sábado, 30 de abril de 2022

A DOCE POLÍTICA NO CINEMA - NÚMERO 10 - MEDIDA PROVISÓRIA

Ensaio sobre a Melanina

Para o amigo José Manuel Blanco que tem um pouco de Santiago Blanco.

Por Vagner Gomes de Souza

Nesse ano de 2022 celebramos o centenário de nascimento do escritor português José Saramago. Esse foi um escritor que colocou a literatura de seu país num contexto de universalização uma vez que nele observamos a compreensão da contribuição dos mouros na formação desse complexo mundo ibérico como se observaria na leitura atenta de História do Cerco de Lisboa.

Foi Saramago que imaginou uma diáspora ibérica em seu realístico e imaginária livro A Jangada de Pedra. Nessa obra se observa que se distanciar do iberismo tem suas consequências sociais. Além disso, entre tantas obras instigantes, o escritor português nos brindou com o livro Ensaio sobre a Cegueira, que se trata de uma distopia muito necessária para a leitura nos dias atuais. Nesse livro há uma pandemia que causa a cegueira de todos ao redor o leva a inúmeras reflexões sobre a solidariedade e a postura do ser humano quando se vê nos limites de seu estado de natureza. Nessa obra a mulher é a heroína e ponto de equilíbrio contra as possíveis radicalizações.

Seria diante dessas lembranças que o filme “Medida Provisória” nos permitem entender a ameaça a democracia que está a rondar a sociedade brasileira. A reparação social pelos séculos de escravidão seria feita pela deportação dos detentores de “melanina acentuada” para a África. Uma lembrança curiosa de como a via americana concebeu a fundação da Libéria desde a chegada dos primeiros escravos libertos norte-americanos há cerca de 200 anos.

O filme está com uma recepção positiva de muitos articulistas, pois não podemos nos deixar contaminar pelas cegueiras da radicalização. Nas palavras do cineasta e acadêmico Cacá Diegues, o filme “Medida provisória” de Lázaro Ramos pode se inscrever como um dos melhores filmes brasileiros dos últimos anos[1]. Essa foi sua primeira impressão ao assistir ao filme que está nas salas de cinema com um sucesso muito atribuído a propaganda do “boca a boca” de um filme que faz um original roteiro a partir da inspiração da peça “Namíbia, não” de Aldri Anunciação[2].


O filme demonstra que Lázaro Ramos desponta como um cineasta que se destaca na direção da atuação dos atores. Seu Jorge, no personagem André (seria uma referência ao André Rebouças), está muito bem distante da atuação caricata de Marighella uma vez que a dramaticidade do filme estaria muito bem suavizada por alguns momentos de humor. Aliás, André é o típico personagem macunaímico em seu ativismo político na defesa dos cidadãos de “melanina acentuada”. Faz uso do BLOG AFIRMAÇÃO para sobreviver diante da crise da imprensa.

De volta aos comentários sobre “Medida Provisória”, Cacá Diegues reapresenta o programa do Cinema Novo e demonstra o quanto o filme estaria presente nesse contexto de reinvenção da cinematografia como se fosse o impacto de Levantado do Chão no conjunto da obra de Saramago[3]. A atenção de Diegues, que dirigiu Bye Bye Brasil, se faz num esforço de compreender a cultura como um terreno aberto a afirmação da unidade sem sectarismo. O ilustre imortal rememora as palavras de Mano Brown no comício de Fernando Haddad em 2018 que merece uma total citação com nossos grifos: “O que mata a gente é o fanatismo e a cegueira. Deixou de entender o que o povão quer e diz, já era”.

Então, o filme serve também como um alerta para aqueles que consideram que passaremos por uma campanha eleitoral sem “solavancos”. E mais importante ainda, seria reconhecer que há uma ameaça de não reconhecimento dos resultados das urnas. Por isso, não podemos agir com os nossos adversários enraizados na história do autoritarismo brasileiro reproduzindo seus gestos e discursos como se estivéssemos num espelho. Eis que Tais Araújo deixa isso muito bem claro na sua fala no AfroBunker uma vez que temos a personagem Capitu que reinventa o sentido da paixão como gesto heroico de ir ao encontro de Antonio Gama que está na interpretação de Alfred Enoch (que assim como Machado de Assis, já foi um Bruxo só que na cinematografia). Essa é a inspiração diversificadora da cultura heroica que nos deixa como inspiração o filme de Lázaro para que a República e Democracia não vá para a tumba. 



[1] Diegues, Cacá – “As suçuaranas da cultura”. O Globo. 17 de abril de 2022. Disponível nesse link https://gilvanmelo.blogspot.com/2022/04/caca-diegues-as-sucuaranas-da-cultura.html

[2] O texto da peça foi acolhido na Alemanha em 2014 a partir da tradução do prof. Dr. Henry Thorau que seria uma espécie de Dr. King Schultz do filme Django Livre.

[3] Em “A Cultura das Suçuaranas”, Cacá Diegues aprofunda seus comentários sobre o filme “Medida Provisória”. O artigo é de 23 de abril de 2022 e se encontra em O Globo.

14 comentários:

José Bezerra de Oliveira disse...

Que texto maravilhoso!

Ricardo Oliveira disse...

Parabéns pelo texto, Vagner! Ótima e necessária reflexão

Anônimo disse...

Texto maravilhoso, muito bom, parabéns, uma paixão reflexão.

Li Vi disse...

Parabéns!!! Texto excelente!!!

Danubia Lima disse...

Leria mais! Muito bom!

Anônimo disse...

Muito bom professor, deu até vontade agora de assistir ao filme.

Anônimo disse...

👏Parabéns! Texto muito esclarecedor.
Lindo!

Anônimo disse...

A onda é quente e tomara q traga a baila o reconhecimento da raça na formação do Brasil e dos Brasileiros.

Anônimo disse...

Muito bom

Milena disse...

Excelente 👏👏

PAULO BARATA disse...

👏👏👏 TEXTO MUITO BOM !!!

Anônimo disse...

Ótimo texto, parabéns!

Anônimo disse...

Show de análise

Anônimo disse...

Excelente texto. Muito boa a análise. Leve e preciso. Parabéns!