domingo, 21 de julho de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 053 - AS IDEIAS MOFADAS QUE NOS RODEIAM

Velhas e Novas Extremas-Direitas

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Em todo o mundo, as extremas-direitas que na geografia política estão no seu extremo, radicais, duras, sem alternativas factíveis, em tudo distantes dos inúmeros ramos clássicos da direita que perfaz conservadores, liberais, conservador-liberal, liberal-conservador, entre tantas desenhos possíveis que os englobam, são um fenômeno emotivo tanto aliciante para uma minoria e repulsiva para o Grande Número.

Eles desenvolvem a maior desconfiança dos filiados da direita clássica. Eles irritam além dessas Direitas, os Centros e as Esquerdas. Recentemente essa rejeição pelo Centro se deu em França como declarou o antigo primeiro-ministro do Centro de Macron, Édouard Philippe: “É necessário bloquear o "Reunião Nacional" (Rassemblement National, partido de extrema-direita). E no domingo (no último dia 7) do segundo turno votou num candidato de esquerda.

Apesar desta rejeição universal, a extrema-direita permanece. O que os caracteriza?

Primeiro, a crítica ao liberalismo político, inseparável da democracia pluralista. Em vez disso, aspiram a uma ordem política autoritária eleita, capaz de mobilizar as capacidades coercivas do Estado para manter a sociedade sob controle e disciplinada. Por isso se percebe que cultivam uma ideologia antiliberal a despeito de alguns deles se alegarem liberista e admirarem ditos líderes fortes.

Em segundo lugar, um foco intenso nas questões de segurança numa chave do século XVIII leitora de Hobbes, partindo do pressuposto de que vivemos num estado de exceção permanente, sitiados num ambiente de ameaças e riscos. Tal como no poema de 1904 de Konstantínos Kaváfis existimos sob a advertência de que os bárbaros chegarão hoje.

Terceiro, a vontade contínua de travar uma guerra ideológica e rodear-se de paliçadas morais. Com isto, colocaram os setores da direita clássica como Sparrings, fazendo-os parecer indiferentes e/ou pouco dispostos a defender fronteiras simbólicas e imaginárias à revelia das físicas e constitucionais. Ao mesmo tempo, transformam os Centros e as Esquerdas – por vezes como cúmplices – de um conglomerado de reivindicações tais como dos identitários, antinacionais, anticostumes e inimigas do bom senso.

É assim que a extrema-direita surge na cena global em toda a sua variedade: autoritária, contrária aos limites e equilíbrios da democracia liberal, com uma mentalidade de manada sitiada, disposta a reunir os ressentimentos da sociedade numa cruzada cultural contra os Centros que seriam Fracos e as ditas Esquerdas Woke.

Há espaço para tudo, desde o chamado anarcocapitalismo de Milei até ao capitalismo de compadrio de Putin; das ideologias eurocéticas as ultranacionalistas; desde aqueles “nostálgicos do fascismo”, como parcela dos Irmãos de Itália (Fratelli d'Italia), os cúmplices da ditadura de Pinochet; do “Deus acima de tudo”, pátria e família de Bolsonaro ao “a guerra foi vencida no nível espiritual” do elsalvadorenho Bukele; desde a acusação contra a direita clássica de ser uma “direita covarde e fraudadora”, como disse o chefe do Vox na Espanha, e até o José Antonio Kast que negou que o Chile nos governos do recém-falecido Sebastián Piñera era governos de direita.

Pois bem. Após termos acompanhado a Convenção do Partido Republicano em Milwaukee nos últimos dias é inequívoco dizer que houve nele a ascensão avassaladora de uma visão, de valores e de um projeto de restauração conservadora; de um nacionalismo cristão a favor de uma guerra ideológica contra tudo o que não é “norteamericano”. E inimigo do estrangeiro, diverso, híbrido. Ao mesmo tempo, um populismo surpreendente – vindo de um partido tradicionalmente plutocrático. A guerra ideológica da extrema-direita estava lá.

Daí que nós defensores e defensoras da democracia, liberdade e igualdade seguiremos a encorajar sempre a tolerância e a doçura emanadas da flor de lótus e as nossas tendências confessas a favor da paz.

 

21 de julho de 2024



[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, do Instituto Devecchi e da Teia de Saberes.

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 052 - FIDELIDADE OU GANÂNCIA?

Donald Trump e a ascensão Jedi

Vagner Gomes de Souza[1]

 

Muitas opiniões que se atribuem a uma análise política disfarçam o desconhecimento ou até mesmo como funciona o sistema representativo da política. O anseio de uma vontade geral predominante que muito encantou Rousseau e que muito foi temido por Alexis de Tocqueville ainda estão presentes nesse mundo da política contemporânea. Afinal a política enfrenta a seus dois caminhos entre o imaginário e a realidade. A sombra obscura e a luz do universo Jedi nos tempos em que emergiu a Nova República sobre os escombros do Império conforme se observa na série Ahsoka. A cavaleira Jedi em sua luta contra o resgate do Grande Almirante Imperial Thrawn é nossa indicação para aqueles que desejam compreender como o multiculturalismo faz parte do mundo político da igualdade pela via do americanismo.

A candidatura a reeleição de Joe Biden virou passado em uma semana em que os ventos franceses do mudar para conservar se fez presente na escolha do nova presidência da Assemblia Nacional que deu continuidade a uma mulher do centrismo de Macron. O centrismo é um bom legado do equilíbrio da força democrática e ainda mais se for pelo discurso das mulheres. Todo esse progressismo liberal para fazer frente aos rotineiros e desvairados momentos Trump de ser como em seu breve comentário sobre a desistência de Biden. O ex-presidente assim se manifestou: “Joe Biden não estava apto a concorrer à presidência e certamente não está apto para servir – e nunca esteve! Ele só alcançou a posição de presidente por mentiras, fake News, e por não sair de seu porão...(...)”

Esse primeira parte demonstra a mais completa vocação de nada se debater sobre um programa pois se alimenta do fragilidade da saúde do oponente e não faz listagem sobre as mentiras e esse “porão”. Trump tira sua túnica de moderação diante de um novo fato político que pode lhe custar a derrota eleitoral e política uma vez que até a escolha de seu companheiro de chapa era uma tentativa de sinalização para uma base eleitoral dos independentes. Continua o candidato oficial republicano: “(...)Todos ao seu redor, incluindo seu médico e a mídia, sabiam que ele não era capaz de ser presidente, e ele não foi...(...)”. As palavras opostas a Fake News para em seguida alimentar uma “teoria conspiratória”. Um profissional da saúde colocado na “berlinda” por um ex-presidente com milhões de seguidores em seu perfil nas redes sociais e a mídia apresentada como uma inimiga apesar da simpatia que o mesmo tem da grande rede Fox. Lembremos das mensagens que circulavam nas redes sociais em 2023 sobre o “sósia do Lula” pois o mesmo teria falecido. Aqueles que lerem, acreditaram e compartilharam na época agora questionam o Lula pelos erros sem serem coerentes em falar mal do sósia. Esse é um “mundo paralelo” quando a política se desloca em muito da realidade da sociedade.

Na sequência, “(...)e agora, veja o que ele fez com nosso país, com milhões de pessoas atravessando nossa fronteira, totalmente sem controle e sem verificação, muitos vindos de prisões, instituições mentais, e números recordes de terroristas....(...)” Muito da base do simplismo da política extremista de direita ganha força no desconhecimento de história. Os Estados Unidos era um país com pouco potencial econômico e estava abalado pela Guerra Civil americana 1861-1865. Então, recebeu 20 milhões de imigrantes a partir de 1870 até 1910 o que modificou em muito essa situação. O postulante republicano ao posto de Vice presidente é casado com uma filha de imigrantes indianos, porém Usha Vance trilhou um caminho de assistência a dois Juízes da Suprema Corte norte-americana da maioria conservadora. Há mulheres na vida pública em todos os campos da política. Mas, voltemos ao ponto.

Imigrantes vindos de prisões (a maior “saidinda” global segundo Trump) e instituições mentais (o sucesso de Machado de Assis nos Estados Unidos abriga a assessoria de Trump ler, se isso é habito entre eles, O Alienista). O desmanche de uma posição que nada expõe o problema e nada propõe uma vez que seria apresentar compromisso sobre o tema da saúde mental o qual levou aos disparos feitos por um jovem norte-americano nato amante de “Clube de Tiro” e investigado por terrorismo doméstico. Por fim, a ausência de programa é muito evidente: “(...)Sofremos muito por causa de sua presidência, mas vamos remediar o dano que ele causou muito rapidamente. Faça os EUA grande novamente!”. Assim, se encerra a mensagem oposicionista vazia uma vez que a economia norte-americana está crescendo. O problema é que a riqueza está se concentrando ainda mais em poucas mãos, porém como as forças da ganância podem ser contrárias a concentração de riqueza? Portanto, a naturalização do extremismo de direita desafia a estabilidade democrática mundial. E temos que saber enfrenta-los também nas eleições legislativas formando novos quadros políticos para exercer os cargos e seu em torno, pois não é só a assessoria trumpista que não colhe o bom hábito da leitura.



[1] Doutorando do PPGCP-UNIRIO.

sábado, 20 de julho de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 051 - 1974: O ANO DA HERANÇA QUE NÃO RENUNCIAMOS

1974: a derrota vitoriosa

Pablo Spinelli[1]

 

O ano de 1974 é deveras importante para a análise e a ação da política no tempo presente. Dez anos antes se instaurou no país aquilo que a academia há cerca de duas décadas intitulou de Ditadura Militar-Civil. O termo civil é exposto para lembrar a adesão do empresariado, de políticos, de setores eclesiásticos, da mídia escrita e falada, de grupos da heterogênea classe média, dentre outros, que transbordavam quantitativamente o número de militares quanto à proposta da derrubada do governo constitucional de João Goulart que foi substituído por generais em simulacros de eleições organizadas pelo Alto Comando das Forças Armadas.

Não cabe no espaço aqui adentrar com detalhes, mas a proposição daquela que era chamada pelos seus simpatizantes como “Revolução” ou “A Redentora” servia a propósitos claros: a perspectiva de um novo modelo de liberalismo que mais tarde foi chamado de neoliberalismo; para isso, tornava-se premente derrubar o arcabouço da construção de Estado feito desde os anos Vargas e que foi conseguido por pressão do mundo sindical – nem todos eram pelegos -, dos intelectuais, dos trabalhadores rurais. Além desses dois vértices – o desmantelamento do Estado e a introdução do mundo do mercado se sobrepondo ao da política – havia um terceiro, a desorganização e destruição das esquerdas, mais representadas pelo PTB, que conseguia aumento de representantes no legislativo federal e pelo PCB, que quase sempre ilegal na sua vida partidária, tinha ecos no mundo das artes, no universitário e no mundo sindical.

A partir de 1964 a oposição ao governo foi se cindindo a ponto de se criar uma bifurcação; os adeptos do foquismo (os focos de guerrilha que vinham de Cuba de Castro, Guevara, Debray) com ou sem o protagonismo do mundo rural, seguindo a linha chinesa maoísta; por outro lado, os adeptos da luta política, que defendia a articulação de uma Frente Democrática (e não de esquerda) ou Frente Ampla, que inseriria de comunistas do PCB a liberais e dissidentes da Ditadura. Dessa forma, Marighella, Lamarca, Apolônio de Carvalho, os Grabois, dentre outros, seguiram a linha de enfrentamento (sempre desigual) ao regime, embebidos do “otimismo da vontade”, enquanto que os dirigentes do PCB foram adeptos da “guerra de posição” (sem o uso desse termo): dentro da fórmula do bipartidarismo criada pela Ditadura em 1966 para dar um verniz democrático para consumo externo coube às armas da política fortalecer o MDB, o partido de oposição que foi consentido pelo alto.

Ambas as lutas eram desiguais. A luta armada foi trágica, por mais que pareça romântica. Seus ganhos foram muito menores que as suas perdas. Arroubos individuais como o roubo do cofre do governador Adhemar de Barros não tinham adesão popular seja por conta da censura, seja pelo que o melhor do pensamento político brasileiro nos ensina: a sociedade brasileira é conservadora. Por outro lado, a luta política era árdua desde a composição das candidaturas até o processo eleitoral no legislativo. As análises recentes mostram que há um amplo cinturão bolsonarista no centro-oeste do país, assim como nos estados do sul, além de cidades de pequeno e médio porte. Pensemos como eram disputas eleitorais nessa região naqueles anos.

O ponto de inflexão deu-se com a crise do petróleo causada por um conflito no Oriente Médio. O dólar disparou, as divisas sumiram e o capital especulativo que teve com o regime militar uma excelente recepção esfumaçou. Esse cenário foi decisivo para a agonia do “milagre econômico brasileiro” (1968-1974), um slogan para um momento de índices econômicos primorosos sob o custo de arrocho salarial, repressão a greves (como Osasco e Contagem), aumento da desigualdade social a ponto de ter sido cunhado o termo “Belíndia” pelo economista Edmar Bacha para sintetizar a Bélgica e a Índia que existiam no Brasil. Com o escalonamento inflacionário, aumento do subemprego, degradação das periferias aglomeradas das grandes cidades, endividamento dos municípios houve o olhar virtuoso sobre essa Fortuna: o fortalecimento da oposição pelo voto.

A Frente Democrática conseguiu emplacar os melhores nomes para os legislativos estadual e federal, algo que a França há poucas semanas fez e que nossos analistas – muito por falta de história – entendem como algo original. Há de se destacar a coragem do “anticandidato” Ulysses Guimarães, que fez uma campanha ciente da derrota no Colégio Eleitoral. Seu objetivo e do vice, Barbosa Lima Sobrinho, era o de capilarizar as críticas ao regime militar e propor o voto nos nomes do MDB de cada estado, de cada cidade visitada. Dentro da linha de raciocínio de John Stuart Mill, o debate de ideias faz parte de um processo civilizatório, e foi isso que aproveitou a oposição com debates no rádio e na televisão.

 O resultado foi a vitória do Movimento Democrático Brasileiro sobre a ARENA (partido de civis que apoiavam a Ditadura) com 16 senadores das 22 vagas em disputa e a conquista de 44% das cadeiras na Câmara. Os votos dos descontentes com a Ditadura iam da endividada classe média às classes subalternas. Políticos começaram ou consolidaram sua carreira pela democracia, como Ulysses, Itamar Franco, Mauro Benevides, Marcos Freire, Orestes Quércia, Ramez Tebet, Pedro Simon, Fernando Lyra.

O que pode ser extraído desse acontecimento de 50 anos? A) a defesa da política e o olhar da virtú diante da Fortuna; B) a importância da consolidação de uma Frente Democrática sem ressentimentos; C) que essa Frente Democrática perceba a importância do Legislativo; D) a necessidade de capilarização da política democrática para furar as bolhas; E) dialogar com setores que nem sempre votaram com o que as Forças Democráticas defenderam e sem olhar inquisitorial e punitivista para aquele com quem discordamos; F) a necessidade de formação de bons quadros para momentos de debates e não baixar o nível neles, ser propositivo; G) ter clareza que uma derrota pode ser vitoriosa, como nos mostrou Ulysses Guimarães. Derrotado como “candidato” seu objetivo era fortalecer o MDB e a luta democrática. 14 anos depois ele erguia com as duas mãos a Constituição Cidadã de 1988.





[1] Aluno do Doutorado do PPGCP-UNIRIO

terça-feira, 16 de julho de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 050 - TIROS NA PENSILVÂNIA

Tocaia Grande Norte-Americana.

Vagner Gomes de Souza[1]

 

A Pensilvânia é um estado que há décadas sofre com os dilemas da desindustrialização norte-americana que empurrou muitos jovens para a migração interna em busca de novas perspectivas em décadas de fuga da indústria têxtil e da crise do carvão e da siderurgia. Um típico caso de desorganização da produção capitalista que abriu uma transição com impactos profundos nos quais se observou um investimento na educação na última década do século passado para promover a diversificação da sua economia. Trata-se de um dos cinco “estados-chave” nas eleições norte-americanas (Michigan, Arizona, Nevada, Geórgia são os outros) que se faz pelo sistema de colegiado eleitoral. A candidatura de Trump já se consolidava nesses estados e a lerdeza da candidatura a reeleição praticamente se faz perceber na gravidade dos desafios a democracia.

Observamos um estado com as características do “cinturão da ferrugem” nos quais a classe trabalhadora se sente deixada em segundo plano pelos governos do chamado “sistema”. Os eleitores do projeto MAGA trouxeram eleitores democratas para o populismo trumpista. Todavia, a juventude segue sua caminhada abalada por uma ausência sobre as consequências da pandemia da COVID 19 na sua saúde mental. Muito mencionada nas falas das candidaturas legislativas americanistas que instrumentalizam seus interesses individualizados. Identidades num universo cultural do discurso do ódio, como estudado por Jeremy Waldrom[2], nos impõe maior cuidado aos comentários sobre os possíveis impactos do incidente no Condado de Butler às vésperas da Convenção dos Republicanos.

As manifestações das forças democráticas pontuaram para os equívocos do de atitudes extremistas alimentadas pela violência ao mesmo tempo em que o “herói predestinado” não se materializou nas horas posteriores. O eleitor “independente” viu no jovem atirador o perfil daqueles que alimentam as atitudes contrárias a limitação a liberdade do uso e porte de armas. No mesmo estado, em 2006, um caminhoneiro de 32 anos invadiu uma escola Amish no Condado de Lancaster queria que as vítimas fossem meninas, por isso amarrou as mãos delas e as pôs em fila diante do quadro-negro, para matá-las com tiros na cabeça. Nunca saberemos suas verdadeiras motivações mentais assim como a do jovem de 20 anos que subiu a laje para dar os disparos num comício de Donald Trump.

Contudo, a liberdade de acesso a arma é muito naturalizada ao ponto de um jovem do Clube de Tiro da High School prestar uma entrevista sobre o perfil do jovem atirador. As trilhas formativas num Clube de Tiro demonstra que os investimentos da Pensilvânia em educação foram um “tiro no escuro” uma vez que uma Menção Honrosa em matemática não afastou o jovem do desejo de praticar o tiro. Esse seria um alerta para aqueles que não percebem que uma economia local em transição sem o olhar da educação não impacta na vida de toda a sociedade. Enfim, sobrou aos Democratas o “bagaço da laranja” diante das adversidades de uma candidatura retrógrada na política externa e distante dos eleitores da juventude.

Errados aqueles que teceram paralelos com a polarização por parte da candidatura favorita para as eleições de novembro. A mensagem da escolha do seu companheiro de chapa demonstra que o mesmo está observando os sinais eleitorais da França e Inglaterra aonde as forças da frente democrática isolaram as opções mais a direita. A retórica iliberal não impede que se abra um espaço para se posicionar ao centro político mediante a valorização da pauta do liberalismo econômico e social. Nenhuma intervenção político, pois o mercado precisa fazer a roda financeira circular sem os “solavancos” de uma Guerra Civil. Entretanto, a Democracia norte americana ainda se encontra tocaiada, pois inúmeros sujeitos sociais provavelmente se afastem desse processo eleitoral empurrando o legislativo para uma composição mais reacionária. O tempo urge por uma atitude de grande política por parte de Joe Biden.



[1] Doutorando no PPGCP-UNIRIO.

[2] WALDRON, Jeremy.  Ver o Ch 1. In The harm in hate speech. Cambridge-Mass., Harvard University Press, 2012.

domingo, 14 de julho de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 049 - DESAFIO DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAS APLICADAS

Por que e para que as ciências humanas e sociais aplicadas

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

A discussão que aconteceu na tramitação das diretrizes para a política nacional de ensino médio que desde o dia 11 do corrente foi para a sanção da Presidência da República, surgiu em torno do papel que as ciências humanas e sociais aplicadas, integrada por filosofia, geografia, história e sociologia devem desempenhar na educação revela um grande paradoxo sobre como devemos enfrentar os desafios que o século XXI coloca nestas questões. É claro que enfrentamos um declínio na percepção da importância das ciências humanas e sociais aplicadas para o mundo moderno. Isto, como foi apontado, devido ao declínio experimentado por estes estudos na maioria das universidades do mundo devido à sua ideologização (um objeto de estudo dessas ciências), o que tem resultado no equivoco de posturas dogmáticas, no cancelamento de alguns acadêmicos e escolas de pensamento, e o abandono dos clássicos curriculares.

Por outro lado, a ausência de vocação universitária tem significado a incorporação de estudantes egressos do ensino médio não necessariamente interessados ​​em atividades acadêmicas e/ou intelectuais. Por fim, o aumento do custo do ensino para os responsáveis implica que tanto o corpo discente como os seus pais privilegiem tudo o que tende a retorno econômico imediato, desprezando os chamados “conhecimentos inúteis”.

No entanto, as competências que o mundo pós-quarta revolução industrial e tecnológica exigirá, mobiliza percepções muito além do conhecimento específico de uma profissão, que em breve pode até se tornar obsoleta. Numa era de mudanças constantes, em que as pessoas terão de desempenhar funções muito diferentes ao longo da vida, muitas das quais nem sequer podemos imaginar, serão necessários trabalhadores que tenham “aprendido a aprender”, que tenham pensamento crítico, que saibam pensar a partir de diferentes perspectivas, colaborar, criar, resolver problemas, comunicar e demonstrar capacidade de adaptação aos múltiplos imprevistos que terão de enfrentar.

Assim, o principal objetivo do ensino deve ser a oferta de uma formação intelectual rigorosa, que permita a compreensão das disciplinas das profissões, mas também da complexa realidade do mundo em que temos de operar.

Da mesma forma, as fronteiras entre as ciências humanas e sociais aplicadas estão cada vez mais complexas e muitas vezes não é possível compreender os problemas específicos de uma dada disciplina isoladamente, sem referência à lógica e aos métodos de conhecimento da realidade de outras disciplinas muito diferentes. O estudo das ciências humanas e sociais aplicadas torna-se cada vez mais difícil sem o conhecimento científico e, pelo contrário, o mundo da ciência muitas vezes fornece respostas que exigem uma reflexão ética mais típica da discussão filosófica e abre questões que exigem abordagens de outras disciplinas. Um economista, para tomar decisões, deve estar em condições de analisar a relação que a sua ciência tem com a política, a cultura, a história e a ética. Por sua vez, a própria economia, que estuda as motivações e o comportamento dos seres humanos e dos grupos agregados, beneficia-se das descobertas da biologia no que diz respeito à natureza do comportamento humano.

Um historiador deve compreender a economia, o genoma humano e as suas teorias; um filósofo que não compreende conceitos básicos de física estará ausente da discussão contemporânea de sua própria origem.

Por último, e não menos importante, todas as ciências humanas e sociais aplicadas devem saber que existem formas sutis e mais sensíveis de compreensão da realidade, como a literatura e a arte (também passiveis de estudo por essas ciências), que permitem observar uma parte da realidade que certas racionalidades não conseguem acessar. A arte em todas as suas manifestações envolve formas de representação, expressão e comunicação de ideias e emoções, e permite a expansão da consciência e imaginar a situação dos outros, ter empatia com as mais diversas manifestações da natureza humana e olhar o mundo a partir da perspectiva de outros.

 

13 de julho de 2024



[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE e do Instituto Devecchi.

sexta-feira, 12 de julho de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 048 - MULHERES NA POLÍTICA

A primeira-dama Laura Bush e a Sra. Michelle Obama sentam-se na residência privada da Casa Branca na segunda-feira, 10 de novembro de 2008, depois que o presidente eleito e a Sra. Obama chegaram para uma visita. Foto da Casa Branca por Joyce N. Boghosian.

Mrs. Obama e a bengala de seu pai

Vagner Gomes de Souza[1]

 

“Não o conflito violento entre partes da verdade, mas a supressão silenciosa de metade dela é o mal formidável: há sempre esperança quando as pessoas são forçadas a ouvir ambos os lados; É quando atendem apenas a um que os erros se endurecem em preconceitos, e a própria verdade deixa de ter o efeito de verdade, por ser exagerada em falsidade. E como há poucos atributos mentais mais raros do que aquela faculdade judicial que pode sentar-se em juízo inteligente entre dois lados de uma questão, dos quais apenas um é representado por um advogado diante dela, a verdade não tem chance senão na proporção que cada lado dela, toda opinião que incorpora qualquer fração da verdade, não só encontra advogados, mas é tão defendido que deve ser ouvido. Reconhecemos agora a necessidade para o bem-estar mental da humanidade (do qual dependem todos os outros outros bem-estar) da liberdade de opinião e da liberdade de expressão de opinião (...)”

John Stuart Mill -  On Liberty, p. 60.

 

O nome Michelle ganha uma diversidade de conotações políticas no mundo político brasileiro diante dos limites da leitura da análise de conjuntura. O tema da tolerância definida por John Stuart Mill em seu clássico livro On Liberty colocaria a versão brasileira como a grande força de um movimento de empreendedorismo como forma de empoderamento feminino. A circulação livre do pensamento num “mercado de ideias” sob o ponto de vista de uma identidade nacional e com viés religioso. Os atributos de uma tolerância que não implica em mais democracia, porém nos atentemos que essa leitura americanizada e autônoma observou no perfil de muitas expressões de candidaturas identificadas com o campo progressista.

O liberalismo político muito se expandiu nesse mundo globalizado, porém digamos que dos princípios de uma luta pela tolerância enunciadas por Locke a muito dos desafios apresentados por Hobbes. Não nos esqueçamos de também que Mill escreveu um ensaio entre os pioneiros na luta pelos direitos das mulheres (A Sujeição das Mulheres) pouco conhecido por aqueles que se enjaulam nas opiniões simplistas. A força das mulheres na política é um impacto que se deve mensurar diante dos desafios da Democracia uma vez que muitas lideranças políticas femininas desde a Senhora Thatcher assumiram esse legado distante do compromisso com o reformismo social mesmo que alimentasse o reformismo societal de costumes.

Em suas notas sobre o americanismo e o fordismo, Gramsci se atentou em relação aos aspectos da questão sexual. Segundo o pensador sardo, “a função econômica da reprodução: ela não é apenas um fato geral, que interessa à sociedade em seu conjunto, para a qual é necessária uma determinada proporção entre diversas idades tendo em vista a produção e a manutenção da parte passiva da população (passiva em sentido normal, por idade, por invalidez, etc.), mas é também um fato ‘molecular’, interior aos menores aglomerados econômicos, como a família.”[2] Desde o Manifesto de 1848, a leitura marxista sobre esse tema que não nos seria estranha em enunciar os novos sujeitos da sociedade em distinção aos movimentos de natureza reacionária como observamos na gestão italiana de Georgia Meloni.

Portanto, os tempos políticos de incertezas nos permitem a afirmar que nenhuma postulação política está consolidada com antecedência diante da emergência de um eleitor-vigilante que se alimenta da denúncia para se fazer ativo na política. Toda reeleição legislativa (vejam os exemplos recentes de eleições legislativas em Portugal, parlamento da União Europeia, Inglaterra e França) é um grande desafio na política contemporânea o que fez muitos parlamentares democratas irem ao desespero diante das falas do presidente Joe Biden na sua insistência em disputar a reeleição diante de uma candidatura negacionista do bom senso da política democrática.

O tempo urge por uma saída honrosa para as forças democráticas norte-americanas. Há um silêncio respeitoso sobre a Senhora Obama uma vez que a tarefa é árdua para um partido que se deixou contaminar por uma individualização dos sujeitos excessiva. Todavia a percepção de Michelle Obama sobre Laura Bush desde a visita da Casa Branca na transição é um primor para aqueles que desejam defender a tolerância contra as nuvens cinzentas da invasão do Capitólio e suas derivações. A grandeza política dela se observa tanto em Minha História quanto em A Luz que nos Ilumina: Superação em tempos incertos livros de memórias comparáveis às memórias tocquevillianas, porém poucas lideranças políticas aprenderam com a leitura da ex-primeira dama que na introdução de seu livro de 2022 menciona o desafio de seu pai em dar seus passos na vida com o uso de uma bengala. A lembrança da “bengala” do pai de Obama é um pouco do que se espera de novos rumos a se dar em trajetórias políticas aqui em alhures. Desde que tenhamos sanidade na política.



[1] Doutorando em Ciência Política na UNIRIO na área Comportamento Político e Eleitoral.

[2] Gramsci, Antonio – Cadernos do Cárcere, volume 4. Edição e tradução, Carlos Nelson Coutinho; co-edição, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 251.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 047 - O Sardo de Sassari e o Comportamento Político dos Democratas

Paixão pelo Possível

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

A compostura política não deve ser confundida com a social, que, embora aparente ser menos importante para o futuro das sociedades, carrega um papel sobejo. A compostura social refere-se às regras de boas maneiras, à ideia de bom gosto e às normas de comportamento social que começam a ser estabelecidas no século XV e que são bem descritas pelo mestre da história dos costumes Norbert Elías (1897-1990) e às quais o grande filósofo Erasmo de Rotterdam (1466-1536), que deixando fluir por um momento seu grande gênio, dedicou em 1530 um pequeno livro que fez muito sucesso a época, De civilitate morum puerilium (Da civilidade pueril), um livro curioso e divertido aos nosso olhos, em que desenvolve o conceito de civilidade também caro ao saudoso Emmanuel Le Roy Ladurie (1920-2023), um conjunto de bons costumes válido para se comportar na vida e que opera para toda a sociedade.

Nesse livro, ele aponta, entre outras coisas, preocupações específicas sobre o muco nasal e a forma como ele deve ser removido. Afirma que não é correto se jogar ele ao leu e muito menos colocar as mãos na comida a torto e a direita.

A compostura política é algo diferente, é uma questão que apela à substância e à forma, ao método como parte inseparável do conteúdo da política democrática. Consiste numa forma de comportamento, num estilo, num tom que reforça na ação política a procura de um caminho reflexivo para liderar a pólis que procura os caminhos dos compromissos e acordos históricos, que aproximam visões avessas a polarizar posições conflituosas, que tentam alcançar o apoio do cidadão, pois deseja proclamar as virtudes dessas propostas.

Procura soluções possíveis que sejam aceitáveis ​​para grandes maiorias e procura olhar o adversário distante do conceito-relação amigo-inimigo, em que o inimigo deve ser destruído.

A compostura política implica decência e decoro nos métodos a utilizar, moderação na linguagem, e descarta a estridência e o insulto, ao desejar fortalecer não só as posições que defende, mas ao mesmo tempo a vida democrática como um todo, protegê-la do declínio, das brigas que reinam nos sistemas políticos decadentes, que acabam por incentivar o surgimento como uma pandemia de ideias rudes e autoritárias que se propõem a estabelecer a ordem a todo custo, mesmo quando há direitos e liberdades pisoteados.


Este tom, este estilo, não significa renunciar as convicções e a objetivos e metas ousados ​​e necessários, não devem corresponder a uma posição política fraca e vazia, mas procura os seus objetivos de forma serena, gradual, comedida, sem pretender possuir verdades absolutas, mas com ouvidos abertos aos outros, a quem pensa diferente e age de forma ponderada e ajustada às circunstâncias, ao tempo e ao lugar.

Isso não significa que aqueles que a praticam como o recém-empossado primeiro-ministro do Reino Unido Keir Starmer do Partido Trabalhista não tenham temperamento e sangue nas veias, mas sim que tenham uma capacidade de autocontrole que é sempre útil para qualquer pessoa, mas é essencial para um líder que aspira a liderança dirigir os destinos de um país, competindo em um sistema pluralista e diversificado.

Há poucos dias completaram-se quarenta anos do falecimento, em 11 de junho, de Enrico Berlinguer (1922-1984), secretário-geral do Partido Comunista Italiano, ocorrida no meio de uma manifestação, dramaticamente devido a um acidente vascular cerebral durante um discurso. Berlinguer liderou o maior Partido Comunista do Ocidente naqueles anos e realizou uma transformação gradual da sua tradição histórica e teórica, conduzindo-o a um horizonte democrático e reformador. Ele nunca liderou um governo, mas para o seu funeral a Itália rendeu todas as honrarias de chefe de Estado, com apoiantes e adversários homenagearam-no, mesmo os mais ferozes, houve um sentimento de perda não só política, mas cultural, ele deixou uma marca profunda por ter ajudado a Itália a passar por momentos infelizes durante o recomeço da democracia.

Anos depois de sua partida, o partido que contribuiu poderosamente para mudar deu origem, juntamente com outras tradições políticas progressistas, ao atual Partido Democrático, que nas últimas eleições europeias alcançou 24,8% dos votos, sendo o segundo partido em Itália, uma enorme garantia democrática em tempos de ascensão da extrema direita e de tendências iliberais.

Sandro Pertini (Presidente da Itália e filiado ao Partido Socialista) no velório de Berlinguer

Algumas de suas ideias não duraram, mas sua figura permanece sendo muito respeitada mesmo entre as novas gerações. Nestes quarenta anos perdurou um respeito, um apreço e até uma reverência que percorre todo o arco político, as mais diferentes posições e de muitos cidadãos afastados da política.

Berlinguer faz falta porque ele incorporava com impressionante precisão o que tememos que a nossa comunidade planetária possa perder: a compostura. A capacidade de manter um estilo público e uma respeitabilidade em seu cotidiano que não pode ser apagada pelos acontecimentos, como se entre os deveres de um líder, estivesse o de demonstrar, não como algo menor, mesmo nas mais duras e dramáticas tempestades políticas um estilo.

Um estilo de decência, austeridade e altivez em todas as suas batalhas desde a libertação da Itália, quando era muito jovem, até à sua morte demasiada precoce.

Afinal, foi essa a marca que ele deixou, algo humano, corajoso e que transpirava brandura. Muito poucos políticos sobrevivem a um respeito profundo, duradouro e horizontal pela sua compostura política. Berlinguer não é o único, claro, e há outros de diversas tendências políticas, mas são poucos.

Estamos próximos ao início de um período eleitoral que pode fortalecer ou enfraquecer a nossa democracia, que apesar da sua resiliência e resistência não nos encontramos no melhor momento, a atmosfera existente e o nível dos debates são mesquinhos e dolorosos.

Não será hora de refletir sobre o tom, o estilo e o método de ação política? Talvez esta reflexão nos ajude a abandonar como fez em uma semana a França, ao pôr de lado as visões extremas, os interesses particulares que por vezes parecem ocupar a maior parte do espaço público e a regressar, pouco a pouco, ao caminho do bem comum.

 

7 de julho de 2024



[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE e do Instituto Devecchi.

domingo, 7 de julho de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 046 - FRANÇA APÓS O SEGUNDO TURNO

ARQUIVO. Emmanuel Macron e Jean-Luc Mélenchon após encontro no Eliseu em 21 de novembro de 2017. AFP/Ludovic Marin

Croissant com Pão de Queijo

Vagner Gomes de Souza[1]

screver no “calor da hora” em que se faz a contagem dos números de assentos das eleições legislativas francesas é uma lição para aqueles que gostam de exercer a análise de conjuntura. Em 72 horas, o Labour Party (após mais de uma década no isolamento do “culto a identidade” de uma nostalgia com temperos pós-modernos) renasceu como se fosse fênix numa vitória eleitoral com um programa “saquarema” (centralizador nas decisões políticas) para enfrentar o desafio de uma Inglaterra pós-Brexit.

Tamanho resultado deve ter movido às decisões de uma juventude globalizada e liberal a ir as urnas na França. A costura da “grande política” se fez pela via da renúncia de nomes em favor de quem estivesse em condições de vencer a candidatura da extrema-direita. Havia uma aposta das forças do populismo reacionário de que a abstenção seria sua vantagem diante da expectativa de um eleitor de esquerda que não votaria numa candidatura pró-Macron. Todavia, os avanços da desconfiança na legitimidade democrática não foram suficientes diante do desafio de evitar um “mal maior”. Assim, os sucessores da Frente Nacional em aliança com os herdeiros de uma “centro direita” prisioneira do extremismo acabaram em terceiro lugar no número de assentos.

Contagem por contagem e ainda temos muito que dizer sobre a força desse coração (como o gosto pelo croissant francês) de liberdade que se fez contra uma “tirania da multidão”. A multidão dos descontentes com o “sistema”, mas que se alimenta de um sistema de vantagens econômicas. Podemos apresentar como teoria política que a Frente Democrática é mais do que uma “tática eleitoral” no mundo contemporâneo para se transformar numa estratégia política para uma longa duração. Ela é a única via possível para enfrentar os dilemas de uma democracia desafiada diante das grandes ameaças desse mundo globalizado.

Muito “pé no chão” é necessário para aqueles que vaticinam a vitória de uma esquerda unida como se fosse uma réplica do Chile de Allende. O desafio mundial é de outra natureza uma vez que não temos mais uma polaridade da Guerra Fria a qual a “candidatura zumbi” dos democratas norte-americanos se fixou numa trajetória que exige uma revisão. A multipolaridade existe e muito temos visto de possibilidades até numa vitória reformista no Irã. O reformismo sem revolução é a lição de que a “revolução passiva”, nunca compreendida pelos leitores de manual de Gramsci, ainda é o fantasma que ronda o mundo para sermos excessivamente otimistas.

A Nova Frente Popular chegou aonde chegou pela aliança democrática defendida pelo atual Presidente da França. E o partido de Macron chegou em segundo lugar porque soube fazer “pontes” políticas. O imaginário se fez realidade diante da eminente crise de lideranças políticas. Logo, os nomes devem sempre ficar em segundo plano diante de termos um desafio programático que é trazer para o “centro” muitos eleitores jovens cativados pelo atalho do extremismo de direita. A “revolução-restauração” segue seu curso na chave francesa entre queijos e vinhos como se fosse uma estada chave na política da União Europeia em semelhança ao estado de Minas Gerais na política brasileira.

Todavia, fiquemos em alerta. O Reagrupamento Nacional, por hora, só perdeu nos pênaltis uma vez que ampliou sua bancada na Assembleia Nacional e exercerá a linha política do “povo-vigilante” nos próximos três anos. Em 2027, teremos eleições presidenciais na França após o resultado das eleições no Brasil de Raí que também tem inúmeros Neymars juvenis. A prudência sugerida pelo atual Presidente é muito bem vinda e se aproxima do primeiro pronunciamento do líder da França Insubmissa (Jean-Luc Mélenchon) ao não fazer mais referência a uma fundação da VI República.

Esse é o momento de um nome que faça a “coabitação” num país de um parlamentarismo com um Presidente sempre protagonista (ganha um pôster de Frantz Fanon quem souber o nome do primeiro-ministro de Fraçois Miterrand que virou presidente da República na França). A derrota eleitoral da extrema-direita ainda não se consolidou como derrota política. Da mesma forma que se operaram no Brasil, eles ainda vivem e atuam aguardando as possíveis fraturas da Frente Democrática a francesa para emergir como o “povo juiz” em seus julgamentos morais contra a política.

Momento de saborear a vitória nas urnas com a observação de que um pão de queijo serve como melhor metáfora para uma política equilibrada. Fica a dica aos mineiros para derrotar o “zemismo” nas próximas eleições municipais nos quais os municípios se assemelham aos distritos eleirorais franceses sob o impacto de um “cinturão vermelho” no entorno de Paris. Observemos Betim, Contagem e Sabará se desejamos incendiar novos corações.


[1] Doutorando do PPGCP-UNIRIO 


segunda-feira, 1 de julho de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 045 - O PRIMEIRO TURNO NA FRANÇA

Sob o Sol de Paris

Vagner Gomes de Souza[1]

 

O eleitorado francês, como se fosse pegar um velho automóvel para voltar ao passado como no filme “Meia Noite em Paris” (2011), se aproxima de uma acolhida ao populismo da extrema direita. O comparecimento as urnas foi um record como se muitos estivessem por décadas aguardando o melhor momento de se fazer ouvir. A queda da crença nas instituições da República e da Democracia se fizeram através de uma corrosão também pela via liberal progressista em anos de formação de intelectuais jovens dispostos a debater o “biopoder” num grande mosaico de temas que expressam a desconfiança. O eleitor soberano saiu dos ovos da serpente em suas movimentações americanizadas e a “Cidade Luz” vivência tempos nublados.

Na sequência política de uma crítica ao “vigiar e punir”, o povo-eleitor deu lugar ao povo-vigilante, ao povo-veto e povo-juiz segundo o livro A contrademocracia: a política na era da desconfiança de Pierre Rosanvallon. Esse mesmo pensador nos brindou em 1988 com o ainda não traduzido ensaio “Desconforto da representação”[2] em que já apresentava as motivações para a ascensão da Frente Nacional (hoje sob a denominação de Reagrupamento Nacional) de Jean-Marie Le Pen.

“Neste contexto, Jean-Marie Le Pen apareceu como agente de uma espécie de operação catártica; provocou uma ruptura brutal e inoportuna com as convenções, um retorno à linguagem carnal ao ponto de ser violenta. Foi justamente apontado que havia algo de sexual na linguagem política de Jean-Marie Le Pen, aparecendo esta sexualização como o símbolo efetivo de um abraço com a realidade.” (Livre tradução minha)

A percepção de uma juventude francesa desencantada, como nos ensinou pouco lembrado Max Weber na atualidade, não implicou em uma cidadania passiva como se aferiram no alto comparecimento as urnas. O ativismo digital estudado por Marco Aurélio Nogueira em A Democracia Desafiada – recompor a política para um futuro incerto estaria fazendo a “ponte” desses indivíduos soltos. Portanto, o nome Reagrupamento Nacional adotado em 2018 foi um novo momento na permissão de uma aceitação da extrema-direita como protagonista do mundo representativo francês.

Os analistas se silenciam sobre um centrismo gaullista que a ascensão política de Emmanuel Macron legou aos franceses como se fosse uma “revolução”. Em tempos de Trump e Valdimir Putin, esse jovem gestor da administração pública saído do Partido Socialista em crise foi apresentado como uma personalidade que lembraria Bill Clinton e Tony Blair. Entretanto, o “macronismo” foi se aproximando do centrismo liberal do extinto Reagrupamento para a República (RPR). O seu transformismo político se afundou nessa crise centrista enquanto o Partido Socialista se esvaziou de grandes lideranças.

Assim, a antecipação das eleições legislativas feita pelo Presidente da França colocou ao mundo a percepção de que as eleições nacionais seguem uma dinâmica semelhante a tantas outras em que a representação política é questionada pela extrema direita através da prática de um discurso populista que empurra o capitalismo informacional para posturas regressivas nas relações humanas. Mulheres ascendem nesse processo como uma nova dinâmica na formação dessa elite dirigente extremista junto com jovens na faixa etária dos 30 anos, ou seja, aqueles que estavam a engatinhar quando foi adotado o Euro e testemunharam os atentados em Paris. Não podemos nos esquecer do fantasma hobbesiano nas críticas a imigração na França e também nos questionamentos da regulamentação ambiental que permitiu uma reação de agricultores familiares que votaram no Reagrupamento Nacional.

Não há tempo para as lágrimas na ação política pois o sistema eleitoral distrital francês em dois turnos permite a movimentação pela Grande Política. O derrotado eleitoral Macron emerge como um novo Charles De Gaulle ao defender uma “Aliança Democrática” com as forças políticas da Nova Frente Popular (França Insubmissa, Verdes, Socialistas e Comunistas). Se os devaneios de uma “Sexta República” forem superados, os ensinamentos do filme Sob o Sol da Toscana (2003) podem ser fundamentais como no gesto de aceno do personagem idoso com flores (interpretado por Mario Monicelli) nas cenas finais desse filme. Assim, o exército de Brancaleone da Frente Democrática ainda é necessário nos processos eleitorais vindouros.



[1] Doutorando no PPGCP-UNIRIO.

[2] Rosanvallon, Pierre “Malaise dans la représentation” in Furet, François; Julliard, Jacques; Rosanvallon, Pierre – La République du Centre – la fin de l´exception française.  Ed. Calmann-lévy, Paris, 1988.