A
Banalidade do Surreal
Em memória de
Hannah Arendt
Por Vagner Gomes
de Souza
Há uma fala no filme “Destacamento
Blood” de Spike Lee (disponível na NETFLIX) em que um veterano afro americano da
Guerra do Vietnã informa para um vietnamita a situação de George Washington ter
sido um senhor de escravos. A precisão da informação histórica justificaria a
mudança do nome da Capital dos Estados Unidos? Talvez se o pensamento da “Revolução
Cultural” renascesse das cinzas do autoritarismo essa ideia poderia ser
concebida numa surrealista ideia de reeducação pelo exercício da destruição do
espaço público como memória.
Vivemos tempos em que a
valorização do conhecimento da história está sendo “aparelhada” pelo julgamento
de personagens do passado retirados de seu contexto como se fosse uma sequencia
de anacronismos a serviço do sectarismo político. Não adianta alimentar a
destruição de estátuas ou sua simples retirada de espaços públicos se os
descendentes dos escravos continuam afastados do conhecimento de sua própria
História. Aliás, o debate deveria ser porque nossa sociedade banaliza a falta
do conhecimento em história ao contrário de sairmos avaliando um “juízo final”
sobre o que deveria ser afastado de nossos olhares seja para admirar seu
conteúdo artístico, ou seja, para relembrar dos personagens do passado que um
dia erraram para o contexto atual.
Os historiadores
precisam pesar mais pela ética da responsabilidade do que pela ética da
convicção em tempos de extremismos. Derrubar os personagens associados à
escravidão em qual temporalidade e em qual tipo de escravidão? Se for toda a
escravidão, o que fazer com os vestígios da Grécia Antiga e a saudosa Atenas
que cresceu mantida pelo trabalho de escravos. Faremos um “Tribunal da História”
em relação as estátuas daqueles que tinham escravos na Antiguidade? Teremos que
aplaudir a destruição de alguma estátua dos imperadores romanos por terem sido
coniventes com a escravidão? O que dizer das múmias do Egito Antigo encontradas
com restos mortais de escravos porque acreditavam na ressurreição dos Faraós?
Não alonguemos nas perguntas, pois seriam surreais as respostas do academicismo
“neomaoista”.
Muito menos cheguemos
aos dilemas históricos religiosos do mundo judaico-cristão desde a passagem do
filho de Abraão com uma escrava. Sem citar outros temas controvertidos que a
teologia de Jesus Cristo nos ensinaria que se deve atirar a primeira pedra
aquele que nunca pecou. Essa passagem não implica em dizer que devemos
concordar com as atrocidades do passado, porém devemos compreender melhor como
eles se constituíram para não cair numa banalidade do mal. O conhecimento
crítico nas mentes da juventude é muito mais saudável para o movimento
democrático que alimentar um debate que acabará recaindo numa “sinuca de bico”.
Vejamos o caso dessa passagem
abaixo:
"A escravidão
caduca, mas ainda não morreu; ainda se prendem a ela graves interesses de um
povo. É quanto basta para merecer o respeito."
Ela foi escrita pelo
romancista José de Alencar e se encontra em “Cartas a favor da escravidão” em
1867. Muitos intelectuais cariocas devem
saber que Alencar tem uma estátua no Rio de Janeiro. Defenderemos sua retirada
e atacaremos os seus livros? Não seria mais interessante para a cidadania
brasileira que o conhecimento seja divulgado ao contrário de alimentar uma “caça
as bruxas” do anacronismo. Se defendermos que os livros libertam o cidadão da
exclusão do saber, por que temer andar com a cédula de um dólar no bolso? Esse
é o momento de sugerir novas estátuas para ocupar as ruas e esqueçamo-nos das
que nada representam para nossos ideais.