domingo, 4 de fevereiro de 2018

Filmes de 1968


A Glória d`O Bebê de Rosemary
Por Pablo Spinelli
O cineasta Roman Polansky talvez seja mais conhecido por conta do processo judicial criado nos EUA ainda nos anos 1970, ou pela tragédia com a sua esposa (a atriz Sharon Tate) que foi vítima da invasão de um bando de fanáticos religiosos liderados por Charles Mason que culminou no seu violento assassinato da atriz Sharon Tate, que estava grávida. Os mais ligados ao cinema talvez lembrem do filme que lhe rendeu o Oscar de Direção, “O Pianista”, carregado de passagens de sua família e de sua própria história no período do gueto de Varsóvia determinado por nazistas, algo a ser revisto em dias das mais diversas segregações, de refugiados à Cidade de Deus, de mexicanos aos opositores na Venezuela. A minha obra favorita desse cineasta que trabalhou os diversos gêneros é o excelente “Chinatown” (1974). Filme que teve menor sucesso em premiações e nas citações dos amantes do cinema porque na mesma época foi lançado “O Poderoso Chefão – parte II”. Contudo,  o nosso foco aqui é o filme que completa meio século do então jovem cineasta, “O Bebê de Rosemary”.
Esse filme revisitou o gênero do terror sem recriar os antigos personagens como vampiros ou lobisomens, que estranhamente voltaram à moda.  Seu personagem maligno é a essência mais pura do Mal. Satanás. O filme seria muito ruim caso fosse dado para um cineasta dos EUA, com raras exceções. Polansky carrega em seus filmes muito do que aprendeu na Academia de Cinema da Polônia socialista, da literatura do centro-europeu e, curiosamente, uma adoração pela literatura brasileira a partir dos livros que via enquanto adolescente de Jorge Amado, como “Capitães da Areia” (de certa forma, um tema que reaparece em outro filme seu, “Oliver Twist”).  O que quero dizer com isso tudo? Não espere ver sangue derramado, gritos histéricos de adolescentes, uma música de estourar os ouvidos nos momentos mais tensos. É um filme que domina você lentamente e sem perceber, sua respiração fica mais ofegante, suas pálpebras abertas e a tensão psicológica criada pelo diretor é criada pelo silêncio e por sugestões.


A história é baseada em um livro de baixo valor literário, de Ira Levin. O Diretor conseguiu perceber nessa trama um paralelo com um dos enredos mais clássicos da Europa: Fausto. A história do homem que vende a sua alma ao Diabo é o argumento do filme. Mas o terror psicológico é que a alma vendida não é a sua. Ele permite que sua mulher, sem saber, gere o filho de Satanás. O mais sombrio é que isso parte de um casal de idosos simpáticos, vizinhos do ator que quer o sucesso e estrelato, vivido pelo grande e esquecido John Cassevetes e pela sua doce mulher frágil e um tanto submissa nos dias de hoje, a polêmica Mia Farrow. Será do seu ventre que nascerá o filho da contenda e da discórdia. Os idosos pertencem a uma seita e convencem o marido que a melhor forma de conseguir sucesso rápido é com o pacto com Asmodeu. Polansky usa um artifício antigo de Alfred Hitchcock. O espectador sabe o que está ocorrendo e sofre por não poder ajudar a jovem mãe, que desconhece toda a trama. Assim, ele nos faz de cúmplices silenciosos e indefesos do que pode acontecer. Mais não falarei por conta das síndromes de “spoilers” que tantos detestam.

 
Sim, e daí? Pergunta o paciente leitor dessas linhas. Por que falar de “O Bebê de Rosemary”? Por que fez 50 anos? Também. Pois manteve uma atualidade dramática que não envelheceu, com o elenco excelente – a vizinha idosa, Ruth Gordon, ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante, feito raro para um filme de terror. Mas a metáfora da venda da alma – anda mais quando não é a nossa, mas a do outro, por fama, sucesso, perenidade é algo que muito nos diz em uma modernidade líquida. Sem evangelismo na nossa proposta, perguntamos: o que e o quanto estamos dispostos a vender aos mais variados demônios do mundo para o sucesso, para a vingança, para a beleza eterna, para vitórias eleitorais que permitam que o poder fique na mesma família por duas, três gerações? Polansky nos convida a refletir sobre o ônus da glória, algo que ele sofreu e sofre – esotéricos vêem no filme uma maldição para a sua vida, esquecendo que ele reconstruiu sua carreira e sua família.  Outro ponto não menos relevante cabe à fortuna de Maquiavel. Ações que os homens não controlam.
O filme faz parte de uma trilogia básica para qualquer cinéfilo no gênero do terror moderno. Além dele há “O Exorcista” e “A Profecia”, os três extraídos de livros. Duas curiosidades. Spielberg teria se inspirado nessa onda de terror moderno, psicológico, para fazer um personagem maligno quase invisível, um tubarão. E o prédio onde foi rodado Bebê de Rosemary foi o mesmo onde John Lennon residia quando foi covarde e estupidamente morto anos depois. Morbidez à parte, o filme vale para o enriquecimento da cultura cinematográfica, para conhecer a obra rica de Polansky, para ver (ou conhecer) o tema do Fausto em tempos modernos. Será que uma família venderia sua alma para fazer parte de programas de televisão? Para o religioso Diretor, seu final nos diz que nos resta é esperar o Livro das Revelações. Antes que ele venha, veja o filme.


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