativa no Vietnã, diferente do que Stone colocou em “JFK”. Passa por um paraplégico ex-combatente em um protesto: Nascido a 4 de Julho. E termina com Nixon. O posicionamento de Spielberg e do roteiro são de deferência a Stone, mas ao mesmo tempo de crítica à crítica pela crítica. O filme ainda brinca mais com a intertextualidade. Homenageia Tom Hanks em dois momentos. O primeiro ao atender um telefone e ouvir que “nós temos um problema”, frase que ele deixou em Apolo 13. O segundo é o final, que faz lembrar o inesquecível Forrest Gump que “denunciara” o Watergate. Além disso, a escolha de elenco não é à toa, nos ensina Spielberg. As produções cinematográficas não são – em sua maioria – apenas para comer pipoca, conversar durante a sessão ou namorar. São para refletir também. Diante de um grande problema, o que fazer? Better call Saul. Para quem viu a série Breaking Bad ficará claro que a solução de um grande problema é resolvida pelo ator Bob Odenkirk. Mas a solução de verdade não está nas delações. Não está nos furos da mídia. Não está no protagonismo do Judiciário. A solução de verdade está na Constituição. Esse é o legado de Steven Spielberg.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Filmes de 1968


A Glória d`O Bebê de Rosemary
Por Pablo Spinelli
O cineasta Roman Polansky talvez seja mais conhecido por conta do processo judicial criado nos EUA ainda nos anos 1970, ou pela tragédia com a sua esposa (a atriz Sharon Tate) que foi vítima da invasão de um bando de fanáticos religiosos liderados por Charles Mason que culminou no seu violento assassinato da atriz Sharon Tate, que estava grávida. Os mais ligados ao cinema talvez lembrem do filme que lhe rendeu o Oscar de Direção, “O Pianista”, carregado de passagens de sua família e de sua própria história no período do gueto de Varsóvia determinado por nazistas, algo a ser revisto em dias das mais diversas segregações, de refugiados à Cidade de Deus, de mexicanos aos opositores na Venezuela. A minha obra favorita desse cineasta que trabalhou os diversos gêneros é o excelente “Chinatown” (1974). Filme que teve menor sucesso em premiações e nas citações dos amantes do cinema porque na mesma época foi lançado “O Poderoso Chefão – parte II”. Contudo,  o nosso foco aqui é o filme que completa meio século do então jovem cineasta, “O Bebê de Rosemary”.
Esse filme revisitou o gênero do terror sem recriar os antigos personagens como vampiros ou lobisomens, que estranhamente voltaram à moda.  Seu personagem maligno é a essência mais pura do Mal. Satanás. O filme seria muito ruim caso fosse dado para um cineasta dos EUA, com raras exceções. Polansky carrega em seus filmes muito do que aprendeu na Academia de Cinema da Polônia socialista, da literatura do centro-europeu e, curiosamente, uma adoração pela literatura brasileira a partir dos livros que via enquanto adolescente de Jorge Amado, como “Capitães da Areia” (de certa forma, um tema que reaparece em outro filme seu, “Oliver Twist”).  O que quero dizer com isso tudo? Não espere ver sangue derramado, gritos histéricos de adolescentes, uma música de estourar os ouvidos nos momentos mais tensos. É um filme que domina você lentamente e sem perceber, sua respiração fica mais ofegante, suas pálpebras abertas e a tensão psicológica criada pelo diretor é criada pelo silêncio e por sugestões.


A história é baseada em um livro de baixo valor literário, de Ira Levin. O Diretor conseguiu perceber nessa trama um paralelo com um dos enredos mais clássicos da Europa: Fausto. A história do homem que vende a sua alma ao Diabo é o argumento do filme. Mas o terror psicológico é que a alma vendida não é a sua. Ele permite que sua mulher, sem saber, gere o filho de Satanás. O mais sombrio é que isso parte de um casal de idosos simpáticos, vizinhos do ator que quer o sucesso e estrelato, vivido pelo grande e esquecido John Cassevetes e pela sua doce mulher frágil e um tanto submissa nos dias de hoje, a polêmica Mia Farrow. Será do seu ventre que nascerá o filho da contenda e da discórdia. Os idosos pertencem a uma seita e convencem o marido que a melhor forma de conseguir sucesso rápido é com o pacto com Asmodeu. Polansky usa um artifício antigo de Alfred Hitchcock. O espectador sabe o que está ocorrendo e sofre por não poder ajudar a jovem mãe, que desconhece toda a trama. Assim, ele nos faz de cúmplices silenciosos e indefesos do que pode acontecer. Mais não falarei por conta das síndromes de “spoilers” que tantos detestam.

 
Sim, e daí? Pergunta o paciente leitor dessas linhas. Por que falar de “O Bebê de Rosemary”? Por que fez 50 anos? Também. Pois manteve uma atualidade dramática que não envelheceu, com o elenco excelente – a vizinha idosa, Ruth Gordon, ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante, feito raro para um filme de terror. Mas a metáfora da venda da alma – anda mais quando não é a nossa, mas a do outro, por fama, sucesso, perenidade é algo que muito nos diz em uma modernidade líquida. Sem evangelismo na nossa proposta, perguntamos: o que e o quanto estamos dispostos a vender aos mais variados demônios do mundo para o sucesso, para a vingança, para a beleza eterna, para vitórias eleitorais que permitam que o poder fique na mesma família por duas, três gerações? Polansky nos convida a refletir sobre o ônus da glória, algo que ele sofreu e sofre – esotéricos vêem no filme uma maldição para a sua vida, esquecendo que ele reconstruiu sua carreira e sua família.  Outro ponto não menos relevante cabe à fortuna de Maquiavel. Ações que os homens não controlam.
O filme faz parte de uma trilogia básica para qualquer cinéfilo no gênero do terror moderno. Além dele há “O Exorcista” e “A Profecia”, os três extraídos de livros. Duas curiosidades. Spielberg teria se inspirado nessa onda de terror moderno, psicológico, para fazer um personagem maligno quase invisível, um tubarão. E o prédio onde foi rodado Bebê de Rosemary foi o mesmo onde John Lennon residia quando foi covarde e estupidamente morto anos depois. Morbidez à parte, o filme vale para o enriquecimento da cultura cinematográfica, para conhecer a obra rica de Polansky, para ver (ou conhecer) o tema do Fausto em tempos modernos. Será que uma família venderia sua alma para fazer parte de programas de televisão? Para o religioso Diretor, seu final nos diz que nos resta é esperar o Livro das Revelações. Antes que ele venha, veja o filme.


terça-feira, 30 de janeiro de 2018

ENTREVISTAS: BRASIL 2018 - PROFESSOR RICARDO MARINHO


O Editor do BLOG VOTO POSITIVO conhece o entrevistado abaixo há quase 30 anos. Foi o sentimento de fazer avançar a política democrática consagrada na Carta Constitucional de 1988 que reforçou nossos laços. Seu gosto pela leitura e sua capacidade de análise de conjuntura sempre nos admirou. E assim... O tempo foi passando com Ricardo Marinho ganhando espaço no mundo acadêmico. Professor de História na UNIGRANRIO. Mestre pelo “antigo” IUPERJ. Doutorou-se pelo CPDA – UFRRJ. Em 2013/2014 fez Pós-Doutorado na UERJ.

Na entrevista abaixo ele nos fala um pouco sobre a conjuntura política brasileira após o julgamento de Lula em 24 de janeiro.
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1) Em relação ao julgamento em segunda instância do ex-Presidente Lula, qual dinâmica ganharia as eleições presidenciais?

Ricardo Marinho - A candidatura que souber abraçar o anseio socialdemocrata clássico que pulsa e vibra na sociedade.
2) Se a Lei da Ficha Limpa (assinada na gestão de Lula) impedir a candidatura petista, você considera que as eleições de 2018 seriam uma farsa?

Ricardo Marinho - Está claro que nenhuma força politica trabalha com a ideia de que as eleições de 2018 serão uma farsa quiçá o contrario. O PT é um partido legal e que poderá disputar as eleições como todas as demais agremiações que assim desejarem.
3) Como o Senhor avalia a possibilidade do ex-Presidente Lula lançar uma segunda Carta ao Povo Brasileiro? O Lula, ao contrário do PT, estaria acenando para o centro político?

Ricardo Marinho - Qualquer que seja a carta que o ex-presidente ou qualquer outro que deseje ser presidente venha a apresentar a sociedade o seu teor precisa contemplar o anseio socialdemocrata clamado por ela desde 2013. Tanto o ex-presidente ou qualquer outro que deseje ser presidente sabe que o centro politico é uma realidade e sua vertente democrática precisa estar presente no bom governo democrático tão aguardado pela sociedade como resultado de 2018.
4) Em que medida as eleições presidenciais vão influenciar nas alianças majoritárias no Rio de Janeiro? Qual seria o palanque preferencial de Lula no Estado do Rio de Janeiro?

Ricardo Marinho - O Rio de Janeiro passa por uma crise que em grande medida é sentida por todo o Brasil. A sociedade acompanha avida que as forças politicas do Estado saibam se comportar diante do desafio que se apresenta para todos e ela também comunga do sentido socialdemocrata que já mencionei. Se o ex-presidente for candidato o palanque deve ser representativo desse caminho.
5) O PMDB fluminense é um bom aliado para as próximas eleições estaduais? Qual força política poderá emergir no estado do Rio de Janeiro nas próximas eleições?

Ricardo Marinho - O MDB possui em seus quadros políticos que não se macularam com o que a cúpula hegemônica dessa agremiação acabou por fazer ao colaborar para a crise que nos assola. Dessa forma, as forças do MDB que lutaram contra essa cúpula e que se colocarem no campo moral e intelectual do clamor da socialdemocracia do povo poderá vir a colaborar com as demais forças politicas, emergentes ou não, que desejam representar esse sentimento.
6) O Senhor avalia a possibilidade de uma composição na eleição majoritária do Rio de Janeiro entre o ex-Prefeitos Eduardo Paes e César Maia?

Ricardo Marinho - Tanto os ex-prefeitos do Rio de Janeiro como as demais forças politicas precisam ter a clareza de que o melhor caminho é aquele que mostre a sociedade à unidade necessária diante da crise que nos assola e isso está em sintonia com o sentido socialdemocrata do povo.
7) O Senhor avalia que o Deputado Jair Bolsonaro será o “grande eleitor” nas eleições do Rio de Janeiro?

Ricardo Marinho - O deputado citado foi expressivamente eleito nas eleições de 2014. Para o momento segue sendo um personagem importante para os seus eleitores. Mas para ser o ator que o nosso tempo precisa demandara dele um caminho inverso ao que tem feito até o momento.
8) Qual o balanço que o Senhor faz do primeiro ano do mandato do atual Prefeito do Rio de Janeiro?

Ricardo Marinho - Esse primeiro ano dos prefeitos eleitos em 2016 foi muito difícil uma vez que a crise se acentuou sobremaneira em 2017. De qualquer forma, uma coisa é possível se dizer: o prefeito ainda não se encontrou com a alma do carioca e talvez nunca venha a fazê-lo. Como 2018 que se inicia será tão ou mais difícil que o ano findado devemos seguir acompanhando os passos do mandatário e ver como ele se posiciona diante de suas próprias promessas de campanha que até o momento não foram cumpridas.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

OSCAR 2018 - OS INDICADOS

O VOTO POSITIVO é a "Centelha" da formação de opinião. Com esse objetivo, realizamos uma entrevista com o Professor Pablo Spinelli sobre os indicados ao Oscar 2018 e suas principais tendências. O entrevistado aposta na luta contra todos os muros. Confiram abaixo.
 
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Foto do Jornal Extra (2014)
 

1)      Após o primeiro ano de Governo Donald Trump, poderíamos dizer que as indicações ao Oscar de 2018 estariam mais politizadas? Em que sentido?
Pablo Spinelli - As indicações seguiram uma direção semelhante ao ano anterior. Há abordagens de cunhos identitários, como no caso de negros, homossexuais e um ativismo feminismo. Além disso, aparecem dois filmes que dialogam entre si; “O Destino de uma Nação” e “Dunkerk”, cuja temática é a derrota vitoriosa, algo de difícil digestão para os públicos mais jovens que são inundados por um heroísmo mítico que tem a vitória – seja a que preço for – como meta alcançada.
2)      Algum filme indicado poderia ser apresentado como a grande “barbada” para ganhar o Oscar 2018? Ser o mais indicado nas diversas categorias não seria alguma tendência? 
 
Pablo Spinelli - Seguindo a linha de raciocínio acima, vejo algo semelhante ao filme que já deu um Oscar a um mexicano. O tema do muro é um tema muito duro nos EUA – isso aparece muito nas séries de televisão – e que pode fazer com que Guillermo Del Toro e sua “A forma na água” seja a barbada. Há a inclusão de uma personagem subalterna com uma criatura estranha dirigida por um mexicano. É muita provocação ao atual governo, como foi o caso de Moonlight ano passado. Vale lembrar que o tema da surdez esteve presente em nosso ENEM, assim, um bom motivo para o filme ser visto. José Saramago escreveu um livro sobre cegueira. O tema da surdez é um tema contemporâneo. E a que melhor escuta é uma mulher. Creio que há pontos convergentes entre as duas obras, com as devidas proporções.
3)      Como o público brasileiro poderá reagir aos filmes indicados nos cinemas brasileiros? O Oscar ainda atrai um público aos cinemas nacionais? E o público jovem?
Pablo Spinelli - Não é o Oscar que atrai menos os jovens.  É o cinema. Com o uso das mais diversas ferramentas para que se veja filmes em casa ou até andando pela rua, nas mais diversas classes sociais, o Oscar ficou mais para um grupo pertencente à classe média ou a uma geração mais velha. Há de se lembrar que a cerimônia é tardia,  passa num domingo à noite, termina por volta das quatro da manhã em período de escola ou de trabalho. Cabe salientar que nem a emissora de sinal aberto dá a atenção devida à cerimônia, pois prefere mostrar seu decadente BBB.
4)      Em relação aos indicados para Melhor Diretor, a ausência de Steven Speilberg sugere alguma coisa? A indicação de Chistopher Nolan (“Dunkirk”) poderia indicar uma mensagem liberal norte-americana da Academia de Hollywood para os europeus?
Pablo Spinelli - Spielberg, Woody Allen, Scorsese e Coppola são nomes que levam ou levavam cinéfilos jovens ou pessoas com mais de 40 anos. Spielberg mudou muito suas temáticas, adotou uma linha mais conservadora em seus filmes. Não diz à juventude de hoje o que dizia nos anos 1980. A Academia mudou seus eleitores, está mais plural. José Padilha e Fernanda Montenegro, por exemplo, votam. Isabelle Huppert, uma atriz francesa extraordinária, foi indicada, nada ganhou, mas é uma radiografia dessa “globalização” das indicações. O que não se pode confundir a indicação com os interesses mercadológicos. É uma indústria. Aposta em cavalos que podem vencer várias corridas ou cavalos que tiveram bons serviços prestados, como Meryl Streep e Christopher Plummer. Os  europeus sempre foram menos protecionistas aos estadunidenses, como pode ser visto em vencedores de Cannes. Creio que haja uma tendência para maior diversidade étnica nas indicações, algo que se vê há cerca de dez anos.
5)      Na categoria Melhor Ator, o ator republicano Gary Oldman é o favorito? O sectarismo de Hollywood poderia influenciar na premiação?
 
Pablo Spinelli - Não seria tão pesado com a qualificação de Oldman. Ele se destacou nos anos 1970 fazendo um músico anarquista punk drogado, líder dos “Sex Pistols”. Assim como fez o melhor Drácula do cinema e trabalhou no filme que lançou Natalie Portman ao cinema, o memorável “O Profissional”. Sua participação na saga Harry Potter e na de Batman, do citado C. Nolan, o aproximou de um público mais jovem. Acredito que seja mais pela atuação difícil de Churchill da incorporação, do que o Churchill da “cortina de ferro”. Interessante que ele tem como adversário o “Lincoln”, Daniel Day-Lewis (Hugh Jackman foi esquecido). Em momentos de crise política o cinema invariavelmente faz cinebiografias para resgatar da história algo que possa nortear as trevas do presente. Não é o caso do Brasil quando fez “Lula”.
 
6)      Na categoria Melhor Atriz, a indicação de Frances McDormand (“Três anúncios de um assassinato”) ou de Sally Hawkins (“A Forma da Água”) sugerem tendências diversas?
 
Pablo Spinelli - Nesse caso, provocado pela sua pergunta anterior, se Oldman fica numa camisa de republicano, a McDormand é nitidamente uma atriz de perfil Democrata, basta ver sua relação pessoal e profissional com os irmãos Coen. O fato de ser uma veterana que se despe de maquiagens para o caso da dor de uma mãe cuja filha foi estuprada é uma boa “barbada” em épocas onde o tema do assédio é forte nos EUA. Todas as outras atrizes, com exceção de Meryl Streep serão indicadas mais vezes e podem ganhar suas estatuetas, como aconteceu com Natalie Portman e Emma Stone (ausência sentida, assim como o extraordinário Steve Carrel, ambos por “A guerra dos sexos”)
 
7)      Mais uma vez o Brasil ficou ausente da indicação da categoria Melhor Filme Estrangeiro com o filme “Bingo”. O cinema brasileiro está numa crise de realização? Já imaginou o filme “Marighella” (estreia de Wagner Moura na Direção) como indicado ao Oscar em 2019?
 
Pablo Spinelli - O filme “Bingo” não teve a acolhida que merecia nem no Brasil. Foi um trabalho primoroso  do seu ator principal, da produção, direção de arte e, algo raro no país, roteiro. O filme teve um papel mais evangelizador que “Os 10 Mandamentos” ou algo do gênero. E isso foi feito de forma suave, sutil. Seu final aponta  para o crescimento do pentecostalismo nas artes, nas mídias, no judiciário, nos esportes, entre intelectuais, para o bem ou para o mal, mas é um dado sociológico que o filme abordou com muita elegância. Não vi o movimento neopentescostal apostar em um filme que inclusive criticava a emissora de  televisão mais criticada pelo movimento! O filme do Marighella é uma bonita demonstração do que os antropólogos chamam de “baianidade”. Não creio que terá uma repercussão nos EUA um tema de  um “velho comunista” que vai para guerrilha e cria um manual subversivo para a luta armada. Em tempos de Estado Islâmicos, terroristas outsiders, terrorismo de Estado, não é algo palatável. Assim como não o será aqui, um filme que vai colocar mais lenha na fogueira da polarização. Espero que Wagner, com todo seu talento e carisma, pense em nomes como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, ou, se quiser ficar entre os baianos, a trajetória de Jorge Amado contada em “Navegação de Cabotagem”, que daria um lindo filme de amor e de política. Sobre a crise de realizações, algo positivo no ar. Apesar do enorme sucesso de “falar sério”, vejo um declínio nas obras de Roberto Santucci. Os  filmes de humor com Porchat, Mazzeo, Hassun, existem em qualquer país, isso não é ser pequeno. Na França, Depardieu faz filmes assim, basta  ver a NETFLIX. Nos EUA, o que é Adam Sandler? O que não podemos é ficar refém de filmes assim e produzir filmes menores que falam somente para um círculo de estudantes da PUC ou do IFCS. Precisamos de roteiros que contem histórias, e não tratados de Sociologia. Isso é melhor feito pelos argentinos e seus relatos selvagens.
 
8)      O que o Senhor aconselharia ao jovem brasileiro assistir a partir dos filmes indicados ao Oscar de 2018?
 
Pablo Spinelli - O jovem já deve ter visto Star Wars, que ganhou várias indicações. Ali veria como Luke Skywalker virou um ortodoxo da  doutrina Jedi e que Yoda, sempre ele, o aconselha a parar de bobagem e fazer o que tem que fazer. O filme “Corra!” foi muito bem recebido pelos jovens por ser um filme de terror com temática zumbi. A questão é saber se entenderam o discurso contra o racismo no filme. Aliás, se entendem que os zumbis em séries e filmes também é uma alfinetada na juventude daqui e de alhures. Sugiro que tenham muita, muita paciência com os filmes com a temática da II Guerra. Um é verborrágico que trata da Grande Política. O outro, silencioso, que trata de uma fuga militar. O “Post” do Spielberg é uma provocação ao twitter do Trump, já cumpriu seu papel. Lady Bird irá agradar às meninas. O filme que passa na Itália sobre um relacionamento homoafetivo parece confirmar que todas as premiações terá um independente com essa temática.  Mas creio que o diálogo entre um monstrinho e uma surda será a vitória do México contra os EUA, pela terceira vez. E torcer para que nosso “Ferdinando” do competente Carlos Saldanha seja o vitorioso. Além disso, há uma animação sobre o dia dos mortos mexicano. Eu diria para os jovens que será o ano da tequila.