Compromisso Histórico
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Parafraseando livremente Hegel, é curioso como a
história às vezes brinca conosco e faz a confusão ser capaz de coisas que
aparentemente vão contra nossos interesses.
No Brasil, nestes tempos difíceis e desafiadores, é
evidente a necessidade de chegar a acordos políticos, pois a pandemia e suas
amplas consequências (econômicas, sociais, culturais, educacionais, entre
tantas outras) exigem a colaboração de todos para superar a catástrofe, o
sofrimento e a morte.
Estamos já adentrando no terceiro ano pandêmico
global que quando finalmente parecia poder ser domada pela ciência, brota
novamente mudanças de sua dinâmica onde a experiência chinesa de Xangai e
Pequim estão demonstrando, e esse seu ressurgimento se dá de forma mais sorrateira
quando estamos cansados, "cansados da pandemia" como se diz e,
consequentemente, revoltados com o mundo e com a coisa mais próxima que temos:
o governo.
Na verdade, este, como alguns outros no planeta,
cometeu erros em demasia diante do perigo da pandemia que não descansa em sua revivência
cega e ao declarar encerrada a Emergência em Saúde Pública de Importância
Nacional (ESPIN) em decorrência da infecção humana pelo coronavírus (2019-nCoV)
é uma medida que exige um esforço de coordenação que não se fez presente neste
governo desde o início dela.
Novas estratégias programáticas terão que ser
buscadas, mas qualquer uma delas será muito mais eficaz se for realizada em um
país cuja convivência seja pacífica, que gere serenidade e
otimize a busca de equilíbrios que ajudem a lidar com a pandemia e minimizar
seus efeitos nocivos sobre o trabalho, educação, economia, entre tantas
dimensões, para poder, uma vez que a tempestade passar, recomeçar, quando
possível em melhores condições.
Infelizmente não é o espírito social e político que
vemos hoje em nosso país. Em muitos, o aspecto agressivo aparece bastante
acentuado, a busca de ressentimentos e culpas, sobretudo, em que pensam
diferente, a tendência a desprezar o que a democracia alcançou nestes anos
pós-ditatoriais, e pior, a desqualificar a democracia tout court numa
espécie de eterno retorno aos tempos de violência física e intolerância
intelectual.
O espírito virulento faz crescer a desconfiança, o
espírito cívico desaparece e enfraquece a atitude solidária. O sistema político
e as instituições democráticas, que com todas as suas fragilidades e limites
têm sido um fator fundamental para o progresso do país, estão sendo confundidas
o que faz perderem a sua capacidade. Estes tendem a agir de forma reativa,
respondendo apenas ao dia a dia, esquecendo completamente as necessidades de futuro,
que podem acabar delineando um mundo ulterior de mediocridade e decadência.
Quando as lideranças políticas encolhem, as ideias
e propostas também encolhem; por outro lado, os ouvidos dos cidadãos ficam
surdos e só predominam as emoções e os ressentimentos.
Consequentemente, o debate político se transforma
em puro marketing fragmentado que concorre em ofertas e lisonjas, num
leilão de sonhos, que não propõe nem esforço nem sacrifício; irresponsabilidades
e ideologias aparecem em todo seu esplendor soturno.
No entanto, o enredamento emaranhado e a confusão
abrangem todo o arco político, desde a extrema direita governamental nostálgica
pela ordem autoritária até a extrema esquerda alérgica às instituições
democráticas e aos
compromissos históricos políticos.
Aqueles que durante anos insultaram a democracia e
seu andamento que foi capaz de realizar mudanças graduais (os governos de 1995
a 2010), não podem reclamar, eles alcançaram seu objetivo, hoje essa visão está
muito diminuída até mesmo em seus próprios partidos e eles têm pouco espaço e
menos tempo ainda para recuperar um significativo lugar na nossa vida política.
Mas a mudança não é impossível e não tem nada a ver
com um retorno ao que já foi feito, e o que deve ser orientado no Brasil de
hoje é propor novas mudanças que tenham em comum com aqueles tempos o respeito
às liberdades e a busca incessante pela igualdade nas suas várias dimensões.
Mas para isso é preciso perder todos os complexos e sentir orgulho em
representar o caminho do diálogo, da busca de acordos, de sermos promotores de
compromissos viáveis.
Sentindo que esse movimento de Alckmin e Lula condiz
com este espírito que nos permite avançar de forma pluralista para uma melhor
democracia e que uma maior transparência, essencial na sociedade da informação,
não significa anular a mediação reflexiva característica da política
democrática. Entre outros sinais, assim devemos ver o aceno respeitoso de
Doria.
Chega de farsas e palavrões! É preciso desacreditar
a barbárie violenta, é preciso desacreditar a barbárie verbal e acabar com a
desconfiança. É preciso voltar à sanidade, dialogar, debater e construir
acordos. A verdade na política é sustentada assim e não por ninguém em
particular, nem por aqueles que, tendo obtido um voto “regular”, venham a pretender
encarnar a construção social imaginária que chamam de povo.
3 de maio de 2022